Muitos previram uma revolução no mundo da desinformação na primeira eleição dos EUA com inteligência artificial generativa no mercado. Mas essa revolução não aconteceu, pelo menos por enquanto.
Ainda que de fato a IA tenha alavancado o fenômeno dos conteúdos políticos e eleitorais falsos e enganosos, viralizando-os em alta velocidades, até agora não registramos uma mudança crucial na forma como operam os desinformantes enquanto as grandes plataformas de redes sociais tiram proveito da situação e as big techs competem pelo melhor modelo de IA.
Isso quer dizer que podemos baixar a guarda e ficarmos tranquilos? Certamente não. O fato de ainda não ter ocorrido uma explosão de desinformação criada com IA não significa que isso não possa acontecer nos dias que antecedem a eleição de 5 de novembro de 2024, cuja campanha vem apresentando várias características extraordinárias (mudança de candidato democrata, de Joe Biden para Kamala Harris, e a tentativa de assassinato do candidato republicano Donald Trump) e tem se mostrado a mais disputada das últimas décadas.
O que nós do Factchequeado identificamos até agora são vídeos que usam IA para se multiplicar com áudios e apresentadores diferentes e, principalmente, imagens geradas com IA. Nada de deepfakes (vídeos manipulados com tecnologia para criar imagens realistas) nem de muitos áudios manipulados dos candidatos, como temíamos. Talvez, como costuma dizer a especialista Claire Wardle, cofundadora e codiretora do Information Futures Lab da Universidade Brown, os deepfakes não fizeram falta porque os cheap fakes (fakes baratos) continuam dando conta de enganar, como é o caso de imagens editadas ou tiradas de contexto ou as manchetes emotivas e enganosas que não se baseiam em dados.
Em termos de volume, a candidata mulher na corrida presidencial parece ter sido o principal alvo: nas redes sociais, graças à IA, Harris apareceu falsamente vestida com roupa de líder comunista, usando biquíni com a bandeira dos EUA ou abraçando parceiros falsos (de empresários a cantores).
A IA também nos mostrou falsamente Trump fazendo churrasco no Bronx e abraçado com um grupo de pessoas negras (neste segmento populacional, Harris tem 78% das intenções de voto, de acordo com a última pesquisa do The New York Times) ou com muitos quilos a mais, dentre outros exemplos. Sem que o fato tenha ocorrido realmente, também vimos membros do Serviço Secreto rindo após o atentando contra Trump.
Os candidatos a vice-presidente, Tim Walz e JD Vance, também não se salvaram. Walz foi mostrado ao lado de Harris diante de um cartaz do Partido Comunista e até chegaram a vesti-lo falsamente como um cowboy trans. No caso de Vance, aparentemente tentaram beneficiá-lo com mais barba e um rosto mais angular, de acordo com os padrões de beleza usados em publicidades masculinas de alta costura.
Os áudios falsos que podem circular sem contexto algum no WhatsApp, plataforma especialmente usada por hispânicos e latinos para discutir política, é o que mais preocupa a nós que temos monitorado a desinformação em espanhol.
Neste contexto sem revolução (pelo menos no momento), o que vimos se repetir são os 10 tipos de desinformação eleitoral que nós do Chequeado e do LatamChequea identificamos em 2018, com o apoio da Unesco, como sendo uma constante nas eleições de vários países da América Latina. Eles também estiveram presentes nas eleições dos EUA de 2018, 2020 e 2022.
Abaixo estão os 10 tipos de desinformação que observamos a cada processo eleitoral. Conheça-os para se prevenir e não cair na armadilha.
- TIPO 1: Irregularidade detectada no processo eleitoral (isso não significa que haja fraude)
- TIPO 2: Suposta fraude organizada por autoridades, mas sem fundamentos
- TIPO 3: Desinformação sobre votos de pessoas falecidas
- TIPO 4: Desinformação sobre votos de pessoas não habilitadas para votar
- TIPO 5: Manipulação para evitar a votação ou invalidar votos
- TIPO 6: Desinformação sobre documentação necessária para votar
- TIPO 7: Desinformação sobre votos de cidadãos no exterior
- TIPO 8: Caos no dia das eleições
- TIPO 9: Pesquisas falsas
- TIPO 10: Declarações falsas de candidatos
Sem dúvida, a estrela desta campanha de 2024 foi o tipo 4 ou a narrativa desinformante segundo a qual pessoas sem o direito de votar irão fazê-lo, preparando terreno para a desinformação tipo 2 (veja aqui, aqui, aqui, aqui e aqui). Na boca de Trump, Vance e outros candidatos republicanos, em diversos formatos e centenas de conteúdos (alguns com investimentos significativos em anúncios na Meta e no Google para aumentar o alcance), se repetiu uma vez ou outra que "imigrantes ilegais" estavam chegando nos EUA para se registrar irregularmente e votar.
Em alguns casos, também diziam que o governo de Biden pagava as viagens desses imigrantes, e em outros diziam que havia mudanças na lei para que esses imigrantes recebessem seus documentos e pudessem votar logo. Tudo isso é uma narrativa desinformante que segue a linha de fraude eleitoral que Trump usou em 2020, mas que 60 tribunais federais do país consideraram sem fundamento e que muitos chamam de "a grande mentira" (the big lie).
Para você se informar melhor e se proteger da manipulação e dos enganos na reta final desta campanha frenética, nós do Factchequeado criamos duas ferramentas inovadoras baseadas nas lições de mais de uma década trabalhando contra a desinformação.
- Electopedia: site que oferece informações detalhadas em inglês e espanhol sobre as eleições nos EUA. O projeto tem o apoio da Logan Family Foundation e da The William and Flora Hewlett Foundation, por meio do programa Disarming Disinformation do Centro Internacional para Jornalisstas (ICFJ).
Ele oferece recursos fundamentais, por exemplo:
- Artigos e vídeos bilíngues sobre temas da agenda eleitoral e do processo de votação;
- Vídeos educativos que respondem perguntas comuns sobre como votar, os requisitos e a importância de eleger seus representantes;
- Links diretos para as secretarias de cada estado, com detalhes sobre os locais de registro de eleitores online, correio e presencial;
- Localizadores de seções eleitorais e urnas de votação por correio;
- A importância do voto latino, explicada em gráficos interativos.
O objetivo é informar antecipadamente a população para que ela não seja manipulada e impulsionar a participação da comunidade latina no processo democrático.
Isso é parte de uma estratégia de pré-desmascaramento e inoculação que, levando em consideração os 10 tipos de desinformação eleitoral que se repetem a cada ciclo pelo menos desde 2018, busca preencher vazios informativos, esclarecer questões técnicas, explicar de forma simplificada processo complexos e ajudar os hispânicos e latinos a não cair em desinformação nem se deixar enganar.
- Electobot: primeiro chatbot conversacional em espanhol do WhatsApp que responde dúvidas sobre o processo eleitoral nos EUA e fornece informações verificadas sobre os candidatos e suas declarações.
Ao oferecer respostas claras e precisas em tempo real, o Electobot ajuda a combater a desinformação e a responder perguntas sobre o sistema eleitoral, assegurando que os latinos que falam espanhol possam tomar decisões embasadas nas próximas eleições. Além disso, se o eleitor compartilhar a localização nos EUA, ele traz a informação precisa sobre onde votar. O bot foi desenvolvido pela Media Plus, agência do El Toque, um dos 115 aliados do Factchequeado.
Se você é jornalista, editor ou dono de um veículo que informa comunidades latinas ou hispânicas nos EUA, você pode entrar em contato e se juntar à equipe do Factchequeado.
Imagem por Sora Shimazaki via Pexels.