Como investigar desinformação eleitoral em aplicativos de mensagens e redes sociais

Dec 14, 2023 em Combate à desinformação
Investigating electoral disinformation

Dos Estados Unidos à Índia, Rússia, Taiwan, dentre outros, 40 países vão realizar eleições nacionais em 2024.

Em meio ao aumento da desinformação eleitoral, principalmente nas redes sociais e aplicativos de mensagens como Facebook, TikTok, WhatsApp e Telegram, investigar a fonte do conteúdo falso e quem está financiando-o é uma tarefa importante e desafiadora.

A jornalista Patricia Campos Mello, colunista da Folha de S. Paulo, e Craig Silverman, repórter da ProPublica, já pesquisaram e informaram amplamente sobre a disseminação de desinformação em aplicativos de mensagens e redes sociais, especialmente durante eleições.

Em duas aulas especiais do programa Disarming Disinformation do ICFJ, Campos Mello e Silverman valeram-se de suas experiências para compartilhar dicas com jornalistas que investigam as forças por trás da desinformação. Eles discutiram como analisar anúncios políticos nas redes sociais e quem os financia, bem como o uso em larga escala de aplicativos de mensagens para espalhar conteúdo falso ou enganoso, dentre outros temas.

A seguir estão os conselhos deles para os jornalistas:

Entre em canais e grupos públicos do WhatsApp e do Telegram

Jornalistas podem entrar em grupos públicos do WhatsApp e Telegram ou colaborar com centros de pesquisa e universidades que monitoram esses grupos para investigar narrativas falsas, sugeriu Campos Mello. "Tente identificar quais questões estão sendo discutidas para entender o que as pessoas pensam a respeito." Para proteger sua identidade e evitar se tornar um alvo, tente usar um número de telefone diferente ao entrar nos grupos.

Tanto o WhatsApp quanto o Telegram também oferecem canais com via única de transmissão. Campos Mello alertou que esse recurso pode ser usado para disseminar desinformação para uma grande quantidade de pessoas. Ela disse que jornalistas devem entrar em canais relevantes como parte de seus esforços para monitorar informações falsas.  

Durante as eleições de 2018 no Brasil, grandes quantidades de desinformação e propaganda política foram disseminadas nas redes sociais e aplicativos de mensagens em uma "velocidade surpreendente", disse Campos Mello. Antes das eleições de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro alegou – falsamente, sem evidência – que as urnas eletrônicas tinham sido fraudadas. Essas afirmações chegaram aos apoiadores de Bolsonaro via redes sociais e mensagens no WhatsApp e Telegram.

Investigue bibliotecas de anúncios

A Meta, o TikTok e o Google mantêm em funcionamento nas suas plataformas repositórios de anúncios ativos e antigos. Jornalistas podem usar essas bibliotecas de anúncios para investigar quem está financiando essa publicidade. 

A biblioteca de anúncios da Meta arquiva anúncios sobre questões sociais, eleições e políticas por sete anos. Usuários que fazem anúncios sobre esses assuntos precisam registrar e confirmar suas identidades e provar que moram no país onde querem anunciar, dentre outros requisitos. A Meta não arquiva anúncios que não sejam políticos, portanto estes só são visíveis quando estão ativos.

Se um usuário não registrado rodar anúncios políticos ou sobre uma questão social, a Meta pode sinalizá-lo e arquivá-lo – isso se a plataforma não deixar passar esses anúncios. "Anúncios que não foram registrados como políticos ou de questões sociais, ou aqueles que a Meta deixou passar, desaparecem no segundo que a campanha se encerra", alertou Silverman.

A biblioteca de anúncios do TikTok tem muitos dos mesmos recursos da Meta, exceto que ela arquiva todos os anúncios por um ano após terem sido visualizados pela última vez por qualquer usuário. Oficialmente, a plataforma proíbe anúncios relacionados a eleições e políticos. Mas, assim como a Meta, ela nem sempre detecta esses anúncios; portanto, é crucial verificar regularmente a plataforma em busca de anúncios que se enquadrem nessa descrição.

O TikTok também tem uma Central Criativa que mostra o que é tendência na plataforma. "Esta pode ser outra forma de identificar anúncios que você pode não ter pensado em pesquisar ou encontrar", disse Silverman.

