10 tipos de desinformação eleitoral comuns em diferentes países

Nov 8, 2022 em Combate à desinformação
sfafaf

A pandemia de COVID-19 deixou claro que desinformação e informação enganosa viajam de um país a outro. Em alguns casos, a informação falsa é adaptada para que ela ganhe força em diferentes audiências. Em geral, porém, narrativas de desinformação bem-sucedidas são frequentemente repetidas. Quem cria desinformação é eficiente: quando uma estratégia funciona, ela é reutilizada.

Tendo isso em mente, a coalização LatamChequea — uma rede de verificadores de fatos da América Latina, Espanha, Portugal e Estados Unidos no combate à desinformação em espanhol — tentou determinar se a desinformação relacionada às eleições tem padrões em comum. Nós descobrimos que pelo menos 10 tipos de desinformação se repetiram em ciclos eleitorais nos últimos três anos em todos os países que pesquisamos na América Latina, bem como nas eleições de 2020 dos Estados Unidos. 

Nós nos preparamos para essas mesmas estratégias de desinformação e tópicos às vésperas das eleições de meio mandato dos Estados Unidos no dia 8 de novembro.

Abaixo estão detalhados os 10 tipos de desinformação eleitoral com o qual provavelmente você vai se deparar nas redes sociais ou em sites de desinformação disfarçados de meios de comunicação legítimos.

(1) Irregularidades no processo eleitoral não significam que há fraude

Em um processo eleitoral que envolve milhões de pessoas, não é incomum que ocorram certos erros ou irregularidades. A natureza dessas inconsistências depende do sistema eleitoral do país; em muitos casos, envolve a contagem de votos errônea temporária em uma seção eleitoral. Inconsistências desse tipo podem fazer surgir narrativas de desinformação, como no caso de países sul-americanos, como Argentina, Peru e Colômbia. Muitas vezes, esses erros são deturpados como evidência de suposta fraude organizada.

Normalmente, irregularidades não intencionais no processo de votação não favorecem sistematicamente nenhum partido em particular. Por outro lado, irregularidades intencionais buscam enviesar os resultados a favor de um determinado grupo. Há formas de analisar a transparência de uma eleição e determinar se quaisquer inconsistências são erros não intencionais ou manipulações intencionais. Um erro durante uma eleição não é automaticamente prova de fraude. 

(2) Denúncia de suposta fraude eleitoral coordenada por autoridades 

Em conjunto com alegações de irregularidades durante o processo eleitoral, candidatos e seus apoiadores podem acusar autoridades políticas e/ou eleitorais de esforços coordenados para fraudar uma eleição. A tática é usada como uma tentativa de demonstrar uma fraude organizada por autoridades nacionais, locais e/ou eleitorais.

O Brasil é um exemplo notável. Durante as eleições de 2018, o então candidato à presidência Jair Bolsonaro usou informações falsas como parte de sua campanha para alegar fraude eleitoral. A adulteração de urnas foi a narrativa de desinformação mais amplamente disseminada durante o ciclo eleitoral do Brasil naquele ano. Bolsonaro viria a ganhar a eleição.

A chamada "Grande Mentira” nos Estados Unidos, promovida pelo ex-presidente Donald Trump, é semelhante. Essa desinformação alega que a a eleição de 2020 dos Estados Unidos foi "roubada", levando à vitória fraudulenta do atual presidente Joe Biden. Isso foi amplamente desmascarado. Nenhum tribunal determinou que havia fraude eleitoral difundida. Na verdade, Trump perdeu 63 dos 64 processos que ele abriu na Justiça. O único caso que ele venceu não provou nenhuma fraude.

Outras alegações feitas durante as eleições dos Estados Unidos em 2020 usaram vídeos e imagens estáticas mostrando funcionários que trabalhavam nas eleições escrevendo ou tomando nota. Esse conteúdo foi então usado para acusar os funcionários de alterar votos na Pensilvânia. Ficou provado que essa afirmação era falsa; as atividades mostradas nos vídeos e fotos eram parte de um trabalho de rotina no dia das eleições.

