Como usar IA em reportagens e manter a confiança da audiência

Jul 10, 2023 em Inovação da mídia
Artificial intelligence

As oportunidades e perigos da inteligência artificial (IA) foram debatidos pelos participantes da Media Party Chicago, conferência que explora a interseção de IA e jornalismo. Especialistas em ética propuseram modelos para o uso responsável de novas tecnologias poderosas, desenvolvedores ensinaram jornalistas como usar IA para levar conteúdo customizado aos leitores e repórteres discutiram como manter a confiança da audiência com a abundância de desinformação criada com ajuda de IA. 

O Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ na sigla em inglês) ajudou a organizar o evento de três dias, reunindo empreendedores, jornalistas, desenvolvedores e designers dos cinco continentes para trabalharem juntos no futuro da mídia. Todos eles se uniram em uma hackathon para criar soluções que usam IA.

A seguir estão alguns dos principais pontos do evento:

Quais perguntas as redações devem fazer a si mesmas antes de usar IA?

Em um debate com Maggie Farley, diretora sênior de inovação do ICFJ, Daila Hashim, integrante do projeto Partnership on AI, apresentou as perguntas que redações devem fazer a si mesmas antes de sequer começarem a usar inteligência artificial generativa, o sistema de IA capaz de gerar textos e imagens em resposta a prompts. Haim disse que comunicar como e por que você está usando IA é importante para construir a confiança da audiência. "Quanto mais aberto e transparente você é a respeito, mais a audiência estará pronta para aceitar que a IA está sendo usada", explicou.

 

Media Party Chicago


Considerações importantes incluem:

  • Nós nos sentimos confortáveis de usar ferramentas de IA generativa que foram treinadas usando o conteúdo dos outros sem consentimento? Conseguimos encontrar ou criar ferramentas que não são derivativas? 
  • Como vamos impor limites ao uso de ferramentas de IA na redação?
  • Em que ponto o nosso fluxo de trabalho pode ser automatizado? Onde precisamos de um humano no processo?
  • Se vamos usar IA para produzir conteúdo, como vamos categorizá-lo?
  • Como vamos assegurar a precisão do conteúdo feito com ajuda de IA?
  • Se estamos coletando dados da nossa audiência, como eles vão ser usados e a quem eles pertencem? 

Hashim encorajou os jornalistas a usarem o modelo de práticas responsáveis para uso de IA por redações criado pelo Partnership on AI, junto com outro recurso do projeto, a base de dados de ferramentas de IA para redações locais.

Como podemos evitar que a IA espalhe desinformação? Como saber se a IA está "tendo alucinações"?

Edward Tian, do projeto GPT Zero, destacou alguns dos perigos da IA quando se trata de desinformação.

"O texto de IA generativa é suscetível a cuspir artigos e alucinações", disse à audiência.

Ele recomendou que redações tenham a consciência de que estão integrando tecnologia de IA em seu trabalho. Não é só o ChatGPT que está espalhando desinformação, disse. Veículos que usam IA para produzir o máximo de conteúdo possível também são parte do problema.

Tian apresentou uma ferramenta gratuita de detecção que a empresa dele criou para detectar o uso de IA. Redações e audiências podem usar a ferramenta para limitar a disseminação de desinformação gerada por IA, explicou.

O que a IA pode fazer pelo público?

Jeremy Gilbert, do Knight Lab da Universidade Northwestern, disse que "muito frequentemente nós gastamos tempo perguntando 'o que a IA generativa pode fazer?', mas nós não perguntamos 'o que nossa audiência de fato quer?'"

Gilbert explicou que consumidores de notícias não necessariamente querem mais conteúdo. Em vez disso, eles têm perguntas específicas que os fazem pesquisar uma matéria, e os veículos deveriam dar as respostas específicas. Ele disse que a IA generativa pode ajudar as redações a criar ferramentas que respondam melhor às necessidades da audiência.

A IA vai substituir jornalistas?

A CEO da World News Media Network, Martha Williams, mergulhou nos prós e contras da IA generativa.