Usuários no Facebook e no TikTok podem fazer pesquisas por palavra-chave. "Se você quiser fazer uma busca de palavra-chave para quaisquer anúncios que tenham a frase 'eleição roubada', você pode fazer isso na Biblioteca de Anúncios da Meta e ver se alguém conseguiu rodar um anúncio com a frase", sugeriu Silverman. 

O Google também permite que os anunciantes publiquem anúncios políticos e ligados a eleições. No entanto, a biblioteca de anúncios do Google é mais limitada que a ferramenta da Meta e do TikTok, de acordo com Silverman. A maior limitação, ele disse, é a impossibilidade de fazer uma busca por palavra-chave: os usuários podem buscar um anunciante ou o nome de um site, mas não uma citação ou frase.

Todas as três bibliotecas têm recursos de filtro que permitem buscas baseadas em país, categoria do anúncio (por exemplo, habitação, emprego, eleições ou política), dentre outros.

Silverman sugeriu fazer uma lista de candidatos políticos, grupos ativos politicamente e palavras-chave que você queira investigar. Monitore as bibliotecas regularmente, principalmente durante o período eleitoral. "Os anúncios aparecem e somem nessas bibliotecas. Nem todos são arquivados e ficam lá para sempre", diz Silverman.

Analise sites de notícias de baixa qualidade

Sites de notícias de baixa qualidade – aqueles que têm notícias que são ideologicamente extremas, hiperpartidárias ou repletas de propaganda – na maioria das vezes se financiam com anúncios do Google ou o Taboola, disse Campos Mello.

Uma investigação feita por ela descobriu que esses sites espalharam desinformação eleitoral no Brasil.

Jornalistas devem rastrear esses sites para monitorar as informações falsas sobre eleições que eles possam vir a espalhar e como eles estão sendo financiados.

Consulte as diretrizes do seu país e das redes sociais

Os países têm regulamentações diferentes para a propaganda política. Por exemplo, elas podem incluir regras sobre quando campanhas políticas podem começar a ser veiculadas. Jornalistas devem monitorar se os anúncios nas redes sociais são feitos de acordo com essas políticas.

As empresas de tecnologia também têm suas próprias diretrizes. Elas tendem a tratar da natureza do conteúdo no anúncio, se ele foi gerado artificialmente, dentre outros pontos. Por exemplo, a Meta exige que os anunciantes revelem o uso de IA e bloqueiam novos anúncios políticos, eleitorais e de questões sociais durante a última semana antes das eleições nos EUA.

A política da Meta também proíbe anúncios que incitam a violência ou alegam falsamente que as eleições foram fraudadas. "Ao usar a biblioteca de anúncios, vimos que eles não só não estavam aplicando a política de moderação adequadamente como também estavam monetizando anúncios que incitavam a violência", diz Campos Mello, se referindo a  atividades na plataforma durante as eleições de 2022 no Brasil.

Ela aconselhou os jornalistas a monitorar se as empresas de tecnologia estão cumprindo com suas próprias políticas de moderação. 

Colabore e siga o dinheiro

A colaboração pode acelerar esforços investigativos, observou Campos Mello. "Às vezes, você, como uma repórter, não tem poder o bastante para processar toda essa informação. Quando você faz parceria com uma universidade ou com um centro de pesquisa, você combina os esforços."

No início deste ano, no dia 8 de janeiro, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram o Congressoinstavam brasileiros a irem até Brasília para realizar o ataque. Campos Mello usou monitores do WhatsApp e do Telegram desenvolvidos pela Universidade Federal de Minas Gerais para rastrear esforços de financiamento ligados ao caso, transações financeiras e as pessoas por trás disso.

Jornalistas podem replicar esforços como este ao investigar narrativas de desinformação ligadas às eleições em seus próprios países e no mundo todo.


O programa Disarming Disinformation é realizado pelo ICFJ com financiamento da Scripps Howard Foundation e organizações afiliadas ao Scripps Howard Fund, que apoia os esforços beneficentes da E.W. Scripps Company. O projeto de três anos vai empoderar jornalistas e estudantes de jornalismo para combater a desinformação na mídia.

Foto por cottonbro studio via Pexels.