Startup holandesa abre caminho para mulheres não brancas no jornalismo investigativo

por Linda A. Thompson
Jan 13, 2020 em Diversidade e Inclusão
Mulher digitando

Como em muitos outros países europeus, as mulheres de minorias raciais estão sub-representadas nas redações da Holanda. De acordo com um estudo da emissora pública do país NRC, 94,6% dos jornalistas assalariados que trabalhavam nas redações locais em 2018 eram brancos.

Muitas jornalistas não brancas em grandes agências de notícias trabalham como colaboradoras de seções de opinião, disse Hadjar Benmiloud, jornalista e empreendedora holandesa, com experiência em muitas publicações importantes. "É claro que você não quer que não façam isso", explica ela. "Mas é um mecanismo prejudicial que pessoas de minorias sejam constantemente colocadas na seção de opinião."

Em maio passado, Benmiloud lançou a Vileine Academy, uma iniciativa que busca dar às mulheres não brancas um lugar de verdade na mesa das redações como jornalistas investigativas.

As participantes do programa de treinamento de sete meses assistem a aulas semanais de mestrado que cobrem tudo o que é necessário para concluir um projeto de investigação bem-sucedido: desde a formulação de uma pergunta de pesquisa até o uso de ferramentas de inteligência de código aberto e a proteção de informações confidenciais. As aulas são ministradas por jornalistas experientes, muitos de minorias raciais, que também servem como mentores para as alunas.

As mulheres também participam de sessões semanais de treinamento com Benmiloud e concluem estágios de quatro meses em um canal de notícias holandês, onde realizam seus próprios projetos de investigação. Os meios de comunicação participantes financiaram o treinamento das estudantes a um custo de EUR6.500 por participante e receberam consultoria gratuita de Benmiloud sobre sua estratégia de inclusão na redação. No ano que vem, disse Benmiloud, o modelo de financiamento será ajustado porque o valor de EUR6.500 não cobre suficientemente os custos do projeto.

O objetivo por trás da Vileine Academy é produzir jornalistas de investigação e dados ágeis, capazes de trabalhar desde o primeiro dia de seus estágios. É também criar o tipo de autoconfiança e desenvoltura que ajudam jovens graduadas a fazer um lugar duradouro na redação. 

A Vileine Academy nasceu da própria experiência de Benmiloud, que confessou que passou muito tempo tentando atender a expectativas indefinidas como jovem jornalista.

“Eu fiquei completamente louca ao tentar me encaixar e provar que podia estar em algum lugar”, disse ela, “em vez de pensar no que eu realmente queria fazer”. Ela atribuiu seu desconforto existencial no local de trabalho às dinâmicas de raça e classe.

Com apenas cinco estudantes e duas agências de notícias (os jornais diários Trouw e Volkskrant) participando da Vileine Academy em 2019, o programa piloto teve um escopo pequeno. Mas quatro das cinco estudantes foram contratadas pelos veículos de comunicação onde concluíram seus estágios, tornando a Vileine Academy um modelo promissor para organizações interessadas em respostas incrementais, mas impactantes, à falta de diversidade nas redações. (A aluna que não conseguiu um emprego era uma freelancer que ingressou no programa em período parcial e ficou doente durante a academia.)

Ajudar membros de grupos sub-representados a ingressar nas redações é uma coisa, mas criar um ambiente que as faça querer ficar é um desafio ainda maior, disse Benmiloud. É precisamente por isso que, todas as semanas do programa, ela se comunica com as alunas por meio de suas sessões de treinamento e avalia se estão produzindo o tipo de trabalho que desejam, se estão encontrando seu caminho na redação e que obstáculos estão surgindo.

“Acho que é realmente importante perguntar às pessoas sobre todas essas coisas práticas e um pouco menos práticas, porque são precisamente o que muitas vezes impedem as pessoas de obter sucesso em algum lugar a longo prazo”, disse ela, acrescentando que também conversa com as organizações de notícias para fazerem alterações quando necessário com base no feedback das alunas.

Em 2020, a Vileine Academy dobrará de tamanho, recebendo duas turmas de cinco alunas: uma começará em abril e a outra em julho. Também estão em andamento discussões para expandir a iniciativa para outro país europeu, disponibilizando algumas das masterclasses online e/ou criando um programa de intercâmbio internacional.

O trabalho das alunas da turma de 2019 gerou ondas. Duas estudantes, Semina Ajroviç e Sarah Haddou, lançaram um novo formato de jornalismo de dados que se tornou um elemento da edição de sábado do jornal Volkskrant, enquanto a investigação de Iffet Subasi sobre o perdão para as crianças que pedem asilo na Holanda ganhou grande atenção política. Essa é uma medida holandesa que permite que os filhos de migrantes a quem foi recusado asilo solicitem uma autorização de residência se estiverem na Holanda há mais de cinco anos. A investigação de Subasi mostrou que muitas famílias que se qualificaram para o perdão não puderam pagar a taxa de inscrição.

Com esses tipos de resultados e com o foco principal da academia em excelência jornalística, Benmiloud espera cortar pela raiz qualquer discussão sobre tratamento preferencial. "Não se trata de favorecer algumas pessoas em detrimento de outras, porque o perigo é que pessoas de fora vejam assim. Não, tudo isso é sobre qualidade e sobre a adição de perspectivas e conhecimentos realmente necessários”, disse Benmiloud, apontando que as iniciativas de diversidade nas redações ainda são um empreendimento relativamente novo na Holanda.

“Para mim”, ela acrescentou, “o maior sucesso da Vileine Academy é que duas das cinco graduadas estão ganhando mais dinheiro hoje do que eu já consegui em uma redação, apenas porque elas têm as habilidades [e] o conhecimento e merecem esse salário."

Robin Goudsmit, uma das participantes do ano passado, juntou-se ao Trouw como jornalista assalariada em tempo integral após concluir seu estágio na Vileine com o jornal holandês. Para ela, o maior valor do programa foi que ele a apresentou a um grupo de pessoas que forneceram inspiração e apoio.

"Em setores difíceis, onde há muita concorrência e relações tradicionais de poder – como em espaços que não são muito diversos – é realmente importante ter um grupo de colegas", disse ela. "Estamos começando. É assustador, emocionante, e, no nosso caso, todos nós éramos não brancas. E então você tem um espaço em sua vida onde pode conversar sobre tudo o que está acontecendo, sem ter que explicar constantemente como as coisas funcionam. Nós só precisamos de algumas palavras para entendermos umas as outras.”


Imagem sob licença CC no Flickr via WOCinTech chat