As pessoas já estão começando a usar o ChatGPT para obter informação diretamente em vez de recorrer aos veículos jornalísticos – ou mesmo ao Google. Isso significa que os anúncios e assinaturas vão sofrer, disse Williams. A desinformação também vai crescer. O desafio para a mídia é criar conteúdo único e confiável que seja valioso para sua comunidade – e suas próprias ferramentas de IA para fortalecê-lo. 

"Eu acredito que qualquer coisa que possa ser automatizada o será, e isso não só no jornalismo. É nos empregos de mídia em geral", disse. Mas Williams também disse que a automação pode trazer tempo e dinheiro para realizar projetos jornalísticos de larga escala que exigem mais recursos.

Jennifer Brandel, da Hearken, trouxe um ponto semelhante ao explicar que, no futuro, a IA pode ser capaz de replicar empregos transacionais e criar eficiências em outros. Se a IA consegue substituir parte do que os jornalistas estão fazendo, ela disse, precisamos fazer algo mais humano: criar conexões com as pessoas e dar a elas a informação de que precisam para tornar suas vidas e comunidades melhores.

A AI pode melhorar o modo como os jornalistas trabalham?

Fernanda Aguirre, do México, e Rosario Marina, da Argentina, apresentaram um projeto no qual colaboraram depois de se conhecerem no programa Emerging Media Leaders do ICFJ. Para contornar os dados difíceis de acessar e de analisar fornecidos pelo judiciário argentino, Aguirre criou uma ferramenta de IA para a redação de Marina usar.

A ferramenta transforma dados em PDF em um formato de leitura fácil e com isso permite que os jornalistas entrevistem os dados. "É claro que temos limitações, a IA generativa não é perfeita", disse Aguirre. Para combater essas armadilhas, Aguirre e Marina incluíram prompts de verificação de fatos para interrogar os dados, para assegurar que toda a informação obtida está de fato vindo dos documentos originais.

"Há muitas pautas que jornalistas não estão encontrando por causa de formatos pouco amigáveis", disse Aguirre. Ferramentas de IA como essa podem ajudar jornalistas a acessarem bases de dados para criar matérias que façam o governo prestar contas e que informem o público. 

O que jornalistas fazem que a IA não consegue fazer?

Em sua apresentação, Jennifer Brandel, da Hearken, focou no valor do que ela chama de "experiência de verdade" pode trazer para o jornalismo.

"Temos uma tecnologia de 521 milhões de anos chamada cérebro humano, que precisa de quantidades iguais de investimento para que possamos otimizar coisas como cuidado, compaixão, escuta profunda, apuração de informações, cocriação e disseminação", disse.

"Nós humanos ainda temos uma vantagem competitiva quando se trata de uma dimensão em relação à IA que é o cuidado", disse. "A IA não está nem aí. Ela intrinsecamente não é capaz de se importar. Por isso os jornalistas ou quem faz jornalismo devem compensar o que foi perdido e se importar mais"

No último dia da Media Party, jornalistas, desenvolvedores, designers e outros profissionais se reuniram para uma hackathon. Sete equipes apresentaram suas ideias focadas em oportunidades e desafios da IA no jornalismo. As equipes a seguir ganharam prêmios do Knight Lab e do GPTZero e mentoria do ICFJ:

  • SourceScout, plataforma que usa IA para ajudar veículos a encontrarem fontes diversas e com pouco reconhecimento, ganhou o prêmio principal;
  • O segundo prêmio foi para o Scroll News, ferramenta para organizações jornalísticas criarem posts noticiosos com o estilo das redes sociais e vídeos curtos para engajar leitores;
  • Share a Story, ferramenta desenvolvida pelo professor Blake Eskin para engajar estudantes na seleção e produção de notícias, levou o terceiro prêmio; 
  • Quick Trace, ferramenta feita com suporte do ChatGPT para ajudar repórteres a analisar grandes quantidades de material de reportagem, também ganhou o terceiro prêmio.

Este artigo foi originalmente publicado pelo International Centro Internacional para Jornalistas, organização-mãe da IJNet, e foi republicado aqui com permissão.

Foto por Tara Winstead.