Quando a BBC World Service analisou o desempenho do seu conteúdo, percebeu que 70% dos artigos contribuíam para apenas 7% do tráfego. Em resumo, a maior parte do trabalho em que jornalistas dedicavam tempo e energia mal era lida.
Isso foi há cinco anos e desde então a redação adotou um modelo que coloca a audiência em primeiro lugar, usando o conceito das seis necessidades do usuário. A premissa básica é que os leitores precisam muito mais do que notícias de última hora: eles querem entender o contexto, serem capazes de tomar suas próprias decisões sobre um tópico e também se inspirarem ou se distraírem. A quantidade de conteúdo que uma redação precisa produzir em cada categoria depende das preferências da audiência, mas, no geral, o público espera mais dos jornalistas do que apenas notícias quentes.
Na BBC, essa abordagem foi defendida por Dmitry Shishkin, que mais tarde se juntou à start-up de jornalismo de viagem Culture Trip e hoje é um consultor independente de publicações digitais.
Mais recentemente, Shishkin trabalhou com a empresa de analytics editorial smartocto no que ficou conhecido como o projeto Triple N (Três Ns, em tradução livre) — Notícias, Necessidades, Notificações — que quer facilitar a abordagem das necessidades do usuário para editores atarefados. A ferramenta usa um algoritmo para identificar as necessidades da audiência e a partir disso envia notificações para sugerir ações que o editor pode implementar para aumentar o engajamento dos leitores.
Depois de um ano de pesquisas, a smartocto publicou seu primeiro relatório, "Actionable user needs" ("Necessidades dos usuários sobre as quais se pode agir", em tradução livre). Nós apresentamos a seguir algumas das descobertas.
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Redações e necessidades dos usuários
As redações costumavam ser um lugar onde um editor sábio simplesmente "sabia" o que a audiência "quer" e os jornalistas escreviam para esse editor e não para os seus leitores.
Nós então saltamos desse lugar para uma era com tanta abundância de dados sobre o comportamento, as preferências e aversões do usuário que sofremos para conseguir entender tudo isso. O que é importante para sua estratégia editorial? Visualizações de páginas ou leitores que retornam ao site? O número de artigos lidos em um dia ou os compartilhamentos nas redes sociais?
Para tomar essas decisões, os editores precisam primeiro entender o que os leitores realmente precisam. Só então eles podem pautar reportagens que as pessoas vão achar úteis e envolventes.
Mas aqui está a parte mais difícil. Mesmo quando uma publicação sabe as necessidades de seus usuários, como conceber os artigos individualmente? Como você decide se uma matéria deveria ser um texto com uma breve atualização ou uma reportagem aprofundada com um contexto mais amplo? E que tal um texto em formato de lista ou a análise de um especialista?
O problema mais comum é que as redações frequentemente produzem notícias de última hora em excesso e ignoram as necessidades dos leitores para outros tipos de matérias. As redações carecem de insights sobre momento ideal, formato, canais e tópicos de preferência dos usuários e isso diminui o impacto do trabalho. Jornalistas frequentemente também deixam de escrever sobre os desdobramentos de matérias que estão com alto engajamento, perdendo assim a oportunidade de produzir mais conteúdo útil.
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Dos dados para a ação
No relatório, a smartocto trabalhou com três publicações: Omroep Barabant, empresa de comunicação pública da Holanda, o jornal belga De Morgen e o IDN Times, uma publicação digital da Indonésia voltada para millennials e a geração Z. Para cada uma dessas empresas, o estudo identificou os pontos fracos e obstáculos para o crescimento.
Até o momento, a smartocto desenvolveu nove notificações para ajudar os editores a verem o desempenho de uma matéria. Algumas delas são bem objetivas — visualizações de página excepcionais ou interações no Twitter — enquanto outras alertam quando uma matéria está indo bem mesmo depois de um pico e a partir disso recomenda uma suíte com base em uma necessidade diferente do usuário.
O algoritmo provou ser majoritariamente bem-sucedido para as três publicações, apesar de ainda precisar de algum aperfeiçoamento. O que importa é que todas viram um crescimento no engajamento e no tamanho da audiência a partir do momento que passaram a adaptar o conteúdo às necessidades dos usuários.
Tudo isso pode deixar você pensando — o que vai acontecer com o faro jornalístico? Os jornalistas agora vão virar reféns dos dados e só vão escrever algo porque o computador decidiu assim?
A resposta é simplesmente não. As métricas estão aí para orientar os jornalistas, não para ditar o quê e como escrever. Afinal, queremos que nosso trabalho gere impacto em vez de ficar parado num site juntando poeira virtual.
"A beleza de um modelo baseado nas necessidades do usuário é simples — a origem é o usuário", escreve Shishkin no relatório.
"O modelo por si é externo, não é interno — ele desafia as redações ao lembrá-las de ouvir e não pregar antes de agir. E tendo trabalhado com várias redações na minha vida, eu consigo ver uma correlação direta entre ter um bom desempenho, encontrar sua audiência e satisfazer as necessidades dela adequadamente".
Você pode baixar e ler o relatório completo aqui.
Esse artigo foi originalmente publicado pelo Journalism.co.uk e republicado na IJNet com autorização.