6 indicadores para engajamento de quem desconfia do jornalismo

por Shraddha Chakradhar
Sep 7, 2022 em Engajamento da comunidade
A man snapping his fingers.

Como as pessoas que confiam pouco em fontes jornalísticas decidem em quais publicações confiar? Essa é a pergunta central por trás de um estudo do projeto Trust in News do Reuters Institute for the Study of Journalism.  

A resposta: as pessoas fazem julgamentos rápidos — julgamentos instantâneos, conforme definem os responsáveis pelo estudo — na hora de avaliar as notícias. Essas decisões apressadas se baseiam em uma gama de elementos que as pessoas observam, incluindo o veículo em si e as pessoas que compartilharam as matérias.

Para responder à pergunta, os pesquisadores entrevistaram 100 pessoas em quatro países — Brasil, Índia, Reino Unido e Estados Unidos — sobre seus hábitos de consumo de notícias.

Mais especificamente, os autores escolheram participantes classificados como "geralmente desconfiados". Esses voluntários foram definidos como tal por causa de suas respostas às perguntas. "O quanto você diria que se interessa por política?" e "De modo geral, o quanto você confia nas informações dos veículos abaixo", seguida por uma lista de 15 veículos de cada país.

As respostas dos participantes a essas perguntas foram medidas em uma escala de cinco pontos e aqueles cuja pontuação sugeriram uma confiança em veículos jornalísticos abaixo da média bem como um interesse em política abaixo da média foram selecionados para a amostra final. Essas pessoas eram também usuárias regulares do Facebook, WhatsApp e Google.

Os pesquisadores fizeram entrevistas em vídeo com cada um dos participantes, nas quais os voluntários mostravam como usavam cada uma das plataformas digitais. Isso, de acordo com os pesquisadores, "ajudou a observar em tempo real aquilo que os voluntários prestavam atenção ao julgar se a informação era relevante e confiável. Essa técnica nos permitiu ir além de respostas abstratas sobre o uso de plataformas e chegar a experiências reais, permitindo que estudássemos os participantes mais a fundo em relação a exemplos concretos e específicos".

O estudo descobriu que esses voluntários "geralmente desconfiados" tinham menos probabilidade de se deparar com notícias nas plataformas que usam regularmente. Quando isso acontecia, eles se mostravam indiferentes às matérias. E nas poucas vezes que viam notícias, o conteúdo tendia a focar em assuntos mais leves, como entretenimento. 

Quando os participantes de fato viam notícias no Facebook, Google ou WhatsApp, eles faziam julgamentos rápidos sobre a credibilidade da informação divulgada. Esses julgamentos tendiam a se basear em seis pontos destacados na imagem abaixo: o veículo (concepções já existentes sobre a marca); manchete (tom e escolha das palavras); elementos sociais (quem compartilhou a notícia?); elementos da plataforma (curtidas, rótulos e a ordem na qual a informação aparece); publicidade (elementos relacionados a patrocínio); elementos visuais (imagens, vídeo ou presença de URL). 

 

 

 

Quando os julgamentos eram feitos com base nas manchetes, os pesquisadores descobriram que as pessoas que não se interessavam por notícias de fato eram interpeladas pelos títulos — mas o efeito talvez tenha sido o oposto da intenção dos veículos. Um voluntário do Brasil falou que "quanto mais atrativa é a manchete, mais eu suspeito dela", um sentimento que encontrou eco em um participante do Reino Unido, que disse: "eu acho que quanto mais tedioso for o título, talvez ele seja mais confiável".

O assunto da notícia também desempenhou um papel na forma como os voluntários decidiam confiar no conteúdo. Embora as pessoas estudadas tivessem a tendência de desconfiar de todas as notícias, elas eram especialmente céticas diante de notícias sobre política. Esta é a opinião de um respondente do Reino Unido:  

"Quando você fala em "confiança", depende. Confiar neles por qual motivo? Se eu estou procurando uma matéria sobre as enchentes no sul, eu acho que eles estão informando sobre o caso corretamente? Provavelmente. Se estou lendo algo sobre estatísticas que interessam aos políticos, eu acredito? Não, porque toda a mídia é de propriedade de políticos."

O conteúdo ao qual os respondentes prestavam atenção dependia da plataforma na qual viam a notícia. No Facebook e no WhatsApp, quem compartilhava a informação contribuía para orientar a forma como os participantes enxergavam a notícia e o engajamento que ela tinha (curtidas, comentários, etc.). Selos de verificação no Facebook também ajudavam. Por exemplo, um participante da Índia disse que ele confiava em um veículo "porque tinha um selo azul, o que significa que ele foi verificado pelo Facebook".

Ao mesmo tempo, os voluntários — assim como a maioria da população — aparentemente não sabiam como as plataformas funcionavam para mostrar as notícias. Eles perceberam que a fonte da notícia nem sempre era aparente. As pessoas também se mostraram céticas sobre qual valor dar a matérias rotuladas como conteúdo patrocinado. Um voluntário nos Estados Unidos, por exemplo, disse o seguinte sobre conteúdo patrocinado nas buscas do Google:

“O Google é uma empresa privada que pode ser paga para mostrar o primeiro resultado que você vê. Então, para certos assuntos, eu teria que considerar que é muito fácil pagar para ser o primeiro nos resultados da busca do Google." 

Os participantes também falaram que estavam preocupados — com razão — que parte da natureza social dessas plataformas (ou seja, amigos e família compartilhando notícias, o que faz alguém querer confiar nessas pessoas como fontes) facilitava a disseminação de desinformação ou o mascaramento de práticas duvidáveis.

O WhatsApp, por exemplo, permite não só o uso de mensagens de texto, e as notícias são frequentemente compartilhadas em formato de áudio. Mas os usuários demonstraram preocupação com isso. Um usuário do Brasil disse o seguinte sobre o uso de áudios por seu pai no WhatsApp:

“[Ele] mal sabe ler e escrever. Só usa mensagens de áudio, então as notícias tendem a ser mais confiáveis porque ele não sabe de onde elas vieram. Por isso, é muito mais provável que ele vai acreditar em qualquer coisa que receber de qualquer pessoa."

O que isso significa para os veículos que desejam ganhar a confiança das pessoas?

"Para os veículos, alcançar esse segmento de público pode exigir esforços mais consistentes e prolongados de construção de marca, além de ter um cuidado maior com a forma como as matérias são exibidas no ambiente digital e como isso pode impactar a confiança", disse no Twitter Amy Ross Arguedas, pós-doutora e pesquisadora no Reuters Institute e principal autora do estudo.  

E tendo em vista que os voluntários estão tendo contato com notícias nas plataformas que não são o site dos próprios veículos, o estudo "coloca um ônus sobre as plataformas para considerar com mais cuidado o papel das suas decisões de design e tecnologias em moldar a forma como os usuários avaliam as notícias", escreveram os autores. 

Leia o estudo completo aqui.


Este artigo foi publicado originalmente pelo Nieman Lab e reproduzido aqui com permissão. 

Foto por Kreative Kwame no Unsplash.