Cresce a desinformação com alvo em comunidades latinas nos EUA

Oct 3, 2022 em Combate à desinformação
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Há desinformação focada diretamente na população latina nos Estados Unidos e nossa missão é freá-la. Você pode nos ajudar? 

A COVID-19 afetou de forma desproporcional a população hispânica e latina nos Estados Unidos. Essas comunidades — que correspondem a quase um quinto da população do país — tem 1,5 mais chances de contrair COVID-19 em comparação à população branca e não-hispânica, duas vezes mais chances de ser hospitalizada e 1,8 mais chances de morrer em decorrência do vírus.

A desinformação em espanhol, que circulou amplamente sem ser verificada, contribuiu para a alta incidência de infecções de COVID-19 nas comunidades latinas? As redes sociais desempenharam um papel nisso? As comunidades latinas tendem a usar plataformas como YouTube, Facebook e WhatsApp para se informarem mais que a média da população dos Estados Unidos, já que normalmente não confiam ou não se sentem representadas pela mídia tradicional.

A realidade é que sabemos menos do que gostaríamos sobre a desinformação focada nas comunidades latinas nos Estados Unidos, e praticamente não há pesquisas sobre seus impactos.

Ao lançar o Factchequeado, uma iniciativa liderada pelo site espanhol Maldita.es e o argentino Chequeado, esperamos preencher essa lacuna. Planejamos coletar as evidências necessárias para identificar narrativas de desinformação cujo alvo são as comunidades latinas e comunidades de língua espanhola, e analisar suas características distintivas. Tão importante quanto isso, nós vamos desvendar como circulam as mentiras que afetam essas comunidades.

Como as informações falsas se espalham

Nós já entendemos que teorias da conspiração e informações imprecisas — sejam elas mensagens falsas, exageradas ou tiradas de contexto — originadas nos Estados Unidos chegam até os países de língua espanhola. Ao mesmo tempo, a desinformação produzida em países incluindo México, Colômbia, Brasil, Espanha ou Argentina às vezes alcança os latinos nos Estados Unidos por meio de suas famílias, amigos ou contatos nas redes sociais e aplicativos de mensagem como o WhatsApp.

Ao fazer este trabalho, nós também não perdemos de vista o contexto político atual do país: sabemos que o debate público e informações falsas e enganosas vão simplesmente se intensificar nas eleições de meio mandato que se aproximam, em 8 de novembro. 

Algumas narrativas falsas em espanhol estão ligadas às que circulam em inglês. Um exemplo é o caso da chamada “Grande Mentira", promovida pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre fraudes sem embasamento nas eleições de 2020. Há também conteúdo enganoso tanto em inglês quanto em espanhol, principalmente vídeos, que exageram ou atribuem erroneamente ações ao presidente Biden, agindo sobre o medo das pessoas de que aos 79 anos ele é muito velho para concorrer à eleição.

Padrões similares ocorrem com o grande volume de desinformação sobre as vacinas da COVID-19, que continua a se espalhar mais de um ano e meio após o início da aplicação de doses. Boa parte desse conteúdo destaca efeitos adversos falsos ou sem provas das vacinas, com a intenção de confundir e assustar as pessoas.

A população latina adulta diz que quer estar bem informada com informação de credibilidade; mas isso simplesmente não é tão viável assim em espanhol. As comunidades latinas são menos protegidas contra a desinformação devido à quantidade menor de esforços de verificação de fatos em espanhol e menos prioridade das gigantes de tecnologia em sinalizar conteúdo falso em espanhol em suas plataformas, dentre outras razões, alertou Cristina Tardáguila, diretora sênior de programas no ICFJ, em um artigo publicado pelo elDetector, da Univision, no ano passado.  

A vulnerabilidade das comunidades latinas à informação falsa é exacerbada pelo uso maior que a média de redes sociais. Quase todos os adultos hispânicos (98%) têm um smartphone, por exemplo — 5% mais que a média da população dos Estados Unidos, de acordo com um estudo de consultoria da Nielsen de 2020. Essa população gasta duas horas a mais por semana conectada aos seus celulares do que a média da população dos Estados Unidos, e tem 57% mais chances do que cidadãos não-latinos de usar as redes sociais como fonte primária de informação sobre o coronavírus.    

