Em 2017, a ONU reconheceu um aumento no mundo todo de Processos Judiciais Estratégicos Contra a Participação Pública (SLAPPs na sigla em inglês). Estes processos não são feitos para serem ganhos; em vez disso, eles buscam drenar os recursos financeiros de jornalistas e dos veículos para os quais eles trabalham.
Em última análise, o objetivo de um SLAPP é silenciar jornalistas e suas reportagens sobre questões de interesse público, consequentemente arrefecendo possíveis futuras reportagens independentes.
É aí que entra em cena a Reporters Shield, uma nova organização com o objetivo de proteger a mídia e jornalistas no mundo todo dos SLAPPs. Funcionando como um programa de membros, ela emprega uma combinação de cursos e assistência legal para combater ações judiciais criadas para oprimir financeiramente os repórteres e silenciar seu trabalho.
Peter Noorlander, fundador e diretor da Reporters Shield, trabalhou anteriormente no Projeto de Reportagem sobre o Crime Organizado e Corrupção (OCCRP na sigla em inglês), uma das principais forças por trás da iniciativa.
"Eu me lembro de falar sobre a Reporters Shield no OCCRP há dez anos", diz Noorlander. "É um projeto que está sendo desenvolvido há muito tempo."
Prevenir, responder e defender
Em sua essência, a Reporters Shield atua como um seguro para veículos que correm um risco grande de serem levados à Justiça por causa de seu trabalho. Ela cumpre essa missão por meio de uma abordagem em três frentes:
Primeiro, prevenção. Advogados fazem uma análise pré-publicação de reportagens investigativas de alto risco, avaliando palavras ou ideias que possam vir a ser interpretadas erroneamente como difamatórias e dão conselhos sobre linguagem alternativa a ser usada. A Reporters Shield também treina seus membros sobre o básico da legislação de mídia para ajudá-los a identificar melhor matérias que correm um risco maior de serem "SLAPPeadas".
A segunda frente, responder, é posta em prática se, apesar dos procedimentos de prevenção, um veículo for processado. Especialistas legais da Reporters Shield redigem peças para apresentar à Justiça em nome do veículo, usando seus conhecimentos em legislação de mídia para estabelecer uma linha de defesa para o veículo ou tentar fazer com que o processo seja indeferido de vez.
Caso a ação vá a julgamento, a Reporters Shield vai orçar e cobrir o custo de advogados qualificados para representar o veículo como parte da terceira frente, defesa.
"É como se estivéssemos dizendo: vamos livrar vocês desse estresse", diz Noorlander.
Quem pode ser um membro
Nem todos os veículos podem se tornar membros da Reporters Shield. Membros em potencial devem:
- Ser registrados legalmente
- Fazer reportagem investigativa geral ou de nicho, como investigações ambientais ou de justiça social
- Publicar o trabalho em formato impresso e/ou online
- Assinar um código de ética jornalística
Embora haja outras exigências, estas quatro são fatores decisivos para diferenciar candidatos ideias e não ideais, explica Noorlander.
"Vou te dizer o que nós não queremos. Há alguns veículos jornalísticos – e uso essa palavra com certa hesitação – que estão comprometidos com jornalismo de ataque", diz. "Estes ficam abaixo do critério mínimo que temos em termos de ética jornalística."
"Ficamos felizes de poder ter como membros quem atende esses critérios", acrescenta.
Cada membro paga uma taxa anual que varia conforme o tamanho do veículo, seu histórico de processos judiciais e o custo corrente dos advogados no país onde ele se encontra. Essas taxas contribuem para o fundo de defesa da Reporters Shield para cobrir o custo dos advogados contratados.
Como se afiliar
A Reporters Shield recebe candidaturas do mundo todo por fases, conforme a região. No momento da publicação deste artigo, a organização está recebendo pedidos de afiliação de veículos da América do Sul, América do Norte, Europa e Ásia Central.
Os veículos devem preencher um formulário. A equipe da Reporters Shield analisa a informação enviada para decidir se o candidato é adequado para se tornar membro e exatamente quanto o veículo terá que pagar anualmente para fazer parte da organização.
"Nosso lançamento público foi há poucas semanas, mas imediatamente recebemos algumas boas dúzias de candidaturas", diz Noorlander. "Então, já temos pendências que queremos tratar o quanto antes possível."
Força nos números
Na sua essência, a Reporters Shield espera reforçar o jornalismo ao proteger os veículos do ônus financeiro de ações judiciais estratégicas. Junto com essa missão que guia a organização, já há planos de expansão. Por exemplo, permitir que jornalistas freelancers se tornem membros individualmente e oferecer cursos de legislação de mídia mais aprofundados.
"O que nós queremos fazer, mas ainda não temos o financiamento para tanto, é oferecer um nível mais avançado de curso de legislação de mídia", diz Noorlander. "Não vamos transformar jornalistas em advogados de mídia, mas alguns deles podem querer aprender mais em um nível mais alto."
Em última análise, a força da iniciativa vai residir em seus números.
"A Reporters Shield é como uma sociedade de ajuda mútua e opera como um fundo de defesa, que é custeado por um número grande de indivíduos. Quanto mais pessoas o custearem, mais forte o fundo será", diz Noorlander.
"Há um elemento de solidariedade nisso tudo. Você está protegendo a comunidade de jornalismo como um todo e todos os demais, e também está garantindo o futuro."
Foto por Pawel Czerwinski via Unsplash.