Imagine caminhar em um campo de refugiados lotado na Síria, o som das conversas e a visão de barracas improvisadas ao seu redor; ou um protesto histórico, em que dá para sentir a energia e a tensão no ar. Graças à realidade virtual (RV), experiências imersivas como essas estão se tornando possíveis.
A RV – ambiente interativo e imersivo gerado por computador – promete aos espectadores a oportunidade de vivenciar as notícias de um modo profundamente envolvente, ao colocá-los no cenário de acontecimentos que vão desde eventos políticos a narrativas culturais e questões ambientais.
Veículos jornalísticos do mundo todo estão adotando a RV, oferecendo uma nova dimensão para as notícias à medida que a tecnologia se torna mais acessível.
"Com a disponibilidade de câmeras 360 acessíveis, que diminuíram a barreira de entrada, muitos veículos adotaram a RV nas redações", diz um relatório da BBC. "Alternativas mais baratas que as câmeras 360, como o uso de smartphones ou navegadores para a criação de vídeos 360, estão melhorando ainda mais a viabilidade financeira."
Com o aumento do uso da RV, confira a seguir o que jornalistas devem saber sobre a tecnologia, sua capacidade de criar novas possibilidades narrativas no jornalismo, dentre outros aspectos:
Melhoria da narrativa
Uma das principais vantagens da RV no jornalismo é a capacidade de criar experiências imersivas para transmitir aos espectadores o pleno impacto sensorial e emocional de uma matéria, diz Hadeel Arja, cofundadora do Frontline in Focus, que usa RV para fazer a cobertura de zonas de guerra e outras regiões de difícil acesso.
"A realidade virtual é uma ferramenta poderosa que adiciona elementos interativos às nossas matérias, imergindo a audiência no meio de um acontecimento ou permitindo que ela vivencie uma história de todos os ângulos", diz Arja. Ela acrescenta que o recurso é particularmente útil para a cobertura de conflitos e crises. "A cobertura de conflitos deveria ir além das notícias de última hora e de grandes eventos como terremotos ou massacres. Ao utilizar a RV, conseguimos lançar luz sobre a vida diária e as histórias de áreas como Síria, Líbia e Ucrânia."
Jornalistas já estão aproveitando a tecnologia para dar vida a matérias. Por exemplo, o documentário em RV da BBC, "We Wait", coloca os espectadores em um bote salva-vidas com refugiados que cruzam o mar Mediterrâneo, oferecendo uma visão visceral de sua viagem angustiante. De modo semelhante, "This is My Home", projeto de RV do Frontline in Focus, permite que a audiência testemunhe como uma escola destruída na Síria foi transformada em um abrigo de refugiados. Ele combina RV com a narração de um jovem que vive no abrigo.
O engajamento gerado pela RV também pode ajudar a fomentar a empatia e conscientizar de um modo que a reportagem tradicional talvez não consiga. Por exemplo, a experiência em RV do Guardian, "6x9", coloca os espectadores dentro de uma cela solitária, destacando os efeitos psicológicos do isolamento.
Considerações éticas
Embora o potencial da RV no jornalismo seja vasto, ele vem acompanhado de desafios. Garantir a precisão do conteúdo é fundamental, já que a natureza imersiva desse tipo de mídia pode tornar qualquer tipo de desinformação particularmente impactante.
Considerações éticas também devem levar em conta os efeitos em potencial na audiência, segundo Arja. "A RV pode mergulhar a audiência profundamente em uma matéria, potencialmente afetando-a emocional e psicologicamente. O jornalismo em RV ético deve considerar como a experiência imersiva impacta os espectadores e garantir que o conteúdo não provoque danos a eles."
Avalie também os efeitos nas pessoas que aparecem no conteúdo em RV. "Jornalistas que usam RV devem respeitar a privacidade dos indivíduos retratados e evitar revelar informações pessoais sensíveis sem consentimento", diz Arja.
Ela enfatiza a necessidade de os jornalistas comunicarem diretamente com sua audiência como usam RV. "Ser transparente sobre o uso da tecnologia de RV, como as cenas são construídas e quaisquer melhorias feitas no ambiente é crucial para manter a confiança da audiência."
Viabilidade financeira
Apesar de estar melhorando, o custo e a acessibilidade da tecnologia de RV continuam sendo barreiras. Uma produção em RV de alta qualidade demanda investimento significativo em equipamento e expertise, o que pode estar além do alcance de pequenos veículos e de jornalistas no Sul Global, que lidam com altas tarifas de internet, conexão não confiável e dificuldades para cobrir o custo de câmeras 3D.
"A RV não é muito acessível a jornalistas do Zimbábue porque não temos muito conhecimento a respeito. Embora eu a tenha usado em algumas das minhas exposições, muita gente não sabe muita coisa sobre o assunto", diz o fotojornalista Munashe Chokodza. "No Zimbábue, a RV é adotada em menor medida por causa do acesso limitado à internet e o alto custo de dados devido a desafios econômicos."
Apesar dessas barreiras, Arja acredita que o uso da RV vai crescer com o tempo. "Eu sempre digo que, quando ferramentas de RV, como fones e câmeras 360, se tornam menores e mais acessíveis, o uso delas cresce", diz. "A geração mais jovem já está familiarizada com essas tecnologias, e se quisermos chegar até ela, precisamos usar as ferramentas que ela está usando."
Futuro da RV no jornalismo
Nos países onde a RV ainda é uma tecnologia nova ou pouco conhecida, o primeiro passo é apresentá-la à audiência.
"Os veículos no Zimbábue e em outros países em desenvolvimento que não estão usando RV devem começar promovendo exposições de jornalistas multimídia que usam RV. Isso vai ajudar na adoção da tecnologia e, uma vez que ela decole, as pessoas vão começar a acreditar nela", diz Chokodza.
À medida que a tecnologia de RV continua evoluindo e se tornando mais acessível, ela pode potencialmente revolucionar o modo como as notícias são produzidas e consumidas, fomentando uma audiência mais informada e empática. Avanços na tecnologia, como telas de alta fidelidade e integração com IA, prometem melhorar ainda mais o realismo e a interatividade de experiências em RV.
"Investir nessa tecnologia é incrível porque produzir esse tipo de matéria cria uma experiência pessoal para a audiência, gerando interação, impacto e ação. Esses são os objetivos centrais do jornalismo: criar um impacto e provocar a ação", diz Arja.
Foto por Lucrezia Carnelos via Unsplash.