Como jornalistas se disfarçaram para investigar crime organizado e máscaras defeituosas

por Aliza Appelbaum
Sep 9, 2020 em Jornalismo investigativo
Sol se pondo sobre Bucareste

Em parceria com nossa organização-matriz, o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês), a IJNet está conectando jornalistas com especialistas em saúde e líderes de redação por meio de uma série de seminários online sobre a COVID-19. A série faz parte do Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde do ICFJ.

Enquanto o mundo se concentra no combate ao novo coronavírus, alguns governos estão tornando ainda mais difícil para os jornalistas cobrirem o impacto da pandemia global. Na Romênia, onde o governo limitou severamente o acesso às informações públicas, dois jornalistas investigativos se infiltraram para rastrear o suprimento de máscaras defeituosas no país.

Os dois jornalistas, Ana Poenariu e Andrei Ciurcanu, conversaram com Stella Roque, diretora de engajamento comunitário do ICFJ, para explicar como eles se disfarçaram para realizar suas reportagens.

 

 

“Você tem que ser um ator realmente bom quando está disfarçado e tem que acreditar muito em seus disfarces”, disse Ciurcanu. “Éramos repórteres, mas realmente acreditávamos que éramos empresários.”

Poenariu e Ciurcanu trabalharam com o Projeto RISE Romênia e o Projeto de Reportagem de Crime Organizado e Corrupção (OCCRP, em inglês) para produzir suas reportagens.

Eles começaram a investigar o problema quando um dos amigos de Poenariu que trabalhava em um hospital enviou a ela uma foto de máscaras e outros equipamentos de proteção que estavam constantemente quebrando e não podiam ser usados. Eles rastrearam as máscaras com defeito até uma empresa turca, que acabou exportando as máscaras em colaboração com o crime organizado na Romênia.

Restrições recentes do governo a jornalistas tornaram a verificação dessas informações muito mais difícil.

“Uma das primeiras coisas que nosso governo fez foi restringir o acesso à informação durante a situação de crise”, disse Poenariu. Normalmente, os pedidos de informação demoram 30 dias, mas desde o início da pandemia aumentou para 60, acrescentou.  

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Depois de identificarem os jogadores locais, eles perceberam que um deles tinha ligações com o gabinete do primeiro-ministro. Outro era um conhecido gangster romeno que tinha um histórico de roubo, extorsão e sequestro. Depois de publicar uma matéria inicial sobre a empresa turca, vários informantes locais entraram em contato com eles sobre a conexão com o crime organizado, disse Poenariu. Eles decidiram se disfarçar como potenciais compradores de máscaras para obter a prova.

O encontro com a quadrilha do crime organizado romeno foi marcado para um posto de gasolina, depois que eles já haviam estabelecido seus disfarces como compradores, disse Ciurcanu. Ele reconheceu que ter duas pessoas disfarçadas pode ser mais complicado do que ir sozinho, mas acrescentou que eles lidaram bem com a experiência de trabalhar juntos.

“Quando chegamos ao posto de gasolina, não tínhamos ideia com quem [íamos] negociar”, disse Ciurcano. “Mas tínhamos todos os elementos, como a indústria funcionava ... Podemos dizer que estávamos à prova de balas por essa perspectiva, pois nos apresentávamos como empresários. Sabíamos como o mercado estava se desenvolvendo. Sabíamos negociar. E foi realmente fácil fazer um disfarce de duas pessoas porque somos realmente bons amigos. Então, tivemos uma química muito boa juntos.”

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Ciurcanu descreveu como eles desempenharam o papel alugando um carro caro para as reuniões. Eles também sempre se certificaram de que o rastreamento de localização em seus telefones estava ativado para que seus colegas pudessem ver onde eles estavam o tempo todo.

Ambos os jornalistas fazem aparições frequentes na televisão; como a Romênia não é um país grande, eles sabiam que poderiam ter sido reconhecidos. Mas um benefício da situação atual, disse Poenariu, é que foi normal aparecer usando máscaras, o que os ajudava a ficarem incógnitos.

Poenariu e Ciurcanu publicaram sua primeira matéria sobre as máscaras defeituosas em abril. A reportagem de seguimento, para a qual eles foram disfarçados, foi publicada no início de julho. O governo não tomou nenhuma ação oficial desde então.

“Se você me perguntar, as autoridades é que deveriam investigar a forma como esse fenômeno evoluiu na Romênia”, disse Ciurcanu. “Infelizmente, até hoje, não tenho conhecimento de uma grande investigação conduzida por uma autoridade na Romênia para descobrir os criminosos por trás desse fenômeno.”


Aliza Appelbaum é diretora de programa do ICFJ.

Imagem principal sob licença CC no Unsplash por Andrei Terecoasă