Jornalistas cidadãos informam sobre "o verdadeiro Irã"

Apr 20, 2023 em Liberdade de imprensa
Iranian flag

Em 2010, autoridades iranianas detiveram Majid Tavakoli, um dissidente então com 23 anos, em Evin, presídio iraniano conhecido por sua má reputação, em razão de seu ativismo estudantil nos protestos do Green Movement um ano antes. Durante uma greve de fome enquanto estava na solitária, ele enviou uma carta direto da prisão, detalhando o que estava em jogo no futuro do Irã.

"O primeiro e principal problema do Irã são os direitos humanos", escreveu Tavakoli em sua carta. "O mundo deve colocar isso em primeiro lugar ao confrontar o regime iraniano. O regime vai fazer qualquer coisa para desviar a atenção internacional, desde os direitos humanos até as questões nucleares."

O apelo de Tavakoli parece não ter sido ouvido: desde então, ativistas se queixam frequentemente de como a cobertura de notícias sobre o Irã tende a ser vista sob os termos ocidentais, seja definida pela ameaça nuclear ou pelos jornalistas que buscam desmistificar o país para a audiência ocidental. Ao mesmo tempo, é difícil verificar as prioridades locais e relatos das pessoas que vivem no país devido às barreiras significativas impostas pelas duras restrições à liberdade de expressão do regime iraniano e prisão generalizada de jornalistas.

As leis de censura do Irã limitaram severamente a reportagem de rua no país e provocaram a expulsão da maior parte dos correspondentes estrangeiros após as revoltas políticas de 2009. Os poucos correspondentes locais restantes precisam ser muito cautelosos por questões de segurança e os veículos ocidentais com acesso ao Irã têm suas atividades restringidas ou são vetados previamente.

Em um estudo de 2017, o destacado analista iraniano Karim Sadjadpour descreveu como o regime aprova vistos e acesso a subsídios para quem faz uma cobertura mais "amigável", fazendo com que jornalistas e especialistas "peguem leve para preservar seu acesso". Dexter Filkins, da The New Yorker, revelou que depois de conseguir um raro visto de jornalista, ele era constantemente seguido por um guarda-costas do governo após sua chegada ao país. Isso limitou o contato dele a apenas pessoas pré-aprovadas, no período em que esteve no Irã. Nicolas Pelham, da Economist, acrescentou que os guarda-costas do governo normalmente carregam um gravador para intimidar os entrevistados, a fim de que não deem declarações políticas demais. Essas condições sufocantes têm desafiado a suposição de que reportagens feitas diretamente no país são mais autênticas que reportagens feitas de longe.

Insatisfeitos com a cobertura inadequada do "verdadeiro Irã", jornalistas cidadãos anônimos como 1500Tasvir e Vahid Online adotaram abordagens inovadoras e coletivas para expor a verdade. Por meio de postagens nas redes sociais com conteúdos obtidos de pessoas em todo o Irã, eles conseguem efetivamente driblar os bloqueios do governo na internet para publicar injustiças diárias que afetam cidadãos iranianos comuns. Por terem conseguido ganhar a confiança das pessoas, eles conseguem transmitir repressões violentas, atos de desobediência civil, notícias de prisões e protestos em tempo real. Fora das redes sociais, a IranWire, publicação criada pelo jornalista ex-presidiário Maziar Bahari, tem dedicado sua plataforma a conectar jornalistas cidadãos no país com jornalistas profissionais no exterior. A publicação também ajuda jornalistas cidadãos a manterem o anonimato, por exemplo, eliminando metadados de suas filmagens. 

Com a explosão de grandes protestos nos últimos seis meses e a ascensão do movimento Women, Life, Freedom, os direitos humanos no Irã estão no centro da cobertura jornalística atualmente. Enquanto isso, jornalistas cidadãos atraíram milhões de seguidores ao se tornarem fontes cruciais dos eventos in loco. A grande mídia internacional muitas vezes usa os vídeos e informações obtidas por esses jornalistas cidadãos: a CNN, por exemplo, colaborou com o 1500Tasvir para verificar relatos de testemunhas e analisar documentos no país. Durante o recente envenenamento em massa de estudantes iranianas, o 1500Tasvir liderou um esforço para coletar amostras de sangue e compartilhá-las com especialistas no exterior para análise. 

"Há essa mudança cultural na qual espaços coletivos estão se tornando mais estabelecidos e ajudando a mídia internacional sem se prejudicarem", diz Ahou Koutchesfahani, pesquisadora em redes sociais e discurso dos direitos das mulheres iranianas na King's College London. "Essa é uma nova fronteira que alcançamos."

