Como lidar com a síndrome do impostor no jornalismo

por Iris Pase
Jun 10, 2021 em Temas especializados
mulher com caderno de anotações

Todos os jornalistas experimentam momentos de dúvida sobre si mesmos em algum ponto de suas carreiras. O ato de escrever, revisar e reescrever facilita a reflexão e pode estimular uma análise excessiva, inclusive como uma forma de perfeccionismo.

Se alguma vez você já se pegou questionando a suficiência das suas habilidades de escrita apesar das evidências mostrarem o contrário, ou dizendo para si mesmo que você não merece as conquistas da sua carreira, você pode estar sofrendo da síndrome do impostor. 

Inicialmente descrito pelas psicólogas Suzanne Imes e Pauline Rose Clance nos anos 1970, o "fenômeno do impostor" ou a "síndrome do impostor" acontece quando as pessoas duvidam de suas conquistas e habilidades, e temem ser uma fraude. O estudo originalmente mostrou os efeitos do fenômeno em mulheres. Pesquisas feitas mais tarde, no entanto, descobriram que a síndrome do impostor afeta também os homens.

O número de pessoas que vivenciam a síndrome varia bastante. Um estudo de 2020 identificou que os índices vão de 9% a 82% dos participantes de pesquisas, sendo particularmente altos entre grupos de minorias étnicas e frequentemente acometidos por depressão e ansiedade.

Nós pedimos para alguns jornalistas compartilharem seus conselhos sobre como lidar com a síndrome do impostor. Veja o que eles disseram:

Deixe de lado os pensamentos ruins

Sempre que você sentir que não é o bastante, "tire isso da sua cabeça e seja gentil com você mesmo", afirma Ruby Deevoy. Jornalista de saúde e bem-estar, ela é colunista especializada em canabidiol na revista Top Sante e fundadora do site thecbdconsultancy.com.

Ela considera que dizer frases motivacionais no banho ou durante a prática de exercícios funciona muito bem. "Se estou me sentindo desmerecida, eu me volto para a outra ponta dessa escala e digo (repetidas vezes) algo como 'eu sou poderosa, eu sou incrível, eu sou reconhecida e valorizada pela minha contribuição excepcional para o mundo'."

Anna McAree, estudante de jornalismo da Irlanda do Norte, concorda. "Meu conselho é acreditar em você mesma e no feedback que dão para você. "Se as pessoas te dizem que você está indo bem e fazendo um bom trabalho, então acredite nelas!" 

[Leia mais: Como construir uma carreira de sucesso como jornalista freelance]

Pare de se comparar com os outros

Trabalhar como um jornalista freelance pode ser especialmente opressor quando se trata da síndrome do impostor. De fato, sugerir pautas frequentemente consiste em não ter retorno de muitos editores e ter suas ideias rejeitadas. Além disso, trabalhar de maneira independente significa deixar de receber bastante feedback, o que pode ser reconfortante quando nos sentimos pouco confiantes.

"Foque em você mesmo", diz Adam England, jornalista freelance que trabalhou para muitos veículos, incluindo The Guardian, The Independent, Metro e Euronews.

Com origem na classe trabalhadora, ele diz ter se sentido ligeiramente desconfortável ao ingressar no jornalismo, uma vez que o meio é desproporcionalmente representado por pessoas de grupos privilegiados.

O conselho dele, portanto, é "não se comparar com os seus colegas ou com qualquer jornalista estabelecido que você admira — concentre-se na sua própria trajetória".

O caminho de todo mundo no jornalismo é diferente, seja em termos de idade, sucesso, especialidades ou qualquer outra coisa.

Você não precisa ser perfeito

Como explicam as jornalistas Emma Wilkinson e Lily Canter em seu podcast Freelancing for Journalists, a síndrome do impostor pode surgir também quando jornalistas cobrem tópicos que eles consideram não ter domínio. 

É importante lembrar, no entanto, que repórteres não precisam ser experts nem perfeitos, e sim tornar o conhecimento acessível para suas audiências. Com relação à expertise, nós sempre podemos contar com especialistas.

[Leia mais: Comunidades online estão se esforçando para ser mais inclusivas]

Tenha um mentor

Como Wilkinson e Canter sugerem em seu podcast, a assistência de um mentor pode ser bastante valiosa para iniciantes e aspirantes a jornalistas.

Quando você está começando, elas dizem, um conselheiro experiente e confiável pode não só te dar uma injeção de confiança como também ajudar a melhorar o seu trabalho por meio de um feedback construtivo. Mais que isso, um mentor pode ser uma grande fonte de contatos e, acima de tudo, entender como a indústria da mídia funciona.

Mude a perspectiva

À medida que sentimentos de dúvidas e inseguranças tomam conta de você, é importante também reconhecer o contexto mais amplo dentro do qual jornalistas trabalham.

Tomiwa Folorunso, escritora e editora de Edimburgo baseada em Bruxelas, diz: "Quando falamos especificamente sobre a síndrome do impostor em mulheres, grupos sub-representados ou comunidades marginalizadas, estamos falando de uma coisa sobre a qual eu tenho controle".

No entanto, ao focar no que um indivíduo pode fazer, "nós não estamos reconhecendo que muitos de nós estamos operando, trabalhando e vivendo dentro de sistemas — organizações, empresas e sociedade — que no fundo não querem que tenhamos sucesso".

"Estes espaços foram criados para homens brancos cis heterossexuais terem sucesso. Então temos que praticamente mudar nossa linguagem quando falamos sobre síndrome do impostor", completa Folorunso. "Porque é nosso o ônus de trabalhar mais duro e não o de tornar esses espaços mais adequados às nossas necessidades?"

Retire-se de ambientes de trabalho tóxicos

Barreiras sistêmicas não são os únicos obstáculos que trabalhadores precisam enfrentar. Ambientes de trabalho tóxicos, de fato, podem afetar significativamente a saúde mental.

"Procure lugares onde sua voz e o que você tem a dizer importam e são valorizados, pois esses lugares existem", diz Tomiwa. "Há editores e veículos que querem te estimular, eles cuidam de você, te apoiam e não são tóxicos."

Seja devido a pressões sociais ou a nossas próprias inseguranças, a síndrome do impostor pode parecer um muro intransponível. Sempre que possível, tente lutar contra as dúvidas sobre si mesmo e você vai conquistar coisas incríveis.

Deevoy, por exemplo, inicialmente sentiu que estava inventando coisas para um artigo sobre biologia quântica que estava escrevendo. Porém, depois de insistir até o fim, ele foi publicado e recentemente foi até escolhido por uma organização de biologia quântica que está considerando financiar uma pesquisa para explorar a teoria apresentada por ela. Quem sabe até onde a autoconfiança pode te levar?  


Iris Pase é jornalista freelance baseada em Glasgow.

Foto por Lisa no Pexels.