Abordagem "solidária" para melhorar a credibilidade do jornalismo

por Anita Varma
Jan 10, 2025 em Engajamento da comunidade
Group of people stacking hands

"O jornalismo é o menos confiável em um grupo de dez instituições cívicas e políticas dos EUA envolvidas no processo democrático", concluiu a empresa de pesquisas Gallup em uma análise de 2024.

Apesar das promessas dos veículos jornalísticos de fornecer reportagens factuais e dos investimentos contínuos para criar confiança, pessoas ao longo do espectro político dos EUA não estão convencidas da auto-proclamada credibilidade da grande mídia.

A categoria “grande mídia” se refere a grandes jornais como o The New York Times, canais a cabo como CNN e Fox News e redes jornalísticas como ABC ou NBC e suas afiliadas locais. Apesar das divisões políticas estarem se aprofundando nos EUA, a Pew Internet Research identificou que essa definição é consistente entre republicanos e democratas.

A credibilidade da grande mídia vem diminuindo há anos. Mas a tendência atraiu atenção renovada de lideranças do jornalismo e analistas desde a eleição presidencial de 2024, quando muitos veículos mais uma vez julgaram mal as chances eleitorais do presidente eleito Donald Trump.

Eu sou professora de jornalismo e mídia e acredito que minha pesquisa oferece um caminho para o jornalismo ganhar credibilidade: o jornalismo de solidariedade.

O que é o jornalismo de solidariedade?

Solidariedade, conforme eu a defino, é um compromisso com a dignidade básica das pessoas que se traduz em ação.

Desde 2014. minha pesquisa acadêmica vem focando no papel da solidariedade no jornalismo que representa grupos marginalizados – como pessoas em situação de rua, em situação de insegurança alimentar ou que são alvos de violência. Estes são grupos que não podem simplesmente desistir das condições que colocam sua sobrevivência e segurança em risco.

Jornalistas que cobrem esses grupos e assuntos com precisão, considero eu, encaram sua cobertura de formas que os separam da maior parte da cobertura jornalística. Mais especificamente, quando informam sobre solidariedade, jornalistas usam critérios de noticiabilidade, táticas de obtenção de fontes e estilos de enquadramento que são distintos daqueles tipicamente usados pela grande mídia.

A propósito, poucos jornalistas usam o rótulo de “solidariedade” para descrever suas práticas. Em vez disso, conforme minha pesquisa, a solidariedade emerge na forma como alguns jornalistas fazem seu trabalho.

O que é noticiável?

A primeira pergunta que jornalistas são treinados a se fazer antes de seguir em frente é: “isso é notícia?”. Em outras palavras, o que torna um assunto digno de cobertura?

Jornalistas normalmente sabem que seus editores estão em busca de alguns poucos critérios simples. Uma pauta forte geralmente inclui novidade e pessoas com poder institucional. Soa importante quando comparada com outros eventos que estão acontecendo ao mesmo tempo.

Na maioria das vezes, declarações de um líder político são o que tornam algo noticiável, por exemplo quando o presidente Joe Biden se desculpou em outubro de 2024 pelas condições desumanas nos internatos de povos nativos dos EUA gerenciados pelo governo federal até os anos 1960.

Porém, quando informam com base em solidariedade, jornalistas encontram pautas noticiáveis porque a sobrevivência e segurança básicas das pessoas estão em risco.

Uma matéria publicada pela Outlier Media em 8 de março de 2023 ilustra essa abordagem. Com o título “Inquilinos de Detroit estão se organizando e fazendo exigências maiores”, o texto foca nas dificuldades de inquilinos para ter acesso a necessidades básicas como redes de esgoto, água quente e eletricidade.

O presidente talvez nunca emita um pedido de desculpas pelas negligências de uma cidade com os seus moradores mais pobres. E jornalistas que informam com base na solidariedade não esperam pelo reconhecimento da elite. Eles acreditam que quando a dignidade básica de uma pessoa está em risco, o tópico é digno de uma cobertura jornalística.

Tratamento de fontes

As fontes são as pessoas, instituições e dados que jornalistas usam para fornecer evidências em suas reportagens.

