As vozes das crianças são amplamente ausentes na mídia. Raramente elas são fontes, e como resultado sua individualidade e humanidade se perdem. Em vez disso, os veículos frequentemente retratam crianças de forma negativa ou estereotipada, por exemplo como adolescentes que se comportam de forma irresponsável, crianças afundadas na pobreza e vítimas de guerras e desastres.
Reconhecendo a necessidade de orientar jornalistas na cobertura da infância, a UNICEF e o Instituto de Jornalismo do Malawi (MIJ na sigla em inglês) lançaram um guia de Cobertura de Direitos da Criança (CRR na sigla em inglês).
"A questão mais ampla dos direitos da criança, como o direito de brincar, direito à recreação e esporte, frequentemente não são consideradas merecedores da cobertura jornalística. O resultado é uma impressão desequilibrada de crianças como vítimas ou desordeiras", diz o guia. "Essas orientações foram desenvolvidas como uma resposta aos tristes fatos sobre como a mídia cobre questões relacionadas às crianças, como forma de protegê-las e acentuar suas vozes na tomada de decisão."
Desenvolvido com a consultoria de uma equipe de jornalistas, acadêmicos, crianças e especialistas em direitos humanos, as orientações oferecem conselhos sobre como cobrir temas da infância sem violar os direitos das crianças. O guia também fornece princípios gerais para cobrir comunidades mais jovens e o que ter em mente ao entrevistar uma criança que tenha sido vítima ou testemunha de violência, dentre outras dicas.
Preenchendo uma lacuna de conhecimento
Antes do lançamento das diretrizes do CRR, a UNICEF e o MIJ fizeram um curso com repórteres sobre o conteúdo que seria incluído no material. O treinamento revelou uma lacuna fundamental no conhecimento dos jornalistas sobre os direitos das crianças.
"Nós percebemos que falta um parâmetro ou padrão que eles possam usar como referência ao fazer reportagens sobre crianças", diz Mercy Manja, diretora-executiva do MIJ. "Nós acreditamos que essas diretrizes vão funcionar como um padrão ético mínimo para a cobertura dos direitos das crianças."
O repórter Feston Malekezo diz que um material como o CRR é há muito necessário. "Nós já precisávamos de orientações antes porque pautas que lidam com crianças são delicadas. Este documento é uma ferramenta que vai orientar e ajudar a modelar nossa mídia impressa, eletrônica e online ao trabalhar com matérias sobre crianças."
As diretrizes oferecem conselhos sobre como receber consentimento de forma ética para entrevistar crianças e também facilitar o processo.
"Crianças são tão protegidas que em muitas pautas sobre elas os pais ou responsáveis são usados como fontes. Histórias permaneceram ocultas ou foram atenuadas principalmente quando são sobre abuso infantil cometido por parentes próximos", diz Malekezo.
Monitoramento e capacitação
O Conselho de Mídia do Malawi (MCM na sigla em inglês) é uma das muitas organizações que começou a monitorar a cobertura da mídia no país sobre questões da infância para analisar se ela está em conformidade com as diretrizes do CRR.
"Embora tenha havido progresso significativo na cobertura ética de questões da infância, a maior parte das matérias existe somente no contexto da notícia e elas estão limitadas principalmente a informações breves", diz Moses Kaufa, diretor-executivo do MCM. "Falta uma análise profunda sobre questões que são de particular importância para melhorar a situação das crianças."
Em parceria com o MIJ, o MCM planeja treinar 80 jornalistas nos próximos meses sobre cobertura de direitos das crianças usando as orientações do CRR. O treinamento vai analisar tendências e progressos na cobertura de questões da infância, além de realizar debates sobre temas importantes que emergem nesse tipo de cobertura. Também vai ajudar os jornalistas a conduzir melhor reportagens sobre assunto, e identificar informações falsas sobre questões relacionadas.
"Estou feliz que as diretrizes tenham sido finalmente lançadas", diz Rudolf Schwenik, representante da UNICEF no Malawi, na ocasião da divulgação do CRR. "Os jornalistas têm que destacar questões que afetam as crianças de forma muito responsável e assegurar que as crianças tenham voz."
Até o momento, mais de 200 profissionais e estudantes de jornalismo já receberam capacitação na cobertura ética de direitos da infância, e mais de 100 cópias do CRR foram distribuídas para veículos e jornalistas no Malawi.
A expectativa é que jornalistas em atividade, veículos e instrutores de mídia incorporem o material às suas políticas editoriais e currículos acadêmicos, diz Murray Siyasiya, coordenador de projetos do UNICEF/MIJ. "Dessa forma, será garantida a melhoria máxima da cobertura dos direitos da infância no Malawi."
Foto por Guduru Ajay bhargav via Pexels.