Como jornalistas podem decodificar o dialeto do algoritmo nas redes sociais

Oct 10, 2024 em Engajamento da comunidade
Several logos of social media companies, including X, TikTok, Youtube, Instagram and Snapchat

S3xo. M*rte. @bu$0. Se você tem mais de 25 anos, entrar no TikTok pode ser como dar um mergulho chocante em um mundo onde você não é mais uma pessoa descolada e os jovens estão falando uma língua que você não entende. Embora seja tentador desprezar essas esquisitices linguísticas como se fossem simplesmente mais uma tendência passageira, há muita mais em jogo por trás das aparências. 

Além de uma plataforma de "dancinhas" e gírias adolescentes, o TikTok é uma área de testes para uma nova forma de comunicação conhecida como "algospeak", uma espécie de "dialeto do algoritmo". Essa linguagem codificada, nascida da necessidade de contornar a moderação imprevisível das plataformas, está reformulando a maneira como ocorre a troca e compreensão de informações online.

Para jornalistas, estar em dia com essa linguagem em evolução não é meramente uma questão de acompanhar o sinal dos tempos; é essencial para informar com precisão na era digital.

O que é algospeak?

Algospeak refere-se ao léxico crescente de grafias alternativas, símbolos e eufemismos usados por criadores de conteúdo para burlar a censura do algoritmo em plataformas como TikTok e Instagram. O termo em si é uma mistura de "algoritmo" e "falar" ("speak"), destacando sua origem como uma forma de linguagem codificada criada para driblar sistemas automatizados de moderação. Com as empresas de redes sociais implementando ferramentas de moderação cada vez mais sofisticadas, os usuários – principalmente aqueles que discutem assuntos polêmicos ou sensíveis – são forçados a desenvolver alternativas criativas para evitar que seu conteúdo recebe advertências, seja restringido ou removido. 

A educadora sexual Evie Plumb, fundadora do Cliterally The Best, conhece muito bem essas ferramentas. Em julho, ela perdeu sua conta no TikTok depois de receber repetidamente advertências do sistema de moderação da plataforma. O trabalho dela foca em educação e saúde sexual, um tema que, embora não seja explicitamente proibido, muitas vezes aciona processos de moderação do TikTok.

"Eu tive inúmeros vídeos com advertências ou removidos", diz Plumb. "Eu falei sobre assuntos completamente inocentes – coisas que são essenciais para a saúde e o bem-estar das pessoas  – e eles foram advertidos." Como forma de reação, ela se adaptou passando a usar o dialeto do algoritmo. "Eu comecei a dizer coisas como 'seggs' em vez de 'sexo' ou a censurar partes do corpo como vulva ou vagina."

A experiência de Plumb está longe de ser única. A ascensão do algospeak transformou plataformas como o TikTok e o Instagram em arenas onde criadores de conteúdo se esforçam para enganar o algoritmo que não entende contexto e não tem nuances para distinguir entre conteúdo prejudicial, educativo ou jornalístico.

A evolução do algospeak

O surgimento do algospeak reflete a tensão crescente entre criadores de conteúdo e os algoritmos das plataformas. O Dr. Daniel Klug, coautor de um dos primeiros estudos sobre o fenômeno, explica que essa linguagem codificada está em constante evolução.

"A plataforma aprende", diz Klug. "Se você digitar 'p31t0s' no lugar de 'peitos', não vai demorar até o TikTok entender, então as pessoas passam a usar novos códigos, imagens ou mesmo gestos para comunicar a mesma coisa."

Para muitos grupos, principalmente os marginalizados, o algospeak se tornou uma ferramenta vital para sobreviver em um espaço digital onde suas vozes são frequentemente suprimidas. "Os algoritmos não são muito diferentes da sociedade em geral. Grupos marginalizados na maioria das vezes são suprimidos, colocados de lado ou considerados menos importantes", diz Klug.

Assim como criadores de conteúdo driblam o algoritmo, a plataforma se adapta. Conforme aponta Plumb, "estou começando a me questionar se vai chegar em um ponto em que não vou conseguir sequer usar palavras censuradas. Está ficando cada vez mais difícil. Em breve, vou ter que me comunicar de um jeito que vai parecer uma charada para qualquer pessoa que estiver lendo."

Plumb diz que censurar a linguagem pode tornar o conteúdo menos acessível, principalmente para pessoas com dificuldade de aprendizado ou pessoas neurodivergentes, o que cria barreiras para o entendimento e o engajamento.

Por que jornalistas devem ter atenção

O algospeak não é apenas um fenômeno esquisito da internet – é uma pista essencial para entender como informações sensíveis são compartilhadas online. Com o aperto das políticas de moderação, jornalistas precisam se tornar adeptos da decodificação do léxico mutante ou correm o risco de subestimar pautas importantes.

