Após uma coletiva de imprensa no Fórum Econômico Mundial de Davos na Suíça, em 2020, a ugandense e ativista do clima Vanessa Nakate foi cortada de uma foto tirada com seus colegas ativistas brancos. A foto apareceu em reportagens da Associated Press e de vários outros veículos internacionais. Indignada com a situação, Nakate se tornou um nome importante na defesa de como o ativismo climático e vozes emergentes na África devem ser representadas na mídia.
A cobertura da mídia sobre a África e os africanos tem recebido críticas merecidas ao longo dos anos. Em sua popular sátira, "Como escrever sobre a África", publicada em 2009, o escritor e ativista queniano Binyavanga Wainaina criticou os estereótipos raciais frequentemente usados por jornalistas e escritores do Ocidente quando escrevem sobre o continente. Anos depois, em 2015, alguns jovens africanos começaram a usar a hashtag #TheAfricaTheMediaNeverShowsYou para reunir de forma colaborativa belas imagens demonstrando a diversidade e riqueza do continente para além dos estereótipos da mídia. Também em 2015, um grupo de quenianos tornou popular nas redes sociais a hashtag #SomeoneTellCNN para expressar seu descontentamento com uma matéria da CNN que descrevia o Quênia como "uma incubadora do terror".
Em um esforço para lidar de forma sustentável com a cobertura da mídia frequentemente negativa e carregada de estereótipos, a Africa No Filter, uma organização sem fins lucrativos comprometida em reescrever, definir e amplificar narrativas africanas, lançou em 2021 a bird, primeira agência de conteúdo digital do continente. A bird tem o objetivo de contar histórias que falem do avanço de pessoas e lugares, com destaque para a beleza e as promessas da África, distanciando-se de narrativas batidas e nocivas.
"Vivemos e respiramos narrativas danosas e estereotipadas sobre a África diariamente. Uma das primeiras coisas que buscamos quando começamos foi pesquisar narrativas sobre a África", conta à IJNet Moky Makura, diretora-executiva da Africa No Filter. "Nós analisamos 60 documentos — artigos científicos, relatórios, livros, periódicos acadêmicos dentre 2000 — escritos sobre narrativas africanas. [Nós] também entrevistamos 38 editores africanos e analisamos mais de 300 artigos de 60 veículos africanos em 15 países em 2020. Os cinco principais enquadramentos usados para a maioria das histórias sobre a África foram pobreza, conflito, corrupção, doença e liderança ruim."
Após identificar esses estereótipos prevalentes — e que um terço das matérias dos veículos africanos é obtido através da mídia estrangeira — Makura determinou que a mídia africana deveria ser empoderada para cobrir, contar e entregar histórias com ângulos mais positivos sobre o continente. Para atingir esse objetivo, a bird encomenda e distribui gratuitamente matérias multimídia atrativas produzidas por jornalistas e produtores de conteúdo para seus 20 parceiros, o que inclui os principais veículos e publicações digitais da África. Até o momento, a bird produziu mais de 350 matérias de mais de 40 colaboradores.
De acordo com Tom Kirkwood, editor-chefe da bird, essas matérias são publicadas em um site específico, de onde elas podem ser baixadas pelos parceiros. "Os parceiros de conteúdo são plataformas digitais de notícias que assinaram nossos termos, concordando que a gente contabilize as visualizações das matérias. Também podemos contabilizar o número de matérias lidas pelos leitores nos sites parceiros — graças a um código que fornecemos com cada matéria", diz Kirkwood. "Desse modo, podemos mensurar a eficácia do financiamento concedido ao projeto da bird."
Voltadas para audiências africanas que usam primariamente dispositivos móveis, as matérias da bird focam em desenvolvimento, inovação, empreendedorismo, criatividade, arte e cultura na África — para mostrar o dinamismo, progresso e recursos que são abundantes no continente.
Para continuar com seus esforços, a bird faz parcerias com organizações de perfil semelhante para criar e apoiar a comunidade de escritores criativos e jornalistas na África. Através desse relacionamento, a bird consegue oferecer oportunidades de trabalho pago e capacitação. Um exemplo é a bolsa African Arguments, um programa de mentoria e treinamento que equipa jovens jornalistas freelancers da África com habilidades para produzir matérias aprofundadas e de alta qualidade sobre o continente.
A Africa no Filter, organização detentora da bird, tem tradição em apoiar pesquisa, a mídia independente, iniciativas criativas e esforços que dão suporte a histórias com nuance, contemporâneas e diversas sobre a África. Desde 2019, a organização com sede em Joanesburgo arrecadou mais de US$ 6 milhões de financiadores externos para dar escala ao seu trabalho pioneiro. Em contrapartida, ela concedeu mais de US$ 1 milhão anualmente em pequenos subsídios para dar apoio a escritores, criadores de conteúdo e relatórios de pesquisa por meio de seu fundo Kekere Storytellers. Neste mês, a Africa No Filter anunciou o lançamento de uma nova iniciativa em parceria com o The Africa Center chamada Global Media Index, que vai monitorar e mensurar como os principais veículos internacionais cobrem a África.
A visão da bird encontra eco nos colegas jornalistas. "A mídia tem um papel importante a desempenhar ao amplificar vozes e focar nos ecossistemas tecnológicos que se desenvolvem rapidamente, nas técnicas agrícolas inovadoras, e criando equilíbrio no discurso político no continente", afirma Todah Opeyemi, especialista multimídia e editor júnior no The Republic, publicação com sede em Lagos focada na cobertura aprofundada de histórias sobre a África sub-reportadas.
Opeyemi também acredita que nós temos que contar nossas próprias histórias e dar forma às nossas próprias narrativas sobre a África, principalmente com a ascensão de publicações focadas na África no mercado de mídia. "As histórias têm o grande poder de influenciar nossa identidade enquanto africanos", afirma.
Atualmente, a bird deixou sua fase piloto e chegou ao que Kirkwood chama de bird 2.0. A agência de conteúdo está agora montando sua própria equipe e rede de colaboradores e, por meio de uma parceria com a Thomson Foundation. está oferecendo um treinamento para seus colaboradores em um esforço para acelerar a produção de conteúdo.
"Recebemos financiamento para 2022, o que é uma ótima notícia para a bird, seus parceiros, a equipe de redação virtual e nossos colaboradores. Estamos ansiosos para, neste ano, oferecer mais do que fazemos, com o potencial de usar a bird como uma plataforma para fornecer toda uma gama de conteúdo que se encaixe no compromisso da Africa No Filter de mudar as narrativas sobre e na África", diz Kirkwood. "Pretendemos expandir nosso impacto ainda mais através dos 54 países que formam esse continente vasto e dinâmico."
Foto por Nothing Ahead from Pexels.