Os esforços de Trump para enfraquecer a legitimidade da eleição presidencial de 2020 começaram muito antes do dia da votação. Sua recusa em admitir e reconhecer a derrota o levaram a mais tarde incitar seus apoiadores a atacarem o Capitólio, em Washington, em 6 de janeiro de 2021. Aqui há uma coletânea de pelo menos sete tentativas feitas por Trump, seus seguidores e sua campanha para invalidar a eleição.

(3) Supostos votos de pessoas falecidas

Outro tema de desinformação que circula em muitas eleições nas Américas é aquela segundo a qual pessoas falecidas são incluídas nos registros eleitorais. Bases de dados de eleitores nunca são atualizadas no dia das eleições; entre o dia que se encerra essa atualização e o dia da eleição, pessoas podem vir a morrer.

Outra linha de desinformação relacionada a esse tópico é que eleitores usam identidade de pessoas mortas para votar. As autoridades eleitorais normalmente corrigem esses erros de registro.

Nas eleições de 2021 do Peru, circulou um vídeo mostrando um certificado eleitoral supostamente assinado por uma pessoa que já havia falecido. No fim, tinha sido um erro de digitação: a pessoa inseriu o último dígito de sua carteira de identidade incorretamente, colocando o 9 no lugar do 4.

Após as eleições de 2020 nos Estados Unidos, o então presidente Donald Trump denunciou que votos haviam sido registrados em nome de pessoas mortas na Geórgia. Em uma ligação vazada à imprensa com o Secretário de Estado da Geórgia Brad Raffensperger, Trump insistiu que havia "cerca de 5.000 votos de pessoas mortas" naquela jurisdição. Após investigações, Raffensperger, diga-se de passagem um republicano, disse que foram confirmados dois votos ilegais em nome de pessoas falecidas — não milhares, como Trump alegava.

"O número real eram dois. Dois. Duas pessoas que morreram votaram. E isso está errado", disse Raffensperger à AP.​​

(4) Desinformação circulando sobre pessoas que votam, mas não estariam qualificadas para tal

Uma quantidade significativa de conteúdo criado para atacar grupos marginalizados circula durante o período eleitoral. Um exemplo é a desinformação afirmando que imigrantes que não podem votar irão fazê-lo.

Esse tipo de conteúdo falso varia de acordo com as regras eleitorais de cada país. Por exemplo, circulou muita desinformação na Colômbia afirmando que venezuelanos podiam votar nas eleições de 2019. Mas de acordo com as regras eleitorais colombianas, imigrantes só podem votar se tiverem uma carteira de identidade de estrangeiro, estiverem no país por cinco anos ou mais e se tiverem registro eleitoral. Em outras palavras, é verdade que venezuelanos podem votar em eleições colombianas (como qualquer outro estrangeiro), mas só se atenderem esses critérios.

Nas eleições de meio mandato nos Estados Unidos em 2018, o então presidente Donald Trump divulgou alertas sobre potenciais eleitores sem documentação, distinguindo os imigrantes recém-chegados aos Estados Unidos que "talvez tentassem" votar ilegalmente. Ele também lançou dúvidas sobre a segurança do voto antecipado por email.

Conforme explicamos nesta reportagem do Factchequeadoapenas cidadãos dos Estados Unidos com pelo menos 18 anos podem votar nas eleições do país. O processo de naturalização para se tornar um cidadão leva anos

(5) Manipulação para desencorajar pessoas a votar ou para invalidar votos

Cada país tem regras diferentes sobre quando um voto deve ser anulado ou questionado (por exemplo, não ser contado como válido). Muitas narrativas de desinformação buscam enganar cidadãos e levá-los a não votar ou votar incorretamente.

No México, conteúdos circularam garantindo às pessoas que era possível votar em mais de um candidato. Quem seguiu esse conselho teve os votos invalidados. Outro exemplo é um vídeo que circulou na Colômbia dizendo que se as pessoas já tinham votado em um candidato no primeiro turno, não era preciso votar novamente no segundo turno porque o voto já estava registrado. 

Nos Estados Unidos, Trump colocou novamente em questão a integridade do voto por correio em 2020. Em campanha na Carolina do Norte, ele estimulou as pessoas a votarem duas vezes: primeiro pelo correio e depois pessoalmente, para testar e supostamente corroborar com as alegações de que o voto por correio não era seguro. Trump insistiu que o voto por correio era suscetível a fraude, embora tribunais dos Estados Unidos tenham rejeitado o argumento por falta de evidência.

