Assumir a cobertura de um parlamento, conselho local ou qualquer tipo de órgão legislativo é uma responsabilidade e um desafio para qualquer jornalista que decide se encarregar de uma tarefa tão relevante como essa. Seja um conselho local ou o Poder Legislativo do seu país, essas instituições costumam ser fundamentais para o desenvolvimento de diferentes políticas públicas e, além disso, são reflexo do funcionamento político em sua expressão máxima, tanto no aspecto discursivo como nas negociações que ocorrem nesses espaços.
Se você ficou responsável por esse tipo de cobertura ou se quer conseguir suas próprias pautas trabalhando como jornalista freelance nos corredores de qualquer órgão legislativo do seu país, é importante considerar os conselhos indispensáveis a seguir para enriquecer sua cobertura.
1. Conheça as regras
Pode parecer óbvio, mas quanto mais você conhecer as regras de um órgão legislativo, mais capacidade vai ter de entender o que está acontecendo ali e quais artimanhas estão sendo aplicadas por um ou outro partido. Desde a composição de um determinado órgão e da forma como os legisladores são eleitos até quantos minutos cada parlamentar tem para falar, quanto mais lhe for familiar a lógica desse ambiente, mais você vai poder entender melhor o que ocorre. Já na hora de escrever, filmar ou gravar sua matéria, não se esqueça de que a imensa maioria da sua audiência não conhece muitas dessas regras, por isso você deve explicá-las, resumi-las ou sintetizá-las da melhor forma.
2. Os discursos e as oratórias são importantes, mas não são tudo
É fácil sentir-se impactado pelo poder grandiloquente da oratória que alguns congressistas têm para falar dos mais variados temas. Mas o que se diz nas sessões e o que fica registrado nas atas muitas vezes é a ponta do iceberg de situações jornalisticamente mais interessantes, e que no geral não são públicas. Não é um problema ver os vídeos ou revisar as atas das sessões e das comissões, mas tenha em mente que por trás desses registros sempre vai haver algo mais, que possivelmente será mais relevante para um jornalista.
3. Identifique as figuras principais
Nas bancadas de um congresso, é pouco provável que todos os membros de um partido ou de uma coalizão tenham o mesmo papel. Por isso, é fundamental identificar quais figuras são relevantes para o seu trabalho jornalístico. Nestes órgãos, fala-se sobre um sem-fim de assuntos, mas são poucos aqueles que estão presentes em todos os temas. Além disso, pode haver especialistas nos assuntos que você está tentando cobrir. E também é possível que esses papéis não estejam explicitados formalmente, portanto você terá que criar o seu próprio mapa em função do que dizem as suas fontes.
4. Tente captar as reuniões e negociações informais
Embora organismos legislativos costumem funcionar através de comissões, as quais frequentemente mantêm registros das reuniões, os lugares onde são tomadas as grandes decisões, muitas vezes, não são esses mas sim espaços menos formais. Por sua vez, as grandes bancadas de legisladores costumam atuar através de coordenadores ou chefes de bancadas, e estes têm reuniões decisivas com figuras do governo, com outras entidades públicas e também com figuras privadas. Ao identificar quem são as principais figuras, tente acompanhar os cronogramas de reuniões informais e, se possível, reconstituir o que aconteceu nelas.
5. As fontes não se limitam aos congressistas
Os congressistas são os protagonistas do nosso objeto de cobertura, mas isso não faz deles os únicos atores do elenco. Pode haver figuras do governo, lobistas, líderes de organizações sociais, sindicalistas e outros perfis com um impacto fundamental naquilo que vamos cobrir e a quem seja fundamental acompanhar. Também é bom ter em mente que cada congressista costuma trabalhar com uma equipe (cujo tamanho dependerá do país ou região) e através dela pode ser mais fácil ter acesso a parte da informação que você busca quando o parlamentar se mostrar ocupado diante dos seus requerimentos. Da mesma forma, os próprios funcionários do parlamento também podem ter interesses próprios e se converter em fontes.
6. Associe os congressistas a grupos de interesse
Além de pertencer a um partido político, os senadores, deputados ou congressistas que você vai acompanhar também costumam ser próximos de certos grupos de interesse, como setores empresariais, sindicatos, organizações da sociedade civil, grupos religiosos, etc. Identificar quais pessoas, de fato, são as porta-vozes desses grupos pode ser essencial para o seu trabalho e permitir que você se antecipe a muitas situações e consiga furos.
7. Faça uma projeção da sua cobertura com temas relevantes que você pode prever
Ainda que a agenda de um congresso seja repleta de surpresas e assuntos que você não pode prever, há fatos pontuais que costumam ocorrer anualmente e cuja cobertura pode-se prever. Estes temas podem variar em cada órgão legislativo, mas costumam girar em torno de prestações de contas do Poder Executivo, votações de propostas, visitas de ministros ou secretários, etc. Informe-se bem sobre quais são essas datas-chave e você poderá se antecipar a muitos dos debates que irão ocorrer.
8. Analise documentos oficiais e atas
Além do que dizem os congressistas nas sessões ou em declarações à imprensa, os documentos emitidos pelos órgãos legislativos são extremamente úteis para a sua cobertura. Neles pode haver desde atas de sessões até resoluções executivas das presidências dos organismos. Os projetos de lei e decretos também costumam contar com exposição de motivos e dados que podem enriquecer a sua cobertura. Se você se deparar com documentos muito extensos, pode recorrer à inteligência artificial para obter um resumo. Eu, particularmente, uso o NotebookLM, que é de uso gratuito, mas talvez você conheça outros melhores. Você também pode fazer buscas no Google com palavras específicas dentro do site do congresso objeto de sua cobertura.
9. Analise outros documentos que se referem ao congresso que você cobre
É possível que você obtenha informações adicionais sobre o congresso que você cobre ao buscar fontes alternativas ao órgão. Pode haver informações acadêmicas, de outros parlamentos ou organismos internacionais que façam referência ao seu objeto de cobertura. Faça buscas no Google por palavras-chave em sites específicos.
10. Transforme-se em um colaborador permanente para o resto da sua equipe
Se você pertence a um veículo com uma equipe ampla e jornalistas especializados, o órgão parlamentar que você cobre também pode ser uma boa oportunidade para os seus colegas de equipe. Nesses lugares, é comum que se trate de uma variedade de temas — saúde, economia, meio ambiente, segurança — que podem ser de interesse específico para os seus colegas, o que te dá a possibilidade de funcionar como um radar para avisá-los sobre o que está sendo discutido no local. Caso seja freelancer, você pode talvez trabalhar juntamente com outro jornalista independente mais especializado em algumas áreas para abordar algum assunto específico. Em resumo, sua cobertura também é uma grande oportunidade para trabalhar em equipe.
Um aspecto final para compartilhar: a presença no lugar dos fatos, seja em uma sessão ou nos corredores do órgão parlamentar, vai sempre pesar a seu favor e te permitir fazer imagens, vídeos, fotografias e contar melhor as suas histórias. Considere este fator, mas também lembre-se de ter tempo para se sentar e trabalhar com o material obtido.
Recentemente, participei de um seminário online do Fórum Pamela Howard de Crises Globais sobre este assunto. Você pode ver a gravação completa abaixo:
Imagem do Parlamento Europeu por Jonas Horsch via Pexels.