Sudaneses usam redes sociais para pedir socorro

May 17, 2023 em Redes sociais
Man holding a smartphone

Desde meados de abril, as Forças Armadas do Sudão (SAF na sigla em inglês) e o grupo paramilitar Forças de Suporte Rápido (RSF na sigla em inglês) estão brigando pelo controle do país. O conflito vem na sequência do golpe militar de 2021 que destituiu o governo civil de transição e deixou o Sudão sob um conselho de generais, incluindo dois que estão no centro da atual crise: Abdel Fattah al-Burhan, chefe da SAF, e Mohamed Hamdan Dagalo, líder da RSF popularmente conhecido como Hemedti.

A violência atual eclodiu após o fracasso das negociações entre os dois líderes durante a aguardada transição que traria de volta o governo civil. Mais de 400 civis foram mortos e milhares ficaram feridos, e os números reais são provavelmente bem maiores. Cerca de 73.000 pessoas já fugiram do Sudão para países vizinhos, e diplomatas e cidadãos de países como Estados Unidos, Reino Unido e Arábia Saudita foram evacuados. Mais de 50 hospitais em Cartum e em estados vizinhos pausaram o atendimento, enquanto moradores ainda estão presos em suas casas, sem conseguir acessar serviços básicos, como água, comida e eletricidade.

"No momento, dentro do Sudão, tudo está parado. Os aeroportos no país foram todos fechados desde que o conflito começou, e há combates nas ruas", disse à Al Jazeera Cyrus Paye, coordenador de projetos da organização Médicos Sem Fronteiras. "Se a situação não mudar e se não for concedido acesso humanitário, muito mais vidas vão ser pedidas."

O exército sudanês e o RSF concordaram recentemente com cessar-fogo entre 4 e 11 de maio, e também estão realizando diálogos de pacificação.

Apesar das negociações, a violência segue no país. Forçada a encarar a crise, a população sudanesa está usando as redes sociais para conseguir opções de evacuação e ajuda humanitária. Leia na sequência o que jornalistas devem saber sobre como essa mobilização nas redes sociais está ajudando a população civil a ter segurança.

Uso das redes sociais para o socorro

Os sudaneses estão usando hashtags como "#حوجة الخرطوم" ou #Needed_Khartoum no Twitter para compartilhar e encontrar assistência na capital do país, Cartum, onde o conflito se concentra. Muitos dos pedidos estão focados em comida, abrigo ou transporte para fugir da cidade. 

"Qualquer pessoa que queira sair de Cartum pode perguntar sobre estradas seguras e postos de viagem que estão funcionando, e pode encontrar alguém no Twitter que está indo para a mesma região", diz a ativista sudanesa Jia El Hassan. "Uma hashtag foi ativada no Twitter para as necessidades de cada região."

Paralelamente, sudaneses em diáspora lançaram a hashtag #KeepEyesOnSudan para compartilhar atualizações sobre o conflito, bem como informação sobre opções de acomodação e assistência à saúde para pessoas que foram desalojadas.

A rede de diáspora também criou uma campanha de arrecadação de fundos online que faz curadoria de informações que as pessoas podem usar para obter segurança e ajuda. Algumas das doações são destinadas à Associação de Médicos Sudaneses-Americanos, que está apoiando a população no local. "O que está acontecendo é uma poderosa demonstração da rede de civis no Sudão", diz Yassmin Abdel-Magied, membro da diáspora sudanesa que está à frente da campanha #KeepEyesOnSudan.

O que jornalistas devem saber

As redes sociais, principalmente as hashtags, estão ajudando os jornalistas a encontrarem fontes no local para serem entrevistadas sobre a crise.

Por exemplo, Mahdi Garba, repórter de conflitos no HumAngle, postou no Facebook um pedido de ajuda para encontrar fontes para uma matéria que ele fez sobre estudantes nigerianos presos no país. "As redes sociais permitiram que eu tivesse um retrato vívido da crise em curso; todos os meus entrevistados vieram das redes sociais", diz Garba.

Ao apurarem informações nas redes sociais, principalmente vídeos e imagens, jornalistas precisam verificar cuidadosamente o que recebem para evitar disseminar propaganda e desinformação. "É tanto um ponto positivo quanto um desafio", escreveu Declan Walsh, correspondente na África do New York Times. "Como repórter, esses vídeos podem ser uma forma fantástica de ter uma ideia do que está acontecendo [...] Mas há uma possibilidade grande de desinformação e propaganda." 

De fato, há poucas semanas, uma conta verificada do Twitter Blue que dizia representar o RSF tuitou uma afirmação falsa segundo a qual Hemedti teria morrido em decorrência de ferimentos sofridos durante a atual crise. O tuíte teve mais de 1,7 milhão de visualizações antes de ser removido pelo Twitter.

Corte da internet: uma ameaça a esses esforços

A ameaça de um corte na internet paira sobre os esforços de mobilização liderados pelos cidadãos nas redes sociais. "A conexão com a internet salvou vidas desde o início do conflito, e a falta dela vai fazer com que fique mais difícil para as pessoas evitarem perigos e se manterem e segurança", diz Isik Mater, diretora de pesquisa da NetBlocks, organização global que monitora a liberdade na internet.

Um em cada quatro africanos foi afetado por cortes na internet em 2022 e a população do Sudão está entre as mais afetadas no continente. Em 16 de abril, a empresa de telecomunicações MTN Sudan bloqueou a conexão à internet no país sob ordem do regulador de telecomunicações do governo. Outra provedora local, a Canar Telecomregistrou interrupções parciais no quinto dia do conflito.

"Dados de rede em tempo real mostram um colapso quase total da conexão à internet no Sudão, com a conectividade nacional no país em 2% no momento", alertou a NetBlocks em 23 de abril. A organização diz que cortes de energia, a impossibilidade da população de ter acesso a gasolina para abastecer geradores e a destruição de centros populacionais também contribuem para reduzir a conectividade à internet. Felizmente, no momento, a MTN está funcionando e oferecendo chamadas gratuitas e dados móveis para usuários do WhatsApp. 

Um corte na internet do Sudão pode ser devastador para os moradores do país que estão em busca de ajuda. As consequências se agravam diante da paralisação dos serviços de muitas organizações humanitárias no país.


Foto por Tyck via Iwaria