(6) Desinformação sobre a documentação necessária para votar

Narrativas de desinformação relacionadas a esse tema disseminam informações falsas sobre os tipos de documentos exigidos por agências eleitorais para votar. Durante a pandemia, essa desinformação assumiu novas formas, já que muitos países permitiram o voto com carteira de identidade ou documentos expirados devido à dificuldade de renovar a documentação.

No Chile, na votação para a nova Constituição, em 2020, narrativas falsas circularam afirmando que não era possível votar com a identidade expirada quando na verdade era.

(7) Desinformação sobre cidadãos que votam no exterior

Outro tipo de conteúdo falso que tende a circular durante as eleições diz respeito a eleitores no exterior. Um conteúdo desinformativo recente afirmava que a embaixada do Chile no Canadá havia proibido cidadãos chilenos de votar.

No México, imagens de uma pilha de cédulas enviadas a mexicanos que vivem no exterior viralizou, acompanhada da acusação de que faltavam certos cargos nas cédulas, especificamente o de deputado federal. Porém, a legislação mexicana não permite que mexicanos que moram no exterior votem em todos os cargos públicos. Os cargos nos quais os eleitores que estão no exterior podem votar dependem do tipo de eleição e do estado mexicano onde residem.

(8) Caos no dia da eleição

Esse tipo de conteúdo falso tem o objetivo de desorientar cidadãos ou gerar medo sobre o momento de uma eleição. Por exemplo, podem ser disseminadas inverdades sobre quais dias ou horas pessoas podem votar. Nas últimas eleições chilenas, a situação foi especialmente confusa porque embora as eleições de outubro de 2020 tenham sido realizadas em um único dia, as de maio de 2021 ocorreram em dois dias diferentes.

Outro conteúdo falso que apareceu no Chile assegurava as pessoas que seções eleitorais não seriam monitoradas ou seriam inseguras. De maneira semelhante, no México, circulou desinformação garantindo aos eleitores que entrar em uma seção eleitoral com celular era proibido.

(9) Pesquisas falsas

A maioria dos países proíbe ou tem regulamentação específica para a publicação de pesquisas eleitorais nas horas que antecedem a votação ou no dia da eleição. No entanto, é comum que conteúdos falsos que imitam o formato de pesquisas reais circule nos dias de votação. Essa desinformação pode anunciar falsamente os resultados ou tendências que beneficiam um partido ou vários.

Nas eleições de 2021 do México, no dia da votação, uma suposta pesquisa de boca de urna circulou com os resultados da eleição para governador em Sinaloa com a logomarca de um instituto de pesquisa. Era uma pesquisa falsa: no México, é proibido divulgar pesquisas enquanto as pessoas ainda estão votando e o instituto negou ter publicado o estudo.

 

(10) Declarações fabricadas de candidatos

A desinformação durante o período eleitoral pode ter conteúdo falso sobre os candidatos na disputa. Atores maliciosos podem difundir fotos que podem ter sido manipuladas com programas de edição ou tirar falas ou trechos de informação de contexto.

Essas mesmas táticas são usadas para criar propaganda política falsa. No Equador, imagens adulteradas foram divulgadas mostrando o candidato à presidência sendo vacinado em um momento que somente profissionais de saúde podiam se vacinar. 

Declarações falsas normalmente são manipuladas por meio de banners que mostram uma frase ou peças gráficas que usam a logomarca de um veículo jornalístico com a foto do candidato e uma fala falsamente atribuída. Esses tipos de recursos são amplamente usados para espalhar desinformação porque eles são baratos, parecem ter credibilidade e são fáceis de editar. Este é o mesmo problema com a criação de tweets falsos, que são igualmente fáceis de editar e manipular. 

Estar ciente dos diferentes tipos de desinformação eleitoral que se repetem em várias eleições em diferentes países pode te ajudar a identificar informação falsa criada para enganar e evitar que você a compartilhe.

Se você deseja saber mais sobre este assunto, o site ElectoralCheck, da UNESCO, oferece materiais especialmente feitos para professores, jornalistas, autoridades eleitorais e eleitores, com um foco em eleitores de primeira viagem.


Imagem principal por Phil Scroggs via Unsplash. 

Este artigo foi originalmente publicado pela IJNet em espanhol.