Durante uma pandemia em que muitos países se aproveitaram para eludir a transparência e se eximir de suas responsabilidades, o trabalho dos jornalistas é mais desafiador e essencial.
Em meio a essas condições em El Salvador, a veterana jornalista Cecibel Romero expôs irregularidades do governo na compra de equipamentos de proteção. Depois que ela publicou sua reportagem, as autoridades de El Salvador demitiram um funcionário público e iniciaram uma investigação sobre contratos governamentais.
Veja como Romero, membro do Salud con Lupa, um site de notícias independente fundado pela bolsista Knight do ICFJ Fabiola Torres, conduziu a investigação.
Quando a COVID-19 atingiu El Salvador pela primeira vez no ano passado, o país estava em meio a outra grande crise: a escassez de água potável havia se tornado comum nos últimos anos. O governo distribuiu milhões de garrafas plásticas de água para resolver o problema.
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Depois que os críticos levantaram preocupações ambientais sobre a política, o governo comprou de volta as garrafas usadas, prometendo reciclá-las. Quando o país passou por uma escassez de equipamentos de proteção para seus trabalhadores essenciais no início da COVID-19, o governo anunciou que iria colocar um plano de reciclagem em ação para produzir e distribuir protetores faciais de plástico.
“Parecia um final feliz para uma história: ‘Pegamos esse lixo e o transformamos em um produto útil que agora podemos dar aos trabalhadores da linha de frente”, disse Romero. Mas ela suspeitava que essa não seria a história completa.
Romero decidiu investigar o governante que liderava o processo: Jorge Aguilar, presidente do Fundo Ambiental de El Salvador e conhecido empresário do setor de reciclagem. Foi quando ela soube que os protetores faciais comprados pelo governo eram feitos pela Insema, empresa da família de Aguilar.
Apesar da suspensão do governo dos pedidos de acesso à informação pública, Romero obteve uma série de relatórios oficiais apresentados ao legislativo do país sobre fornecedores, preços e produtos relacionados aos protetores faciais. Ela leu muito sobre o problema e conversou com especialistas em compras e administração pública, aproveitando a ocasião para treinar suas fontes nas melhores práticas de segurança digital ao longo do caminho. “É preciso investir tempo no ensino e fazer com que vejam as vantagens de usar o Telegram ou Signal em vez do WhatsApp ou do Facebook Messenger”, disse ela, lembrando que muitos temem retaliação por compartilhar informações.
Romero também descobriu informações úteis sobre as mídias sociais usando o Vicinitas, uma ferramenta que permite aos usuários baixar tuítes.
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De acordo com os advogados entrevistados por Romero, Aguilar provavelmente violou não apenas a lei de compras públicas, mas também a lei de ética governamental, que estabelece que os membros da administração não podem participar em assuntos que possam representar um conflito de interesses. Aguilar mais tarde reconheceu o contrato, mas disse que quando o negócio foi acertado era a filha que mandava na empresa, não ele.
Romero publicou uma reportagem investigativa na qual descreveu como pelo menos US$250.000 do investimento do governo em equipamentos de proteção durante a pandemia foram direcionados à Insema.
Esta reportagem inicial estimulou outros jornalistas a iniciar suas próprias investigações. Uma delas encontrou o pedido de compra que mostrava as quantidades e preços dos protetores faciais adquiridos pelo governo. Romero examinou esses documentos e reportou que o equipamento de proteção foi adquirido com uma marcação de 121% por unidade.
Poucas horas depois do Salud con Lupa publicar esta segunda matéria, o presidente de El Salvador Nayib Bukele tuitou que ia demitir Aguilar. Em novembro, o gabinete do procurador-geral de El Salvador ocupou vários ministérios do governo como parte das investigações sobre irregularidades de compras durante a pandemia, incluindo o caso que Romero trouxe à luz.
“Desde o início ficou claro que a pandemia mostrava tudo o que havia de errado em nossos países, especialmente com os sistemas de saúde”, disse ela.
Torres acrescentou: “O governo salvadorenho restringiu o acesso aos contratos públicos para evitar a fiscalização por parte dos cidadãos. Isso tornou o trabalho dos jornalistas investigativos mais difícil e ainda mais importante.”
Aldana Vales é gerente de programa do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês), organização-matriz da IJNet.
Imagem cortesia do Salud con Lupa