Depois de uma multidão violenta de extremistas invadir o Capitólio dos EUA em Washington, tentando interromper a transição democrática de poder do país, é importante que os jornalistas ajudem seu público a processar e entender o que aconteceu.
Esses eventos têm causas e perpetradores, e os repórteres devem fornecer uma cobertura abrangente que capture esse contexto. Embora a insurreição no Capitólio dos EUA tenha diminuído, os jornalistas precisam estar preparados, pois esforços antidemocráticos semelhantes ainda podem ocorrer no país nos dias que antecederem a posse do presidente eleito Joe Biden em 20 de janeiro — e mesmo depois.
Compilamos dicas e recursos para jornalistas que cobrem o extremismo antidemocrático nos EUA e suas consequências.
(1) Considere cuidadosamente a linguagem que você usa
Antes de colocar a caneta no papel, considere cuidadosamente que linguagem você usa em sua matéria. Sua cobertura não está acontecendo no vácuo: sua escolha de palavras deve distinguir claramente a atividade antidemocrática em Washington dos protestos legitimamente pacíficos.
Há pouco consenso entre as organizações de notícias sobre qual terminologia é melhor usar. A NPR (Rádio Pública Americana) emitiu orientações para usar terminologia como "extremistas pró-Trump" e "insurreição". O Washington Post aconselhou sua equipe a usar “turba” para se referir à multidão que convergiu no Capitólio. O recurso Eleição SOS do Hearken também aconselha jornalistas a usar "turba", bem como "extremistas violentos" para se referir aos atores de má-fé de ontem. A CNN decidiu usar “terrorismo doméstico” para descrever os eventos do dia.
O que os editores concordam é que as palavras importam. Considere as ramificações da linguagem que você decidir usar. Se você for um editor ou líder de redação, reúna-se com outras pessoas para escolher cuidadosamente a linguagem que usará e, a seguir, ofereça orientação aos repórteres. Acima de tudo, evite normalizar a natureza antidemocrática dos eventos em Washington, e outros que podem ocorrer nos dias e semanas seguintes.
(2) Não dê espaço para o 'doisladismo' no jornalismo
“Jornalismo de dois lados” é a ideia de que todo ponto tem um contraponto que deve receber igual atenção da mídia. Ajudou a sustentar pontos de vista antidemocráticos em todo o mundo. Evite cair nessa fachada de “equilíbrio” ao cobrir os eventos de 6 de janeiro e os que se seguirem.
Embora possa ser útil para sua reportagem estar ciente do que os extremistas antidemocráticos acreditam, não ofereça a esses pontos de vista igualdade de condições em sua cobertura. Em vez disso, forneça a seus leitores e espectadores o contexto necessário sobre as mentiras e informações incorretas que alimentam suas ações — e suas consequências — usando a linguagem acima.
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(3) Salve fotos, vídeos e outras atividades online
Salve toda e qualquer informação que encontrar online, antes que seja apagada. Isso vale especialmente para comentários, fotos e vídeos incriminadores. O Bellingcat liderou esforços para jornalistas colaborarem nisso, tendo aprendido lições importantes de como os envolvidos no comício da supremacia branca de 2017 em Charlottesville procuraram esconder seus rastros online.
For those who are able to: please try to scrape and save any videos and livestreams of the Capitol storming and occupation. Just like after Charlottesville in 2017, many of those who are streaming will delete their streams once they realize how incriminating the footage is.
— Bellingcat (@bellingcat) January 6, 2021
(4) Aprenda com as experiências de outros países, mas evite comparações preguiçosas
Faça comparações com incidentes em países estrangeiros apenas se você estiver bem informado sobre eles e são produtivos para sua reportagem e úteis para seu público obter uma compreensão mais abrangente da situação nos EUA. Evite linguagem descuidada comparando a tentativa de golpe a um “país do terceiro mundo”, por exemplo, ou referências pontuais a cidades estrangeiras que na realidade apenas perpetuam atitudes do excepcionalismo americano.
