Repórteres ambientais enfrentam ameaças na China

Nov 21, 2022 em Liberdade de imprensa
Aerial view of a river in china moving through the mountains at dusk

Cobrir questões ambientais é essencial para os repórteres da China, o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Expor as práticas destrutivas do país pode influenciar o governo a adotar alternativas de energias renováveis e estratégias de mitigação de carbono, dentre outras soluções para a mudança climática. Sem a participação da China, vai ser difícil para o mundo atingir os objetivos climáticos definidos no Acordo de Paris

Porém, o ambiente político restritivo da China ameaça a sustentabilidade do jornalismo ambiental. Nos últimos anos, funcionários do governo chinês acabaram com esforços de reportagem; enquanto isso, a confiança do público no trabalho dos jornalistas foi abalada, gerando ceticismo em relação às intenções dos repórteres. 

Eu conversei com três jornalistas da China e de Hong Kong para entender melhor como a censura e as ameaças à sua segurança física impactam seu trabalho sobre a crise climática e outras questões ambientais.

Enfrentamento à censura

De acordo com um* repórter chinês, a população chinesa era receptiva à leitura de notícias sobre meio ambiente até 10 anos atrás, mesmo se isso significasse expor o governo por práticas de poluição.  

Proteger o meio ambiente e combater a crise climática era uma prioridade para o Partido Comunista Chinês. "Havia ONGs ambientais brilhantes dez a 15 anos atrás. Havia mais preocupação sobre o uso de sacolas plásticas e poluição do ar", disse o repórter. "Havia muita aceitação das questões dessa agenda." 

No entanto, hoje há pouco espaço para qualquer reportagem investigativa sobre questões ambientais na China, explica o repórter. "Os jornalistas enfrentam riscos reais e ameaças das diferentes partes interessadas, incluindo autoridades locais e governos centrais."

A intensificação da censura governamental reprimiu a cobertura ambiental. Jornalistas que cobrem meio ambiente e temas relacionados à crise climática frequentemente são rotulados de traidores, não muito diferente de outros jornalistas críticos às políticas do governo.

O governo também impede os esforços dos jornalistas de cobrir a crise climática, de acordo com a repórter Chen Zhou. "[Os funcionários do governo pensam em] diferentes formas de criar mais obstáculos para que [os repórteres] não consigam mais obter informação o suficiente para escrever matérias detalhadas", ela diz, acrescentando que os esforços para driblar a censura são barrados com força frequente e imediata. Isso deixa "praticamente nenhum espaço para nenhum trabalho investigativo a ser feito sobre questões ambientais na China", explica Zhou.

A censura se expandiu para além da China continental, chegando a Hong Kong, onde a liberdade de imprensa declinou desde que Pequim adotou a Lei de Segurança Nacional. "Antes de 2019, as investigações sobre o meio ambiente não eram uma área perigosa para um jornalista [cobrir]. Eu não me preocupava muito quando trabalhava", diz um* repórter que vive em Hong Kong. "Mas a situação hoje é muito ruim. Toda a profissão passou por um encolhimento significativo."

O jornalista em questão parou de cobrir assuntos ambientais depois da aprovação da Lei de Segurança Nacional temendo represálias por sua cobertura.

Desinformação, assédio e falta de confiança na mídia

A manipulação estatal do ecossistema de mídia intensificou os obstáculos que os jornalistas enfrentam na China.

Esforços para expor atividades destrutivas empregadas pelo governo são frequentemente rotulados de teorias conspiratórias. Políticas autoritárias que disseminam desinformação ultranacionalista também complicam os esforços dos jornalistas de manter sua audiência informada. 

"Há tanta desinformação e notícias falsas e diferentes teorias da conspiração circulando, que os leitores e imigrantes na China nos dias de hoje ligam muito pouco para as questões ambientais e [seus efeitos]. Eles veem isso como uma conspiração", diz uma repórter que não quis se identificar. 

A cobertura de práticas de poluição é frequentemente rotulada de propaganda Ocidental — notícias do inimigo tentando sufocar o crescimento econômico, acrescenta a repórter. Muitos cidadãos interpretam as intenções das investigações dos jornalistas como ataques pessoais que tentam diminuir os ganhos financeiros e comprometer negócios. "[As pessoas] não gostam nem um pouco das intenções dos jornalistas ambientais", diz. 

A desinformação não é a única ameaça. Zhou sofreu diretamente o assédio que autoridades locais impuseram aos repórteres ambientais. Quando visitava a cidade de Quanzhou, no sudeste do país, para investigar o vazamento de petroquímicos tóxicos para o site Caixin Global, ela foi surpreendida quando quatro policiais invadiram seu quarto de hotel sem aviso, pedindo que ela se identificasse ao mesmo tempo em que faziam buscas no quarto.   

Mesmo assim, esse episódio traumático não se compara ao que outros jornalistas passaram, diz Zhou, observando que alguns repórteres desapareceram ou foram condenados a vários anos de prisão. "Na China, na maior parte do tempo, os repórteres estão sempre sob uma sombra de incerteza porque não têm ideia das [ameaças] que estão enfrentando", diz. 

Apesar de agora morar no Canadá, Zhou ainda se preocupa com a reação do governo chinês ao seu trabalho. "Como meus parentes estão na China, o governo ainda pode me controlar", diz.

Futuro da cobertura ambiental

Com o pulso autoritário do poder cada vez mais forte, o futuro da cobertura ambiental na China parece ser sombrio.  

A combinação de censura e desinformação esfria as reportagens críticas sobre o meio ambiente. Ao mesmo tempo, o país luta cada vez mais contra o que um dos repórteres ouvidos chama de "ciclo vicioso", no qual o debate público sobre a verdade — mesmo quando a questão é tão determinante quanto a deterioração do meio ambiente — obstrui os esforços de tratar da crise climática e da infraestrutura de poluição da China.

"O que eu temo é que como as matérias de meio ambiente não recebem muita atenção, os jornalistas não vão querer entrar nessa área, já que não é tão recompensadora. E portanto, como consequência, há menos boas matérias vindo dessa frente", diz o repórter. "A capacidade de cobrir o meio ambiente vai diminuir." 

Para restabelecer a confiança dos chineses na cobertura ambiental, os jornalistas da área devem focar em centralizar suas matérias nos efeitos dos desastres ambientais e da poluição nas pessoas, explica o jornalista. Abordar os problemas de um ponto de vista que coloca a população em primeiro lugar e foca nas pessoas pode ser mais palatável para os leitores, com mais potencial para repercutir diante da ampla desinformação. 

Apesar dos riscos à sua segurança e dos desafios impostos pela propaganda do governo chinês, é essencial que os jornalistas ambientais continuem informando. Com o alerta dos cientistas sobre o aumento rápido do nível dos oceanos, aquecimento da atmosfera sem precedentes e dano irreparável ao meio ambiente, hoje é mais vital do que nunca responsabilizar os governos por emissões de gases e pela poluição.  

Sem cobertura de meio ambiente em países altamente poluentes como a China, a responsabilização declina como um todo e o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C  se torna mais difícil de ser alcançado.


 *Os jornalistas preferiram permanecer no anonimato por questões de segurança.

Foto por William Zhang via Unsplash.