Viés de gênero nas reportagens de imigração e dicas para superá-lo

Feb 4, 2020 em Diversidade e Inclusão
Manifestação de apoio a imigrantes

As mulheres representam quase metade da população de imigrantes em todo o mundo, mas quando se trata de cobertura da mídia, muitas vezes suas vozes estão ausentes. Uma análise do Fuller Project for International Reporting lança luz sobre essa lacuna de gênero e sobre que tipos de histórias contamos e não contamos sobre a imigração em geral.

O Projeto Fuller examinou 100 matérias sobre imigração de vários meios de comunicação e revelou uma cobertura focada quase exclusivamente em segurança nacional, conflito e crise. Questões que afetam especificamente as mulheres estavam extremamente ausentes. A amostra foi feita aleatoriamente a partir da newsletter Migratory Notes, que compila artigos sobre migração.

"As descobertas ajudaram a identificar histórias pouco reportadas que eram importantes para a conversa nacional sobre imigração", disse a cofundadora e diretora executiva do Projeto Fuller, Xanthe Scharff. O Projeto Fuller se concentra a nível global e nos Estados Unidos sobre questões que impactam as mulheres.

"A ausência das vozes das mulheres foi impressionante", disse Rikha Sharma Rani, repórter que liderou uma série de reportagens sobre imigração e mulheres para o Projeto Fuller durante o ano na esperança de preencher a lacuna identificada pelo estudo.

[Leia mais: 5 dicas para reportar sobre migração na África e no mundo

 

Os resultados da análise de conteúdo pintaram uma imagem sombria de como as reportagens de imigração deixam de fora as mulheres.

Entre os resultados: 

  • Apenas duas das 100 matérias se concentraram em questões que afetam diretamente as mulheres, como saúde reprodutiva e violência doméstica.
  • As mulheres foram citadas metade das vezes que os homens nas 100 matérias.
  • Apenas um artigo focou nas realizações das mulheres imigrantes e suas contribuições para a sociedade. 

Não apenas a cobertura falha em reconhecer que as mulheres enfrentam desafios únicos à medida que migram, mas também fazem contribuições significativas uma vez estabelecidas. Um relatório do Conselho Nacional das Mulheres de Negócios observou que 40% dos empreendedores imigrantes na América são mulheres e 13% de todas as empresas pertencentes a mulheres são administradas por mulheres nascidas fora dos Estados Unidos.

De acordo com um relatório da New American Economy, as mulheres imigrantes desempenham papéis críticos como cuidadoras e prestadoras de serviços em todo o país. Como empreededoras e trabalhadoreas de STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), ajudam a estimular o crescimento econômico e a inovação. Sem reconhecer conscientemente o papel econômico das mulheres e deixar suas vozes fora de cobertura, essas histórias passam despercebidas.

Além do foco das histórias, a equipe do Projeto Fuller também identificou preconceito de gênero nas fontes citadas nas matérias. Autoridades do governo e policiais que lidam com imigração tiveram três vezes mais chances de serem citadas do que mulheres oficiais de imigração nas matérias examinadas no estudo.

Embora os trabalhadores de imigração do governo tendam a ser desproporcionalmente masculinos — só 5% dos agentes de alfândega e patrulha da fronteira são mulheres —, existem mulheres especialistas em uma variedade de campos capazes de comentar sobre as histórias. No entanto, as vozes masculinas predominaram na cobertura.

O Projeto Fuller concluiu que jornalistas precisam fazer um esforço conjunto para incluir as vozes de mulheres e meninas na cobertura da imigração pela mídia.

[Leia mais: Além da fronteira: Uma conversa com Maya Srikrishnan]

 

Em um artigo em coautoria publicado pelo Columbia Journalism Review (CJR), Rani abordou perguntas sobre o viés de gênero nas reportagens de imigração: “O fracasso em contar uma série mais representativa de histórias sobre a experiência do imigrante ajuda a impulsionar uma narrativa amplamente depreciativa e imprecisa dos imigrantes. Essas narrativas influenciam quais políticas são adotadas pelo público e endossadas por seus representantes no governo.”

O primeiro passo para uma cobertura mais justa é a conscientização de que as mulheres estão sub-representadas, como fez o Projeto Fuller. Então, repórteres devem ir além para encontrar suas vozes perdidas.

Rani ofereceu as seguintes dicas para a construção da narrativa imigrante, visando dar uma cobertura mais justa às mulheres:

  • Ampliar a lente. Veja como a imigração afeta todos os aspectos da sociedade, da economia à educação e à política. Tenha uma visão mais ampla do impacto gerado por imigrantes homens e mulheres. No CJR, Rani escreveu: “Como nosso debate sobre imigração poderia ser diferente se mais histórias mostrassem imigrantes construindo negócios florescentes, trabalhando no serviço público e contribuindo de inúmeras maneiras para a melhoria das comunidades?”

  • Ir além da fronteira. Depois que as pessoas entram em um novo país, há uma tendência dos repórteres largarem a história. No entanto, para os imigrantes, este é o começo dos seus sonhos para o futuro. O que acontece quando eles começam uma nova vida? Onde eles moram, quais empregos eles conseguem e quais são alguns dos maiores desafios que enfrentam? Faça essas perguntas em geral e, em seguida, observe mais de perto como as mulheres imigrantes estão se estabelecendo. 

  • Explorar as causas da imigração. Rani chamou as razões pelas quais as pessoas deixam seus países de origem como "uma parte pouquíssimo explorada da conversa sobre imigrantes". Investigue por que as pessoas estão deixando seus países de origem e explore possíveis políticas ou mudanças que estão trabalhando para solucionar essas causas. 

  • Investigar a violência. As mulheres são em grande parte afetadas pela violência doméstica, que foi aceita nos EUA como motivo para pedir asilo até 2018, quando a decisão de 2014 foi revertida. Para entender melhor, Rani sugeriu comparar e contrastar países em uma única região para ver como lidam com a violência dentro de suas fronteiras. Quais países foram os mais bem-sucedidos em combater a violência doméstica ou os ataques de quadrilhas criminosas? Quais políticas existem que funcionam? Essas mesmas estratégias seriam eficazes em outros lugares?

  • Olhar além da crise e do fracasso. O papel fiscalizador do jornalismo em expor irregularidades e chamar a atenção para os problemas continua sendo importante: "Mas se isso é tudo o que você está denunciando, está criando uma imagem muito enganadora dos imigrantes", disse Rani. “Existem muitas histórias de interesse humano inexploradas por aí. O desafio é garantir que as vozes das mulheres e seus problemas sejam incluídos na conversa geral."

Não sabe por onde começar? Abaixo está um link para uma matéria que apresenta fortes vozes femininas. Foi produzida como parte de uma parceria entre o Projeto Fuller e a ELLE UK.

'Men Kill Women Because They Can': Inside El Salvador's Devastating Femicide Crisis, ELLE UK


Imagem sob licença CC Unsplash via Nitish Meena