Por 13 anos, jornalistas ocidentais tiveram pouco ou nenhum acesso dentro do Irã. Isso, explica Koutchesfahani, estimulou um ambiente no qual proliferam discursos concorrentes em meio a jornalistas e especialistas sobre acontecimentos no país e o enraizamento de suspeitas diante de novas fontes – principalmente em relação à dúvida se certos jornalistas são alinhados com o regime.

"O maior problema que vejo nesse tipo de disparidade na mídia ocidental é o fato de que nenhum jornalista ocidental pode trabalhar livremente dentro do Irã", diz a pesquisadora. "O fato de haver essa fissura é deliberado e é um mecanismo que a República Islâmica usa para impedir jornalistas ocidentais de buscar a verdade e falar com pessoas no Irã. O fato de jornalistas não conseguirem fazer seu trabalho dentro do Irã cria um vácuo que é preenchido por todos os tipos de especialistas e analistas."   

Centralizar as vozes dentro do Irã é a melhor estratégia para remediar os problemas da cobertura jornalística sobre o país, diz Koutchesfahani – ao mesmo tempo em que se mantém vigilância sobre os riscos de segurança das fontes iranianas que falam com a mídia ocidental. O regime prendeu algumas fontes que falaram anonimamente com a mídia estrangeira, ela observa.

"O principal conselho para ajudar jornalistas é ouvir as vozes dentro do Irã. Eu acho que essa é a fonte mais valiosa que você pode ter", diz a pesquisadora. "É claro que há todas essas barreiras relacionadas à verificação das fontes e isso torna o trabalho mais difícil, mas é muito importante fazer esse esforço extra para expor a verdade."

A jornalista e produtora da CBC Nahayat Tizhoosh acompanha de perto protestos e violações aos direitos humanos e ao longo dos anos construiu redes confiáveis dentro do Irã, o que permitiu a ela dar destaque a cidadãos iranianos em suas matérias.

A cobertura de violações aos direitos humanos no Irã tradicionalmente tem ficado em segundo plano para dar lugar a um certo gênero de reportagens banais, por exemplo as que mostram shoppings ou estilos de vida ocidentalizados em camadas mais ricas da sociedade iraniana cujo objetivo é mostrar como "o Irã não é o que você pensa que é", diz Tizhoosh.

"Há essa ênfase nessa narrativa de que tudo está bem no Irã, quando na verdade, se você vai pra lá ou mora lá, liberdades cotidianas para mulheres são inexistentes", diz a jornalista. "Sim, você pode sair, ficar bonita e sentar em um café, mas você não tem o direito de viajar sem a permissão do seu pai ou marido. Me diz se isso é ou não liberdade de verdade." 

Jornalistas ocidentais que não tomam o devido cuidado e não têm a noção exata de como funcionam as táticas de propaganda do regime correm o risco de informar de um modo acrítico sobre a comunicação governamental e tomá-la ao pé da letra. "Você precisa entender a situação na qual se encontram os iranianos e a mentalidade deles", diz. "Você precisa acompanhar isso se quer dizer a verdade sobre o que está acontecendo por lá."

No momento, há sinais de que a grande mídia está tentando fazer uma abordagem diferente para obter fontes e contextualizar os eventos no Irã. Os veículos cada vez mais estão valendo-se de fontes anônimas no país, com muitos deles também contando com evidências em vídeo publicadas por jornalistas cidadãos. Além da cobertura da CBC, investigações da CNN revelaram o uso sistemático do estupro como uma arma contra manifestantes mulheres e de instalações clandestinas improvisadas para torturas. O The Guardian lançou uma série de artigos produzidos anonimamente por cidadãos locais, revelando abusos terríveis, incluindo uma matéria de capa sobre como forças de segurança miraram genitálias e olhos de mulheres manifestantes durante ações de repressão.

Porém, Tizhoosh diz que é possível que a mídia ocidental sofra de uma fadiga ou desista da cobertura das atrocidades que acontecem no Irã caso o regime tenha sucesso em silenciar por completo os protestos.

"O que vai acontecer com esse vácuo do jornalismo e com jornalistas que continuam informando sobre o Irã?", diz. "As coisas vão simplesmente voltar a ser como eram antes e às conversas sobre o acordo nuclear?" As pessoas vão se esquecer dos milhares de presos? Vamos ter que esperar para ver." 


Foto por mostafa meraji via Unsplash.

Este texto teve sua versão original editada para contextualizar algumas falas.