Um podcast brasileiro sobre autismo e neurodiversidade

Aug 24, 2022 em Diversidade e Inclusão
Voice recorder in front of microphone

Pessoas com autismo são amplamente subrepresentadas no ecossistema global de mídia. Um veículo brasileiro comandado por pessoas com diagnóstico do transtorno do espectro autista está tentando mudar isso.

Criado em maio de 2018, o Introvertendo produz podcasts e outros conteúdos digitais sobre autismo e sua relação com questões contemporâneas.

De acordo com o Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, o autismo é um transtorno neurológico e de desenvolvimento que afeta a comunicação e a interação social. É entendido como um espectro porque os sintomas variam bastante de pessoa para pessoa.

"Tudo começou com uma terapia em grupo de pessoas com autismo na Universidade Federal de Goiás", diz Tiago Abreu, formado em jornalismo e cocriador do Introvertendo. "Todas as terças a gente se encontrava e eu comecei a perceber que as conversas que tínhamos eram atípicas e muito interessantes - então eu propus que a gente fizesse um podcast."

Abreu, 26, foi diagnosticado com autismo em 2015, e atualmente é um dos apresentadores do podcast Introvertendo. Conversamos sobre esse veículo único, incluindo os desafios e oportunidades para se criar uma mídia mais inclusiva e neurodiversa. A entrevista a seguir foi resumida e editada para maior clareza.

Quais tópicos são abordados e quem normalmente participa do podcast Introvertendo

O Introvertendo foca na discussão de características do espectro autista e na relação disso com a cultura e a sociedade. Por exemplo, já fizemos episódios sobre hiperfoco, a percepção social dos interesses restritos das pessoas com autismo, a relação entre autismo e mudança climática, etc. 

Quando os assuntos demandam conhecimento especializado, normalmente convidamos uma pessoa do espectro e um profissional. De todos os convidados do podcast, pelo menos 80% eram pessoas do espectro.

Qual episódio gerou mais engajamento da audiência? E qual é o seu favorito?

O episódio mais comentado de todos foi "Autismo na infância sem diagnóstico". Nele, nós discutimos principalmente o impacto de não se ter um diagnóstico de autismo cedo. De modo geral, episódios ligados a diagnóstico geram muito interesse.

Porém, neste ano, o episódio mais falado foi o episódio 206: "Idosos autistas". O autismo em idosos não é um assunto muito discutido, inclusive nós passamos meses procurando entrevistados em potencial. Então, ele gerou muito interesse.

O episódio que eu apresentei e que foi mais significativo pra mim foi sobre "Saudade (ou não sentir saudade)" de algo ou de alguém. Foi uma discussão de como é não sentir falta de ter tido experiências de vida significativas, como o primeiro beijo, já que pessoas do espectro autista geralmente não têm a oportunidade de viver essas experiências.

Na sua opinião, o quanto a mídia brasileira está próxima de ser inclusiva para a comunidade autista?

Quando os jornalistas cobrem autismo e não têm muito contato com o tópico, eles normalmente buscam fontes como uma associação ou médico, e acabam excluindo as pessoas diagnosticadas. Mas acho que isso reflete a forma como a comunidade autista foi construída no Brasil. 

Por muitos anos, as associações autistas foram formadas exclusivamente por mães e uns poucos pais. Só nos últimos três anos aproximadamente é que passou-se a ter pessoas com autismo participando da direção de associações junto com os familiares. Eu também percebi neste ano que houve mais discussão sobre autismo na vida adulta em grandes jornais. Isso reflete uma transformação lenta, porém gradual.

No entanto, alguns estereótipos ainda são retratados em matérias. Imagens como a de uma criança branca e um quebra-cabeça são usadas com frequência - o que reflete noções preconcebidas sobre o autismo na sociedade.

A internet e as tecnologias digitais contribuem significativamente para tornar a mídia mais inclusiva para pessoas com necessidades especiais?

Com certeza! Antes, ter um programa de rádio, por exemplo, exigia que os profissionais viajassem, tivessem contatos e interagissem com muitas pessoas - o que é difícil para pessoas com autismo. Mas agora, com os podcasts, você pode gravar na sua casa, usando seu computador e distribuir para o mundo. Então, do ponto de vista da produção, é uma grande mudança.

Hoje há brasileiros com autismo que têm mais de 100.000 inscritos no YouTube, o que é uma visibilidade muito significativa - é inclusive maior que alguns canais em inglês que têm um longo histórico de discussão do autismo. 

O Introvertendo usa ferramentas de acessibilidade para uma audiência específica, mas ele beneficia todo mundo. Por exemplo, usamos texto alternativo no Instagram, temos o plugin Hand Talk e oferecemos transcrição dos episódios para quem é surdo, tem déficit de atenção ou hipersensibilidade a sons. Também temos uma descrição em áudio de cada membro do Introvertendo, que foi sugerida por um dos nossos ouvintes, que é cego.

Recentemente você publicou o livro O que é neurodiversidade?, o primeiro livro que explica neurodiversidade em português escrito por uma pessoa neurodiversa. Qual a história por trás do livro?

Muito tempo atrás, eu percebi uma falta de referências sobre neurodiversidade em português. Tinha alguns artigos acadêmicos, mas nada realmente acessível.

A neurodiversidade é um conceito que surgiu no fim dos anos 1990 com uma socióloga australiana chamada Judy Singer. Ela argumentava que a neurodiversidade é uma biodiversidade neurobiológica da população humana. É um conceito que busca respeitar e valorizar as diferentes formas de funcionamento e pensamento humano. 

Meu livro é um híbrido entre a academia e o jornalismo. Nele eu apresento: o que é neurodiversidade, um debate histórico, os impactos e críticas.

Eu faço parte de uma geração de "autistas ativistas" no Brasil - a primeira da história - e esse livro é uma consequência disso.

Qual conselho você daria para pessoas com autismo ou outras necessidades especiais que querem trabalhar com jornalismo?

Eu diria para elas se libertarem dos estereótipos da profissão. Muitas pessoas acham que para ser um jornalista você precisa ser ótimo na frente das câmeras, ter um determinado tipo de voz, etc.

Na verdade, duas características precisam ser levadas em conta: primeiro, ser um bom ouvinte; segundo, ser capaz de realizar uma leitura crítica e sólida do mundo.


Foto por Kenny Eliason via Unsplash.