Dicas para investigar casos de má conduta policial

por Rowan Philp
Nov 3, 2020 em Jornalismo investigativo
Policial com equipamento de choque completo na França

A equipe de investigações visuais do New York Times começou sua apuração sobre o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos com a estratégia mais simples: dar um zoom no Google Maps e, em seguida, ligar para as empresas listadas no mapa para solicitar suas imagens de circuito interno de televisão. 

Em um webinar na GIJN sobre investigação da polícia — realizado em 22 de outubro, um dia após o massacre de manifestantes contra a brutalidade policial na Nigéria — a repórter do Times Haley Willi explicou que a equipe, então, usou carimbos de data/hora desses vídeos para pesquisar um arquivo do scanner policial, Broadcastify, para encontrar o som da rua naquela trágica noite de maio em Minnesota.

Isso mostrou que os policiais falaram com um atendente sobre uma emergência médica de “Código 3” para Floyd às 20h21. No entanto, o vídeo mostrou que um policial continuou ajoelhado no pescoço do homem acometido até às 20h28. Ele morreu logo depois.

Além de Willis e sua equipe, o webinar teve a participação de jornalistas investigativos da Tunísia e África do Sul, que compartilharam ferramentas e dicas poderosas para coletar e analisar evidências sobre a má conduta policial.

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“Certa vez, um repórter de dados me disse que se você ver uma tabela oficial sobre a má conduta policial, deve assumir que há um banco de dados rico e diversificado por trás dela”, disse Daneel Knoetze, fundador do Viewfinder, organização sem fins lucrativos sul-africana. “Essa foi uma das dicas mais incríveis porque me levou a encontrar contatos dentro da diretoria de investigação da polícia para obter acesso aos dados de origem.”

Para Amal El Mekki, editora-chefe da plataforma de reportagens Innsane da Tunísia, o processo começa com solicitações de registros públicos e a coragem de exigir que os órgãos de segurança pública prestem contas.

Enquanto isso, o vencedor do Prêmio Pulitzer Malachy Browne, produtor sênior da equipe de investigações visuais do New York Times, disse que esses projetos dependem de ser organizado em todas as fases — desde a coleta de evidências nas redes sociais, passando pela edição de áudio e vídeo em uma tela dividida, até localizar eventos no tempo e no espaço.

Aqui estão dez das principais dicas do nosso painel:

  • Encontre evidências sobre a ação policial identificando listas relevantes do Twitter, adicionando palavras-chave após o site: twitter.com/*/lists, e combinando-as com as suas próprias palavras através do Twitter List Copy. Para pesquisas de vídeo de crises em tempo real no SnapChat, YouTube e Twitter, tente o Samdesk e o Dataminr para postagens de notícias de última hora que são pesquisáveis por região.
Investigating police misconduct
Essa baixa taxa de condenação por má conduta policial na África do Sul reflete falhas de responsabilização semelhantes em todo o mundo. Daneel Knoetze, do Viewfinder, diz que um problema é que as condenações muitas vezes não são uma medida de desempenho para os investigadores internos.

[Leia mais: Repensando como cobrimos a polícia]

 

  • Concentre-se em falhas sistêmicas e erros de política, em vez de simplesmente nos oficiais considerados “exceções ruins”. Investigue os encarregados de investigar a má conduta policial, como as diretorias de investigações internas ou corregedoria -- e verifique se seu desempenho é medido pelos índices de condenação ou má conduta, ou apenas pelo número de processos encerrados. Knoetze diz que embora poucos se vejam como delatores, muitos investigadores internos ajudarão repórteres por um sentimento de frustração ou justiça.

  • Para o áudio da polícia — e para entender melhor o que a polícia e os despachantes estavam pensando em momentos cruciais — verifique se o seu país tem um aplicativo que grava as comunicações. Nos EUA, tente o Broadcastify e OpenMHZ, que oferecem feeds ao vivo e arquivados. O aplicativo 5-0 Radio Pro para celular oferece feeds de rádio ao vivo de cerca de 30 países.

  • Para localizar vídeos de incidentes policiais passados, experimente palavras-chave com site:youtube.com no Google e, a seguir, limite o intervalo de datas ao dia do incidente e o dia seguinte no ícone Ferramentas. A função de pesquisa no InVid pode direcionar os horários das postagens no Twitter com mais precisão do que a pesquisa do Twitter.

  • Concentre sua pesquisa de evidências nas redes sociais nas plataformas e linguagens mais usadas para crises na área. Por exemplo, Willis diz que os usuários em Hong Kong costumam postar vídeos no Telegram e no LIHKG. Use o aplicativo Telegago para pesquisar Telegram, ou tgstat.

  • Quando os órgãos policiais divulgam gráficos simples sobre a má conduta policial, presuma que provavelmente haja um banco de dados rico e detalhado sobre incidentes e reclamações por trás dele e vá atrás desses dados. E construa relacionamentos com as famílias das vítimas.

Police investigations
A função de geocodificação do Twitter ou TweetDeck pode rastrear rapidamente o vídeo da testemunha. Imagem: NYT
  • Marque o incidente no Google Maps para iniciar sua investigação -- tanto para obter um geocódigo para encontrar tuítes locais no TweetDeck, quanto para encontrar empresas próximas que possam ter filmagens de circuito interno de TV da cena. Ligue para todas elas. Se os locais recusarem inicialmente, envie uma cópia de sua matéria inicial sobre o incidente e, em seguida, ligue para pedir os vídeos novamente. Use o geocódigo no TweetDeck seguido por uma vírgula e um raio, como “1mi”, e um termo como “polícia” ou “policiais”.

  • Sincronize videoclipes sem áudio -- como de circuitos internos de TV -- com qualquer clipe que tenha áudio, como transmissões ao vivo e telefones com câmera, com marcadores visuais como luzes piscando e passos.

  • Quando os usuários concederem permissão, ilustre sua matéria com videos das redes sociais, adicionando breves explicações e gráficos leves, como círculos ou setas, para torná-los mais claros.

Investigating police
Os carimbos de hora em chamadas para o 911 americano podem ser combinados com o vídeo das pessoas que fazem essas chamadas. Imagem: New York Times
  • Crie narrativas de linha do tempo precisas e contextualizadas combinando as marcações de tempo em arquivos de chamadas para o número de emergência e compartilhados pela polícia com evidências de vídeo de pessoas fazendo essas chamadas. O tempo que as pessoas levam para pegar seus telefones e colocá-los novamente em vídeo contínuo também pode ser comparado à duração desses arquivos dos áudio das chamadas. Outros sons altos ouvidos em chamadas de emergência — como o som de bater as portas de um carro ou até tiros — também podem ajudar a construir cronogramas dos eventos.

Para mais informações sobre métodos forenses visuais para investigar ações policiais, consulte o guia detalhado da GIJN aqui.


Este artigo foi publicado originalmente na Global Investigative Journalism Network (GIJN). 

Rowan Philp é repórter da GIJN. Ele foi repórter chefe do Sunday Times da África do Sul. Como correspondente estrangeiro, cobriu notícias, política, corrupção e conflito em mais de duas dezenas de países ao redor do mundo. 

Imagem principal sob licença CC no Unsplash por ev