Em vez disso, considere visitar publicações estrangeiras para ver como eles estão cobrindo os desenvolvimentos. A cobertura dos eventos pode ajudar a oferecer perspectivas importantes para incorporar em suas próprias reportagens.
Em vez de fazer comparações vagas, enquadre a tentativa de golpe e quaisquer eventos que possam se seguir como exclusivamente americanos, enraizados na supremacia branca, incitados por líderes políticos de extrema direita e alimentados por desinformação e mentiras que podem ser disseminadas no Facebook, YouTube e outras redes sociais sites de mídia.
(5) Saiba mais sobre os organizadores e como cobri-los
A violenta tentativa de golpe não ocorreu espontaneamente. Os organizadores estavam ativos online até 6 de janeiro, estimulados por figuras políticas influentes e seus representantes na mídia de direita nos Estados Unidos. Embora você possa estar mais familiarizado com os políticos e personalidades da mídia que incitaram a insurreição, pode não estar tão familiarizado com os grupos organizadores. Conheça esses atores e suas origens.
Siga repórteres como Hannah Allam, Jared Holt e Christopher Mathias que passaram anos cobrindo esses grupos de direita. Familiarize-se com organizações que monitoram a supremacia branca e atividades de extrema direita, como o Southern Poverty Law Center, o Anti-Defamation League e o Right Wing Watch do People for the American Way.
O Journalists ’Toolbox, parte do Society of Professional Journalists, compilou uma lista abrangente de recursos para auxiliar ainda mais em suas reportagens sobre grupos de extrema direita e suas atividades: Covering Hate [Cobrindo Ódio].
(6) Não amplifique as teorias de conspiração que alimentam a insurreição
Alegações infundadas e teorias de conspiração sobre a eleição presidencial de novembro alimentaram a insurreição no Capitólio dos EUA. Essa desinformação foi gerada e espalhada por influentes personalidades da mídia e poderosos líderes políticos, incluindo o próprio presidente. Os extremistas que invadiram o prédio também exibem ligações com a teoria de conspiração de extrema direita QAnon.
Como jornalistas, temos a responsabilidade de fornecer a verdade, o que geralmente requer a correção de informações errôneas. No entanto, é imperativo abordar esta diretriz com cuidado, para não ampliar a desinformação que pretendemos corrigir.
Antes de fazer qualquer coisa, determine se a reportagem sobre a disseminação de informações incorretas em círculos de extrema direita é realmente interessante e atingiu o que o First Draft chama de “ponto de inflexão”, o que significa que foi amplamente ouvida além dos círculos de conspiração. Nesse estágio, corrigi-la beneficia a comunidade em geral.
Se você decidiu corrigi-la, lidere e destaque a verdade. “Nunca, jamais repita uma afirmação falsa ou desinformação em uma manchete”, aconselha o Over Zero em um briefing. Em vez disso, crie um sanduíche para a desinformação. Comece com a verdade, emita um aviso, repita a informação falsa e termine com a afirmação verdadeira novamente.
[Leia mais: Ao cobrir conspirações e desinformação, evite dar credibilidade]
(7) Fique por dentro das histórias importantes por trás da violência
O que aconteceu em 6 de janeiro não é uma história independente e os jornalistas não devem tratá-la como tal. Não importa quanto tempo os tumultos continuem, os jornalistas devem continuar na história mesmo após o fim da insurreição, acompanhando as histórias importantes por trás dos tumultos.
