A recente tomada do Afeganistão pelo Talibã após a retirada das tropas dos Estados Unidos tem sido nociva para a população. As mulheres foram o grupo mais afetado, a quem foram negados muitos de seus direitos básicos.
Apesar de o Talibã ter assegurado o contrário, as mulheres estão proibidas de frequentar escolas e universidades e de trabalhar — a intenção é deixar metade da população do país nas sombras da sociedade.
O Talibã ameaçava profissionais de mídia antes mesmo de chegar ao poder. Nos meses desde que isso aconteceu, o grupo tem reprimido a imprensa, ameaçando muitos por seu trabalho, ordenando jornalistas que parem de trabalhar para veículos do Ocidente e que se abstenham de fazer reportagens críticas.
Mais de uma dúzia de veículos jornalísticos, estações de rádio e canais de TV, sites e revistas focadas em questões femininas estavam ativas no Afeganistão antes do Talibã retomar o poder, de acordo com o jornalista Hossein Ahmadi. Desde então, o Talibã forçou o fechamento de muitos deles. Um que ainda resta, no entanto, é o semanário Nimrokh Media, do qual Ahmadi é o editor-chefe.
Lançado na capital Cabul em agosto de 2017, o Nimrokh cobre violência contra a mulher e a necessidade de erradicá-la, igualdade de gênero, presença da mulher na sociedade e a importância de ensinar as mulheres sobre seus direitos. A edição impressa tem uma circulação de 2.000 exemplares semanais em sete províncias do Afeganistão e em Kabul, e o site atinge uma média de 2,6 milhões de visualizações por mês, de acordo com Ahmadi. O veículo também mantém uma presença ativa nas redes sociais, no Facebook, Twitter, Instagram e também em canais no YouTube e no Telegram.
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Após uma reunião em 15 de agosto, o Nimrokh fechou seu escritório em um momento no qual muitos outros veículos do país fizeram o mesmo — no período de uma semana, Cabul foi silenciada e atordoada.
Diante do temor crescente pelas vidas de seus empregados, preocupações financeiras e censura, o Nimrokh segue com o seu trabalho. O veículo está mais determinado do que nunca a continuar publicando após a retomada do Afeganistão pelo Talibã.
Eu falei recentemente com Ahmadi e Fatima Roshanian, fundadora e detentora da licença do Nimrokh, sobre o futuro incerto do veículo, o aumento do medo sob o qual os jornalistas trabalham hoje no Afeganistão e as circunstâncias especialmente desafiadoras que as mulheres enfrentam no país. Os dois falaram comigo apesar de sua posição de vulnerabilidade em uma situação turbulenta.
IJNet: Como as condições de trabalho de vocês mudaram desde que o Talibã assumiu o poder?
Fatima Roshanian: As mulheres não se sentem nada seguras. O Talibã retirou todos os direitos das mulheres e meninas; os direitos de estudar, trabalhar e de qualquer participação na sociedade.
No Nimrokh, as questões femininas são a nossa paixão; tentamos educar os homens sobre os direitos das mulheres e tornar as mulheres mais conscientes sobre aquilo a que têm direito: seus direitos humanos e civis. Nós temos ensinado às mulheres quais são seus direitos. A nossa editora chefe, Mariam Shahi, sempre lutou por isso.
Nós ensinamos meninas sobre menstruação, autocuidado, casamento e gravidez, dentre muitas outras questões. Os homens que pensam como o Talibã sempre quiseram nos limitar a falar, nas publicações femininas, de casa, serviços domésticos, cozinhar e cuidar de filhos. Nós queríamos mais e pensávamos diferente — nós fomos além disso. O Talibã quer manter a gente em um calabouço sombrio.
Hossein Ahmadi: Nosso problema atual não é só o fato de não podermos ir ao escritório e de que temos que ter cuidado extra se combinarmos de nos encontrar em um café. Nosso problema é que não podemos exercer nossa paixão sem ter medo. Na visão do Talibã, apenas a cozinha é um lugar apropriado para a mulher estar e trabalhar. Isso é o que ameaça a nossa sociedade, a todos nós. Todos nós aqui no Nimrokh estamos enfrentando ameaças ativas de segurança.
O fato é que 70% dos veículos do país foram encerrados depois que o Talibã assumiu o poder, o que significa que muitos jornalistas estão encarando o mesmo que nós ou pior.
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Até que ponto os problemas das mulheres no Afeganistão são culturais em vez de políticos?
Roshanian: Apesar de o Talibã não estar no poder até poucos meses atrás, muitos homens afegãos têm as mesmas crenças do Talibã e não conseguem tolerar mulheres estudadas ou no mercado de trabalho. Muitos pais reprimiram suas filhas e concordam com a ideia do Talibã sobre a condição da mulher.
O quanto do que o mundo viu do Afeganistão — com participação ativa das mulheres nas questões do país — era verdade?
Roshanian: O que o mundo viu ao longo das duas últimas décadas — o que foi mostrado para o mundo, na verdade — foi de certa forma diferente da realidade. Esses 20 anos ofereceram uma oportunidade para meninas como eu estudarem, viajar e trabalhar e não serem forçadas a se casarem. No entanto, nem todas as meninas tiveram essa possibilidade. Embora o governo não tenha criado obstáculos para as mulheres, uma grande parte do destino das meninas afegãs foi decidido por seus pais nas últimas duas décadas.
Muito do que foi exibido nos últimos 20 anos, porém, foi feito para receber subvenções e ajuda financeira, e para atingir objetivos financeiros. Muitas partes da realidade do Afeganistão não atraíram a atenção da mídia global.
Qual futuro vocês enxergam para as mulheres sob o regime do Talibã?
Ahmadi: Um futuro sombrio. O Talibã não quer nada além de regredir e reprimir. O Talibã dita a Sharia [lei], usando-a para o seu próprio benefício e para dominar. As mulheres afegãs têm sido ativas em diferentes áreas e em muitos projetos de paz importantes no país. Forçá-las a ficar em casa significa uma tragédia para metade da população do país.
Como vocês lidam com as dificuldades financeiras do Nimrokh?
Ahmadi: Desde o início, conseguimos financiar o veículo com anúncios e programas de membros. Em janeiro passado, porém, a publicidade e os pagamentos de membros pararam em meio à piora das condições da sociedade, nos deixando de mãos vazias. De janeiro de 2020 até março de 2021, a Open Society Foundation ajudou a cobrir nossas despesas e a pagar nossas dívidas. Também conseguimos contratar 12 pessoas com o dinheiro.
Roshanian: Algumas mulheres ativistas de direitos começaram uma campanha para arrecadar fundos para nós com o objetivo de juntar US$ 15.000 para cobrir nossas despesas, pagamentos atrasados e nossas dívidas de março até agora. Porém, a campanha não deu certo até o momento. Estamos agora em um impasse financeiro total.
Fotos cedidas por Mehrnaz Samimi.