Governos autoritários intensificam ataques contra imprensa durante pandemia

por Alejandra Watts
Oct 22, 2020 em Reportagem sobre COVID-19
Cadeados

Sete meses após a pandemia ser declarada, o novo coronavírus continua sendo um desafio para o jornalismo mundial, não só pelo combate à desinformação que causou, mas também pela complexidade de acesso a dados, números e histórias em muitos lugares.

Sob acusações de publicar “informações falsas ou sensíveis”, repórteres são ameaçados, processados ​​e até detidos enquanto investigavam e divulgavam casos de COVID-19 em vários países da América Latina e também no resto do mundo.

O Sindicato Nacional de Jornalistas das Filipinas expressou em março sua preocupação com a lei especial promulgada pelo governo Rodrigo Duterte durante o Estado de Emergência, pois "criminaliza a liberdade de expressão".

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O mesmo aconteceu em Cuba onde, alegando violação do Decreto-Lei 370, regulador da liberdade de expressão, a jornalista Mónica Baró teve que pagar multa de quase US$120 e foi interrogada em Havana por algumas publicações feitas em redes sociais. "Eu estava lá porque era jornalista. O interrogatório foi planejado para deixar as pessoas com medo", disse ela à agência de notícias espanhola EFE.

Lutando contra a incerteza

Na opinião de Andrés Cañizalez, jornalista venezuelano, professor e ativista da liberdade de expressão, "essas arbitrariedades não estão relacionadas com a COVID-19, mas sim com os sistemas autoritários, populistas e restritivos já existentes nesses países", pois têm um visão limitadora do papel e do trabalho da imprensa.

Apesar da crise geral que atravessa o jornalismo (principalmente a imprensa escrita), fruto de perseguições, assédio, falta de recursos e busca de um modelo de negócio sustentável, o novo coronavírus tem impactado o jornalismo, porque está potencializando substancialmente as notícias falsas, enfatizou Cañizalez.

“É um momento em que boa parte da energia do jornalismo não só tem que ser orientada para a investigação sobre o que o poder quer esconder ou para refletir o que a fonte diz, mas é também um momento para a imprensa priorizar o combate das informações falsas”, disse o ativista.

A necessidade de apoiar quem informa

Organizações não governamentais, como a Anistia Internacional e defensores dos direitos humanos, pediram aos governos que não interferissem no trabalho dos jornalistas, pois limitar o acesso à informação representa um risco para a sociedade, ainda mais em meio à pandemia.

"Alguns Estados usaram o surto de coronavírus como pretexto para restringir as informações e abafar as críticas. Este não é o momento de culpar o mensageiro", disse em abril a ex-presidente chilena e atual alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet. 

As informações públicas devem ser protegidas

“Esconder informação torna o cidadão sem consciência e aí seremos mais afetados, além disso a questão econômica tem um papel importante, pois também cobre dados sobre o dinheiro usado para administrar a crise de saúde”, explica Narcisa Medranda, pesquisadora especializada em transparência e informação pública e diretora da faculdade de comunicação da Universidade Politécnica Salesiana de Quito.

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Medranda afirmou que em quase todos os países latino-americanos existem leis de transparência e de direito à informação pública que “são muito boas em termos de estrutura e finalidade, mas no que diz respeito ao cumprimento estamos muito atrasados”.

A pesquisadora garantiu que é fundamental que jornalistas e trabalhadoras da imprensa conheçam seus direitos e não se esqueçam de seu papel: “estar ao lado da cidadania”. Convidou também a ver o jornalismo como uma disciplina para onde convergem as questões jurídicas, estatísticas e tecnológicas, por isso é necessário formar-se e mesmo especializar-se nestas áreas.


Imagem com licença Creative Commons no Unsplash via John Salvino