O que mais preocupa é que a Meta, o Google e outras empresas de redes sociais prestam muito menos atenção à desinformação que circula nas suas plataformas em idiomas que não sejam o inglês.

As narrativas de desinformação

As narrativas de desinformação que se repetem em comunidades latinas dos Estados Unidos frequentemente estão ligadas a questões que preocupam particularmente essa população, em alguns casos se valendo de laços com seus países de origem. Nós acreditamos que essas informações falsas vão se espalhar ainda mais desenfreadamente com a chegada das eleições de meio mandato de 2022. 

Uma dessas narrativas é sobre a inflação e o aumento do preço da gasolina. Em junho de 2022, a inflação nos Estados Unidos chegou a 9,1%, o mais alto nível em 40 anos. O fenômeno faz muitas famílias latino-americanas se recordarem dos altos preços e aumento da pobreza em seus países de origem. O medo é um componente central da desinformação em torno desse tópico, que circula sem contexto, e normalmente omite de sua análise o impacto da guerra da Ucrânia e da pandemia. Consequentemente, as informações sobre suas causas e os esforços do governo para conter o aumento de preços é frequentemente enganosa.

Outro assunto, prevalente nas rádios da Flórida, foca em questões que muitos latinos vivenciam antes de imigrar da América Latina para os Estados Unidos. Essas narrativas falsas apresentam o presidente Biden como o chefe de um governo que "busca reprimir" as pessoas e que é "socialista ou de esquerda", como os líderes dos países de onde muitos dos imigrantes fugiram, como Cuba, Venezuela e Nicarágua. O governo é retratado como um regime que busca ter controle total, como algumas personalidades do rádio expressaram: "nem socialista nem comunista, mas controlista".

Nós verificamos no Factchequeado a afirmação de que os Estados Unidos são um "Estado repressor". Por exemplo, nós desmascaramos a desinformação segundo a qual o serviço de receita dos Estados Unidos estava comprando munição para perseguir pessoas com pagamentos inadimplentes; o fato é que essa compra de munições tem ocorrido anualmente há 100 anos, inclusive sob a administração de Donald Trump.

O aborto é outro tema particularmente relevante e sensível para comunidades latinas. Uma questão amplamente debatida na América Latina, o aborto foi legalizado em vários graus nos últimos anos na Argentina, México, Equador e Chile, apesar da oposição da Igreja Católica. Em contraste, neste ano a Suprema Corte dos Estados Unidos eliminou o direito constitucional em nível nacional ao aborto para gestações de até 20 semanas.

Após a decisão, desinformação relacionada ao aborto começou a viralizar. Nós desmascaramos vídeos do TikTok que recomendavam plantas naturais para abortar, e que podem gerar danos à saúde. Também verificamos anúncios falsos segundo os quais várias organizações comunitárias tinham fechado seus centros de assistência ao aborto, e explicamos quando as redes sociais precisam compartilhar os dados pessoais que elas coletam, bem como as medidas que elas tomaram para lidar com privacidade de dados.

Desinformação sobre imigrantes, mudanças nas políticas de imigração, assistência e documentação também circula nas comunidades latinas. Ainda há alegações falsas que ligam imigrantes a tiroteios em massa, uma grande quantidade de golpes, desde investimentos em criptomoedas e aluguéis de imóveis para férias, passando por tentativas de fraudes e perfis falsos em aplicativos de relacionamento

O excesso de mentiras criadas para convencer ou enganar os latinos que moram nos Estados Unidos é variado. Precisamos saber mais sobre essa desinformação em língua espanhola para criar e implementar estratégias efetivas e colaborativas para fazer frente a ela. Se você receber ou se deparar com conteúdo suspeito, envie-o para o Factchequeado através do nosso chatbot do WhatsApp para ajudar a travar essa batalha.


Imagem principal por Ricardo Arce via Unsplash.

Este artigo foi originalmente publicado no site da IJNet em espanhol.