Em outubro de 2020, Pelumi Onifade cobria o saqueamento de itens de ajuda humanitária de um depósito em Lagos, na Nigéria, quando ele levou um tiro nas costas disparado supostamente por um policial. Sem poder se mover, Onifade, 20 anos, foi levado pela polícia em um veículo. Uma semana depois, o corpo dele foi encontrado em um necrotério após sua família e empresa o declararem desaparecido.
O caso de Onifade não é isolado. Ataques contra jornalistas na Nigéria e em outras partes da África estão aumentando. Profissionais de mídia são cada vez mais presos, assediados e mortos em trabalho. A pandemia de COVID-19 exacerbou a situação, com os governos tentando reprimir reportagens críticas. De acordo com o Comitê de Proteção a Jornalistas, "a pandemia de COVID-19 e a 'infodemia' associada a ela pioraram muitos dos desafios, e reforçaram tanto a repressão por parte de governos que não são afeitos a um jornalismo crítico quanto a importância do jornalismo independente e baseado em fatos".
Os autores desses ataques são raramente processados ou responsabilizados. Isso deixa famílias de vítimas em busca de justiça dentro de um sistema que frequentemente incentiva os crimes.
Mas isso pode estar mudando. No ano passado, a União Africana, em parceria com a UNESCO e outras organizações de liberdade de imprensa e veículos jornalísticos, lançaram uma plataforma digital para monitorar ataques contra jornalistas, ajudar a protegê-los e responsabilizar os criminosos.
A Plataforma para Proteção do Jornalismo e Segurança dos Jornalistas na África tem quatro objetivos principais: promover parcerias, prevenir, proteger jornalistas e processar os autores de crimes contra jornalistas no continente. Os responsáveis pela iniciativa dizem que isso será alcançado por meio de monitoramento em tempo real, relatórios e ações de acompanhamento por parte tanto dos indivíduos com direitos quanto dos indivíduos que têm deveres".
"Nossa caminhada em direção à conquista dos propósitos da Agenda 2063, da África que queremos, requer que a gente cultive e proteja uma mídia livre e independente", disse o presidente da África do Sul e presidente da União Africana Cyril Ramaphosa durante o lançamento, se referindo ao plano estratégico da África de "transformar" o continente para o futuro. "[A iniciativa] requer que defendamos vigorosamente o direito dos jornalistas fazerem seu trabalho, de escreverem, publicarem e transmitirem o que desejam, mesmo que nós discordemos de algo ou de tudo."
Observando o importante papel desempenhado pela mídia na África, Ramaphosa acrescentou que a plataforma vai ajudar a "melhorar a conscientização sobre a importância da liberdade de imprensa e segurança de jornalistas''.
"Uma plataforma que facilita a documentação adequada de ataques contra jornalistas e que serve como um meio de troca de informação sobre a segurança de jornalistas é muito importante para o avanço da liberdade de imprensa no continente", diz Lanre Arogundade, diretor executivo do Conselho Internacional de Imprensa, organização com sede na Nigéria que luta pela proteção dos jornalistas na África há mais de uma década.
Arogundade acrescenta que a plataforma vai facilitar o networking entre jornalistas e pressionar a implementação rápida de ações de solidariedade, incluindo campanhas e defesa de jornalistas quando sofrerem ataques.
A plataforma vai ajudar a construir uma base de dados abrangente de jornalistas do continente, incluindo suas identidades e os veículos aos quais são associados, explica o ativista de direitos humanos Chido Onumah.
"Se algo acontecer, como um jornalista se ausentar e não se apresentar no trabalho, vai ser fácil fazer a referência e monitorar”, diz. Onumah é também o coordenador do Centro Africano para a Mídia e Letramento de Informação.
Embora a plataforma deva melhorar as condições para os jornalistas, Arogundade reforça que é preciso fazer melhorias estruturais também. "Pode ser difícil acabar completamente com esses ataques contra jornalistas, mas os casos vão ser reduzidos significativamente se os infratores forem levados à Justiça, e as estruturas que protegem jornalistas precisam ser fortalecidas", disse.
Onumah acrescenta que a União Africana deve aprovar legislação de apoio que torne a plataforma eficaz. "Temos que assegurar que há leis adequadas para punir criminosos e responsabilizar as pessoas. Se a lei que protege jornalistas for violada, os indivíduos envolvidos não podem sair impunes."
Foto por Nothing Ahead no Pexels.