Erika Marzano, gerente de desenvolvimento de audiência na Deutsche Welle (DW), destaca este ponto. "Nós aprendemos que se quisermos que nosso conteúdo sobreviva no TikTok, nós temos que nos adaptar", diz.

Veículo jornalístico que opera em 32 idiomas, a DW frequentemente trata de assuntos sensíveis – terrorismo, drogas, questões LGBTQ+ – que nem sempre se dão bem com os filtros de moderação do TikTok. "Às vezes, publicamos um vídeo sobre políticas de drogas ou extremismo e ele é sinalizado quase imediatamente", diz Marzano.

Para contornar a censura algorítmica ao mesmo tempo em que preserva a clareza, e para manter as matérias acessíveis, a equipe de Marzano adotou o uso do algospeak, usando principalmente símbolos, números e asteriscos. Ela explica: "nós evitamos eufemismos ou palavras alternativas porque elas podem ser muito específicas em um idioma, grupo ou cultura. Por exemplo, alguns grupos no TikTok usam 'morno' no lugar de 'pornô' ou 'contabilista' em vez de 'profissional do sexo'". Essa abordagem ajuda a evitar mal-entendidos que podem surgir com o uso de eufemismos ambíguos.

O desafio das redações não é simplesmente evitar a remoção de conteúdos; é garantir que a audiência ainda possa ter acesso a matérias importantes. "Nós não nos autocensuramos", esclarece Marzano, "mas estamos encontrando formas de comunicar dentro das limitações da plataforma."

Isso é o que está em jogo para os jornalistas que cobrem cultura digital. Fazer a cobertura de questões como educação sexual, política de drogas ou ativismo sem entender como esses debates estão sendo moldados pelas regras das plataformas traz o risco não só de deixar passar algumas pautas, mas também de deturpá-las. Se um grupo mudou sua linguagem para escapar da moderação, repórteres precisam acompanhar essa mudança para capturar com precisão a narrativa.

Os limites da moderação algorítmica 

A rápida evolução do algospeak expõe a fraqueza central da moderação algorítmica: sua incapacidade de entender contexto. "O problema é que os algoritmos não entendem contexto. Eles não conseguem saber se estou sendo sarcástico ou não", diz Klug. "O algoritmo vê uma palavra e a classifica como "má" e suprime o conteúdo, mesmo que a palavra esteja senda usado de uma forma educativa ou que não oferece ameaças."

Essa limitação é especialmente problemática para conteúdos que tratam de assuntos sensíveis ou polêmicos. Por exemplo, a DW descobriu que sua cobertura de eventos históricos como a era nazista na Alemanha ou terrorismo muitas vazes aciona advertências automatizadas. "Nós não estamos promovendo essas ideologias, mas o algoritmo não faz essa diferenciação", diz Marzano. "Ele vê uma imagem ou palavra específica e remove o conteúdo."

Algospeak e o futuro do jornalismo

As plataformas de redes sociais evoluem assim como o jornalismo. O algospeak, com seus códigos mutantes e eufemismos, destaca uma realidade urgente: comunicar-se no ambiente digital com eficácia requer mais do que entender a linguagem atual. É preciso que a disseminação do conteúdo e os modelos de negócios sejam adaptáveis.

Marzano ressalta a importância de não depender somente de uma plataforma. "A razão pela qual dizemos que não estamos nos autocensurando é porque os assuntos que cobrimos no TikTok, nós também cobrimos em outros lugares. Nós temos nosso site, nossa plataforma de streaming, nosso podcast e nossa newsletter."

A necessidade de adaptação também pode impactar estratégias de monetização. Enquanto as plataformas implementam novos algoritmos e novas políticas, os fluxos de receita ligados a essas plataformas podem ser imprevisíveis. Ao adotar uma estratégia multicanal que inclui podcasts, newsletters e streaming em vídeo, veículos jornalísticos podem administrar melhor os riscos financeiros e capitalizar múltiplas oportunidades de receita.

Com a evolução dos algoritmos e das políticas das plataformas, jornalistas devem permanecer ágeis, tirando proveito da diversidade das plataformas e adaptando estratégias para garantir que seu conteúdo chegue ao público-alvo. Entender e saber lidar com o algospeak não é apenas uma questão de acompanhar tendências digitais: é essencial para manter a integridade jornalística e assegurar que pautas importantes vão ter uma cobertura precisa e estarão amplamente acessíveis.  

Ao adotar uma abordagem diversificada e estando alertas às nuances da comunicação digital, veículos jornalísticos podem aprimorar sua resiliência e estabilidade financeira em um cenário digital cada vez mais complexo.


Foto por Igor Omilaev via Unsplash.