Aqui estão algumas pautas para você começar:
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O papel das Big Techs e da mídia social em alimentar a desinformação e o extremismo
Na noite de 6 de janeiro, o Twitter bloqueou temporariamente o presidente Trump por violar suas diretrizes. Esta manhã, o Facebook fez isso indefinidamente. Muitos danos já foram infligidos, no entanto, e muitos há muito tempo criticam o Facebook, especialmente por seu papel em espalhar o ódio. Muitos dos insurrecionistas no Capitólio dos EUA planejaram suas atividades online, e a relação entre extremismo e mídia social é uma história contínua que requer reportagens robustas muito além desta semana, mês ou mesmo ano. -
Extremismo de direita
O extremismo de extrema direita tem aumentado em todo o mundo nos últimos anos e encontrou um ponto de apoio bem-vindo nos EUA. Um relatório de novembro de 2020 descobriu que os supremacistas brancos e grupos extremistas semelhantes foram responsáveis por dois terços dos planos e ataques terroristas nos Estados Unidos. Um deles foi uma conspiração frustrada por extremistas de extrema direita para sequestrar a governadora Gretchen Whitmer de Michigan. O extremismo de extrema direita é uma ameaça crescente e os repórteres precisam relatá-lo com cuidado. O Journalist’s Resource tem dicas para repórteres. -
Como esta história se relaciona com questões raciais
Muitos notaram a diferença entre como a polícia abordou os comícios pró-Trump de como eles reprimiram os protestos do Black Lives Matter usando equipamento de choque completo, balas de borracha e spray de pimenta. Os distúrbios também exibiram a violência da supremacia branca, apontada há muito tempo por negros e pardos. Essas histórias, e as muitas outras interseções que o dia 6 de janeiro teve com a raça nos Estados Unidos, devem continuar a ser exploradas. Para mais informações, consulte o recurso Eleição SOS de Hearken. -
Reporte sobre os responsáveis por incitar a violência e espalhar desinformação
O presidente Trump, membros do Congresso e personalidades influentes espalharam desinformação que acabaram por levar aos eventos violentos recentes. Os jornalistas devem continuar a reportar as ações dos responsáveis pelos acontecimentos, mesmo depois que as tensões diminuírem.
(8) Reitere os processos democráticos
Os eventos recentes foram uma tentativa de impedir o Congresso de certificar uma eleição justa e democrática. Os jornalistas devem enfatizar os processos democráticos dos EUA, especialmente como eles aconteceram este ano.
“Enfatize que os eleitores decidiram”, afirma um comunicado de imprensa do Count Every Vote. “Use a votação impressionante e visível tanto na eleição nacional quanto no segundo turno da Geórgia para lembrar às pessoas o quadro geral e contextualizar as reclamações e ações conservadoras como as tentativas desesperadas de pessoas que estão perdendo e em minoria.”
Reitere para o público que a democracia dos EUA se baseia em uma transferência pacífica de poder e prepare-se para a possibilidade de que isso não ocorra de forma tão tranquila no final deste mês.
(9) Concentre-se em construir confiança com seu público
Seus leitores e espectadores podem estar confusos, ansiosos e incertos sobre para onde as coisas vão a partir daqui. Crie caminhos para eles fazerem perguntas e priorizar o fornecimento de respostas. “Ter acesso aos seus ouvidos e coberturas verificadas os ajudará a navegar nesta crise”, afirma o recurso Eleição SOS do Hearken.
Enfatize a credibilidade de você e de sua organização como repórteres e concentre-se em construir a confiança de seu público. Para dicas e recursos sobre como começar, consulte o Trusting News.
[Leia mais: Como lidar com coberturas angustiantes e traumáticas]
(10) Fique em segurança e marque esses recursos
A insurreição de 6 de janeiro incluiu inúmeras ameaças à mídia. A frase “assassinar a mídia” foi gravada na porta do Capitólio. Uma multidão de extremistas destruiu equipamentos de jornalistas.
Onde quer que você esteja enquanto relata esses eventos, priorize sua segurança e saúde mental, e a de seus colegas. Aqui está uma lista de recursos para ajudá-lo:
- Kit de ferramentas de cobertura eleitoral do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ)
- Guia legal sobre polícia e protesto do Comitê de Repórteres para a Liberdade de Imprensa (RCFP)
- E-mail do U.S. Press Freedom Tracker para reportar incidentes de jornalistas atacados, agredidos ou seriamente ameaçados nos EUA: tips@pressfreedomtracker.us.
- Linha direta jurídica do RCFP: 1-800-336-4243
- Listas de verificação de segurança do recurso Eleições SOS do Hearken
- Fundo de emergência da International Women’s Media Foundation
David Maas é diretor da IJNet. Taylor Mulcahey é editora-chefe da IJNet.
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