4 alternativas para financiar um jornalismo em crise

Jan 12, 2021 em Sustentabilidade da mídia
DInheiro num pote de vidro

O relatório discutido neste artigo foi escrito pela Dra. Anya Schiffrin, Hannah Clifford, Allynn McInerney, Kylie Tumiatti e Léa Allirajah da Escola de Relações Públicas e Internacionais da Universidade de Columbia.

Em meio à pandemia de COVID-19, jornalistas de todos os lugares estão sentindo as consequências: cortes em redações, demissões e fechamentos varreram o mundo.

Filantropos, organizações de jornalismo, economistas e governos encontraram soluções para lidar com essa devastação financeira, alguns clamando por uma maior colaboração entre esses grupos. Em um novo relatório do Konrad Adenauer Stiftung, “Salvando o Jornalismo: Uma Visão para o Mundo Pós-COVID" (em inglês), analisamos iniciativas em todo o mundo que esperam salvar a indústria.

Nossa pesquisa observou um interesse renovado no financiamento por parte de governos e das Big Techs [grandes empresas de tecnologia] e uma ênfase na preservação do que existe, em vez de iniciar novos veículos que podem não sobreviver.

Para dar sentido às soluções propostas, nós as dividimos em quatro categorias, estabelecidas pelo diretor-gerente da fundação Luminate, Nishant Lalwani: fazer as Big Tech ajudarem a pagar pelo jornalismo, subsídios e suporte do governo, novos modelos de negócios e financiamento filantrópico.

[Leia mais: 5 elementos que organizações de jornalismo sustentáveis têm em comum]

(1) Fazer as Big Techs pagarem pelo jornalismo

Muitas das pessoas com quem falamos acham que é hora de conseguir com que as grandes empresas de tecnologia apoiem substancialmente o jornalismo e de envolver os governos para que isso aconteça.

Um exemplo abrindo caminho é o novo código de mídia da Comissão Australiana de Consumo e Concorrência, que forçaria o Google e o Facebook a pagar pelo jornalismo. Apresentada ao parlamento em dezembro, a lei exigiria que as empresas de tecnologia paguem pelas notícias que usam e as força a uma arbitragem vinculativa se não conseguirem chegar a um acordo sobre o valor. A lei também exigiria que as empresas de tecnologia notificassem os meios de comunicação antes de alterar os algoritmos que afetam o tráfego da audiência. Se aprovada, a lei criará uma relação mais equilibrada entre as organizações de notícias e as plataformas.

A Alemanha, Espanha e França tentaram usar leis de direitos autorais para fazer as Big Techs pagarem pelas notícias, mas a Austrália está tentando usar a lei de concorrência para mudar o equilíbrio de poder entre as empresas de tecnologia e mídia.

Esforços também estão em andamento nos Estados Unidos para fazer com que as empresas de tecnologia paguem pelas notícias, incluindo a proposta da Free Press de 2019 para taxar micro publicidade e, em seguida, usar os fundos para pagar o jornalismo cívico. Há também a lei bipartidária de Competição e Preservação do Jornalismo, que, se aprovada, permitirá aos editores se unirem ao negociar pagamentos com o Google e o Facebook.

(2) Subsídios públicos

No ano passado, também vimos um interesse renovado no apoio do governo ao jornalismo, inclusive na África e Estados Unidos, que tradicionalmente têm sido mais cautelosos com os perigos do financiamento público.

A Noruega, Dinamarca, Canadá, Austrália e Cingapura aumentaram o financiamento governamental extra e/ou créditos fiscais para apoiar o jornalismo durante a pandemia. Por exemplo, o governo da Austrália criou um fundo de notícias de interesse público de AUD50 milhões em maio para ajudar a manter o jornalismo de interesse público em áreas regionais. A Noruega e Cingapura forneceram subsídios para veículos e freelancers durante a COVID-19, e a Dinamarca dedicou DKK180 milhões para compensar os veículos pela perda de receita de publicidade entre março e junho de 2020.