No pior dos casos, fontes marginalizadas descrevem repórteres como hostis, interesseiros e sanguessugas. Tais jornalistas “caem de paraquedas” para cobrir grandes pautas e pegar aspas e fotos comoventes de tragédias. Depois, somem tão abruptamente quanto surgiram.

Jornalistas que fazem uma cobertura solidária realizam seu trabalho de um jeito diferente.

Eles aparecem no meio de uma situação em desenvolvimento não só pela pauta, mas pelas pessoas afetadas. Eles gastam tempo ouvindo as pessoas que estão sofrendo com o caso e voltam depois da matéria ter sido publicada para continuar a conversa – principalmente quando os problemas persistem.

Reenquadrando a narrativa

O enquadramento no jornalismo refere-se a como uma história é contada. Não é possível para os jornalistas incluir toda fonte ou aspecto possível de um tema. Os enquadramentos moldam quem e o quê cabe em uma pauta.

Normalmente, o enquadramento jornalístico foca no modo como autoridades definem uma questão.

Pegue como exemplo a matéria da ABC7News sobre pessoas em situação de rua publicada em 25 de julho de 2024. Com o título “Prefeitos da Baía de San Francisco respondem à ordem do governador Newsom para remover acampamentos de moradores de rua”, ela é enquadrada em torno da forma como autoridades reagiram à ordem para remover acampamentos de moradores de rua nas cidades, não em torno dos moradores desses acampamentos.

O enquadramento solidário prioriza as pessoas que estão vivenciando um problema que coloca sua dignidade básica em risco devido a fatores que vão além de circunstâncias pessoais ou má sorte. O enquadramento de solidariedade define os problemas com base no que as pessoas que os estão vivenciando sabem a partir de sua experiência direta.

Um enquadramento solidário a respeito da ordem do governador Gavin Newsom de remover acampamentos de pessoas em situação de rua seria algo como o seguinte: “‘Nós precisamos estar em algum lugar’: californianos em situação de rua reagem à repressão do governador Newsom”.

A matéria com o título acima, publicada pelo CalMatters em 12 de agosto de 2024, explica o que as pessoas afetadas pela proibição dos acampamentos estão vivendo diretamente. Também ilustra a situação impossível enfrentada por quem não tem para onde ir.

No enquadramento solidário, fontes oficiais não são o juiz e o júri. Em vez disso, os relatos diretos de pessoas marginalizadas moldam a cobertura sobre o que elas estão passando.

Serviço público de verdade

Minhas entrevistas e interações com jornalistas em 2024 identificaram que um subgrupo de jornalistas famosos já faz reportagem solidária silenciosamente. Eles contam histórias sobre as dificuldades vividas por pessoas marginalizadas e priorizam seus relatos diretos em vez do discurso promovido por quem está no poder.

Eu acredito que este modelo deveria ser central na forma como o jornalismo enxerga seu propósito e serviço público. E eu não estou sozinha.

Pessoas negras há séculos demandam mais reportagens factuais que reflitam suas vidas de fato, porque o jornalismo tradicional há muito tempo criminaliza e desumaniza suas comunidades. Pessoas trans, de modo semelhante, demandam por mais reportagens in loco como forma do jornalismo melhorar sua credibilidade.

Muitos outros grupos de ativistas progressistas e conservadores já indicaram que considerariam que uma reportagem com abordagem solidária teria mais credibilidade do que as práticas atuais de reportagem.

A grande mídia “poderia fazer um trabalho muito melhor ao destacar as pessoas que estão de fato vivenciando o problema em tempo real e que estão lutando para acabar com isso em primeiro lugar”, me disse um ativista de justiça social em 2023.

Conservadores, por sua vez, fazem objeção ao que eles enxergam como uma cobertura distorcida de suas comunidades.

“Há muitos tipos diferentes de conservadores e eles simplesmente colocam todo mundo no mesmo bolo como extremistas de direita”, disse um leitor conservador em um estudo do Center for Media Engagement.

Por meio de práticas solidárias, a grande mídia tem a chance de atingir o que ela sempre alegou contribuir para a sociedade: reportagem verdadeira baseada no que está acontecendo na rua, a pessoas reais, em tempo real – e com um impacto real.


Anita Varma é professora na Faculdade de Jornalismo na Universidade do Texas em Austin

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.

Foto por Kindel Media via Pexels.