Como os focas do Malawi lidam com práticas exploratórias da profissão

Jun 6, 2022 em Temas especializados
Chiradzulu Mountain located in Malawi

Quando Blessings Kadewere, 28, recebeu uma oferta de estágio, em 2016, direto da faculdade de jornalismo, ele ficou maravilhado em saber que seu sonho de infância de trabalhar na mídia estava se realizando. O fato de sua família não poder arcar com um curso de jornalismo resultou em uma jornada difícil para Kadewere obter seu diploma. Ele trabalhou como professor em empregos de meio período e, depois de alguns anos, conseguiu usar o que ganhou para se matricular na faculdade.

Vivendo no Malawi, Kadewere sentia que seu futuro era promissor. “Eu comecei a colaborar com diferentes veículos, impressos e eletrônicos, enquanto ainda estava estudando, e o editor me disse que meu trabalho era incrível. Isso me deu esperança de que eu não teria dificuldade para conseguir um emprego mais à frente”, diz.

Logo depois de terminar o curso, o editor de uma das emissoras de rádio onde Kadewere foi colaborador o ofereceu o que a princípio parecia uma oportunidade promissora. Disseram que estavam impressionados com o trabalho dele e tinham decidido inseri-lo na equipe, porém sob condições que não incluíam pagamento.

Apesar de trabalhar duro e produzir muitas reportagens importantes por oito meses, Kadewere ainda não recebia pelo seu trabalho.

“Eles disseram que iam me empregar depois de três meses. Eu perguntei como iria sobreviver nesses três meses, e me falaram que eu ia participar de eventos e receber uma ajuda de custo. Como era o meu primeiro mês, eu aceitei”, diz.

“Perguntei se o que eles estavam fazendo era legal e se fazia parte das condições com as quais havíamos acordado. Eles disseram que não havia contrato. Chegaram até a me desafiar [e disseram] que eu poderia ir pra qualquer outro lugar ou mesmo processá-los e nada iria acontecer”, diz.

A história de Kadewere não é um caso isolado. Uma combinação de leis trabalhistas frágeis com veículos passando por dificuldades e uma cultura de exploração colocou jornalistas, especialmente os mais novos, os focas, à mercê de empresas jornalísticas que oferecem ajuda de custo a repórteres. É uma prática que se reflete em toda a África Subsaariana.

Jimmy Kainja, professor de mídia, comunicação e estudos culturais na Chancellor College, da Universidade do Malawi, diz que estágios prolongados são comuns no país e não necessariamente limitados ao meio jornalístico. “A mídia tem um papel central em questões de governança e nas decisões que as pessoas tomam diariamente”, diz Kainja. “Quando você olha para a profissão, você começa a entender que ela tem um grande problema.” A ausência de pagamento não é só um problema moral ou de direitos trabalhistas; ela também contribui com a prática corrente de suborno, chamada na região de “jornalismo do envelope marrom”.

“Você não consegue pagar o aluguel, não consegue comprar comida. As chances de você ser subornado são grandes e você pode acabar fazendo um trabalho que não é independente, mas sim com uma abordagem de relações públicas”, diz.

Kainja conhece jornalistas que são estagiários há mais de cinco anos. Ele observa que, apesar de os veículos estarem tendo dificuldades diante do crescimento das redes sociais e da queda das receitas de publicidade, o Sindicato dos Jornalistas do Malawi (JUMA na sigla em inglês) precisa intervir para proteger os repórteres.

“Esses repórteres precisam alimentar suas famílias, trabalhar e viver uma vida normal como se estivessem ganhando dinheiro, mas isso não está acontecendo. Isso gera problemas na qualidade da reportagem e do conteúdo criado”, acrescenta.

A prática também fez com que repórteres promissores deixassem a profissão para buscar outras empreitadas que os sustentassem. Efrida Nkhunga, 27, formada em jornalismo, descreve como duro seu período de estágio em uma rádio por mais de dois anos. Durante essa época, a sobrevivência dela dependia de ajudas de custo que recebia quando era convidada para oficinas. Hoje professora de escola primária, Nkhunga diz que consegue sustentar sua família de um modo que ela não conseguiria com o jornalismo, embora ela ainda tenha ambições jornalísticas. 

“Eu não recebia nenhum pagamento, apesar de trabalhar duro”, diz, acrescentando que até mesmo ir às oficinas era difícil, já que todos os repórteres brigavam para serem selecionados como participantes.

O JUMA, criado em 2006 “para promover o bem-estar de jornalistas através da defesa de seus direitos e reportagem justa”, ainda não conseguiu gerar mudanças em meio aos empregadores. De acordo com Charles Mkula, secretário-geral do JUMA, financiamento é um problema central, já que existe uma cultura do medo, na qual os empregados não querem se colocar contra os empregadores.

“Eles acham que se os empregadores souberem que eles estão envolvidos com o sindicato, vão ser demitidos, ainda que a lei seja clara ao dizer que a sindicalização é parte da democracia e está na constituição”, diz.

O JUMA está trabalhando recentemente com instituições para capacitar jornalistas com conhecimentos sobre a profissão para defender seus direitos trabalhistas. “Eles são treinados por essas instituições para entender como a profissão funciona para além da parte de reportagem”, diz Mkula. 

Apesar de todas essas frustrações, muitos jovens repórteres ainda dizem que são apaixonados pelo jornalismo e, se houvesse uma chance e condições adequadas de pagamento, eles voltariam a trabalhar felizes. Mas para isso acontecer, é preciso uma cultura de mudança que veja os focas como parte integral de uma redação - e não como recursos descartáveis.


Foto por Godfrey Phiri via Pexels.