Nos Estados Unidos, há uma série de propostas para apoiar as notícias, incluindo a Lei de Sustentabilidade do Jornalismo Local, que foi introduzida em julho de 2020. A lei proposta forneceria créditos fiscais federais aos meios de comunicação locais para assinaturas, compensação de jornalistas e publicidade. Os defensores esperam que alguns desses planos sejam votados em 2021.

No relatório, o jornalista queniano Mark Kapchanga argumenta que alguns veículos de notícias ameaçados devem receber assistência financeira do governo, mas que os fundos devem ser entregues de forma que os veículos possam manter sua independência com segurança, por exemplo, por meio do Conselho de Mídia do Quênia.

[Leia mais: Melhores práticas e erros comuns em modelos de membership]

(3) Novos modelos de negócios

Os inovadores também estão procurando ver que tipos de mudanças podem ser feitas nos modelos de negócios atuais para que o jornalismo de qualidade possa ser preservado no futuro. Na África do Sul, o jornalista de Botswana Ntibinyane Ntibinyane está buscando financiamento para o Projeto Transições Digitais que salvaguardaria a sobrevivência de veículos de jornalismo de qualidade na África do Sul e os ajudaria na transição ao longo prazo.

Nos Estados Unidos, 6.700 agências de notícias locais são propriedade de fundos de cobertura. Muitos profissionais da mídia estão preocupados porque esses fundos não estão interessados em apoiar o jornalismo ao longo prazo, mas em obter lucros de curto prazo. Steve Waldman, o ex-conselheiro sênior do presidente da Comissão Federal de Comunicações, propôs que esses canais fossem transformados em organizações sem fins lucrativos ou de propriedade local, o que é semelhante às propostas da Free Press e do acadêmico Victor Pickard

(4) Financiamento de fundações

O financiamento de fundações sustentou centenas, senão milhares, de pequenas startups em todo o mundo. Em 2020, muitas organizações estabeleceram fundos de emergência durante a pandemia e foram inundadas por candidatos ansiosos. A Google News Initiative financiou agências na América Latina, África, Ásia-Pacífico, Europa e Estados Unidos, fornecendo subsídios que variam de US$5.000 a US$30.000 para 5.300 redações selecionadas entre cerca de 12.000 candidatos.

Os governos latino-americanos têm feito pouco para apoiar o jornalismo, então são principalmente as fundações, o Google e o Facebook que intervêm para ajudar. O Facebook e o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês) forneceram US$2 milhões em doações para veículos latino-americanos para ajudá-los a cobrir a crise da COVID-19 e também para sobreviver.

Lições aprendidas: 

Cada uma das categorias acima oferece alguma promessa de fornecer suporte mais substancial e sustentável para o jornalismo no futuro. No entanto, nenhuma basta por si só, especialmente porque a pandemia piora uma crise que já aumentava.

Embora o apoio filantrópico tenha possibilitado centenas, senão milhares, de meios de comunicação em todo o mundo, é necessário mais apoio sistêmico. Os exemplos acima oferecem algumas ideias.

Gostaríamos de ver mais coordenação de doadores e apoio do governo visando manter os canais existentes vivos e fortalecer o ecossistema de notícias local, em vez de financiar pequenas startups que podem acabar competindo entre si. Nossa pesquisa sugere que há muito a ser aprendido com países ao redor do mundo que fornecem apoio governamental para jornalismo de qualidade e tentam fazer com que empresas de grande tecnologia ajudem a pagar pelas notícias.


Dra. Anya Schiffrin é conferencista sênior na Faculdade de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Columbia. Ela escreveu o relatório com seus alunos: Hannah Clifford, Allynn McInerney, Kylie Tumiatti e Léa Allirajah. Outras pesquisas foram feitas por Chloe Oldham.

Imagem sob licença no Unsplash via Eric Muhr