Antes dos anos de censura em massa na Rússia, a comunidade de jornalismo científico do país prosperou. Naquela época, em 2016, um grupo de divulgadores científicos – funcionários de departamentos de comunicação científica de universidades, pesquisadores, sociólogos, dentre outros – incluindo eu, fundou a Comunicação Russa de Comunicação Científica (AKSON).
Primeira rede russa desse tipo, a AKSON reuniu divulgadores científicos de todo o país para fomentar o crescimento profissional, criar laços mais fortes entre especialistas em ciência e a sociedade e apoiar o jornalismo científico independente. Tudo isso enquanto o ambiente geral de mídia estava se desintegrando ao nosso redor.
Após o retorno de Vladimir Putin à presidência da Rússia em 2014, e principalmente depois da invasão em larga escala da Ucrânia no ano passado, muitos jornalistas de ciência russos largaram de vez a profissão, e a AKSON fechou suas portas no fim de 2022. Mas outros encontraram novo apoio em comunidades de divulgadores científicos no exterior, aproveitando o apoio que a AKSON ofereceu durante os seus seis anos de existência.
Jornalismo científico na Rússia
Historicamente, a mídia online na Rússia sempre teve muitos leitores e uma reputação forte. Durante as eleições parlamentares de dezembro de 2014, por exemplo, 1 milhão de visitantes únicos acessavam diariamente o site Gazeta.Ru. Ao mesmo tempo, veículos incluindo Gazeta.Ru, Lenta.Ru e o estatal RIA Novosti competiam entre si com sua cobertura científica.
Porém, no fim de 2013 e no início de 2014, depois do chamado "roque" – um movimento do xadrez usado como referência ao retorno de Putin à presidência – a mídia online foi efetivamente fechada. O governo colocou grandes veículos como Gazeta.Ru e Lenta.Ru, bem como veículos menores, sob uma espécie de censura direta, mais notadamente substituindo os proprietários e editores-chefes por pessoas leais ao Kremlin. Muitos repórteres de ciência estabelecidos saíram desses veículos para lançar suas próprias iniciativas. Outros deixaram o jornalismo completamente.
"Alguns desses jornalistas começaram revistas digitais independentes de ciência que cobriam notícias sobre pesquisas de alta qualidade, mas a maioria se abstinha de cobrir aspectos sociopolíticos para manter uma independência relativa em relação às autoridades", diz Olga Dobrovidova, ex-repórter de ciência e meio ambiente do RIA Novosti.
A comunidade de jornalismo científico se enfraqueceu e a audiência do noticiário científico diminuiu.
Conexão
A experiência de Dobrovidova como bolsista do MIT Knight Science Journalism Fellow a inspirou a preparar outros jornalistas para experiências semelhantes. A AKSON deu apoio a esse objetivo por meio do Fórum Russo de Comunicação Científica, uma iniciativa anual que surgiu em 2017 para realizar eventos de jornalismo científico e painéis que tratavam de tópicos que iam de reportagem multimídia a considerações sobre financiamento.
A AKSON também criou premiações profissionais para promover a cobertura científica, incluindo a honraria Jornalista Russo de Ciência do Ano, que acabou servindo como referência de seleção para o prêmio Jornalista Europeu de Ciência do Ano, dando aos jornalistas de ciência russos um palco internacional para exibir seu trabalho. Maria Pazi, da extinta revista Russian Reporter, ganhou o prêmio europeu em 2020, tornando-se a primeira vencedora russa. No ano seguinte, a jornalista russa Polina Loseva conquistou o segundo lugar na premiação europeia.
A AKSON também comandou um sistema nacional de distribuição de releases científicos conhecido como "Open Science", que permitiu às universidades e instituições de pesquisa divulgarem notícias para os assinantes.
Entre 2018 e 2021, a AKSON concedeu subsídios para jornalistas de ciência para apoiar a cobertura de metrologia, novas técnicas agrícolas e destacar problemas na região do Lago Baikal. A associação também realizava regularmente oficinas educativas para estudantes e jovens jornalistas, tanto online quanto presencialmente.
Consequências da invasão russa à Ucrânia
A AKSON esteve na linha de frente de uma geração emergente de jornalistas de ciência russos apesar da censura recorrente. Isso mudou em fevereiro de 2022 com a invasão em larga escala da Rússia à Ucrânia, e a AKSON oficialmente encerrou suas operações no fim do ano passado.
O que pensávamos que seria apenas o começo de uma nova era para o jornalismo científico na Rússia acabou sendo o fim, devido à repressão em massa da mídia independente e do jornalismo no ano da invasão.
No entanto, acreditamos que o trabalho da AKSON não foi em vão. Hoje, ex-membros que ainda estão na Rússia existem como uma rede informal que apoia uns aos outros e a cobertura de ciência. Outros fugiram da Rússia e passaram a fazer parte de conselhos de organizações internacionais como a Federação Europeia de Jornalismo Científico e a Rede de Comunicação Pública, de Ciência e Tecnologia. Ex-membro da AKSON, Natalia Paramonova, em conjunto como uma equipe de jornalistas internacionais, ganhou recursos do projeto European Climate Grant, e Polina Loseva passou a colaborar com o British Medical Journal.
"A AKSON estimulou o desenvolvimento da comunicação científica na Rússia. Ela nos deu uma identidade forte que ajudou todos nós – jornalistas e comunicadores – a não desistir em meio a um ambiente político e social muito hostil", diz Dr. Egor Zadereev, um dos mais importantes cientistas russos.
A AKSON ajudou a fomentar uma cena mais vibrante do jornalismo científico na Rússia. Apesar de ter sido fechada, seu impacto permanece sendo um legado fundamental e duradouro.
A autora foi a primeira presidente da AKSON, de 2018 a 2020 e agradece a Olga Dobrovidova, segunda presidente da AKSON, pelos conselhos e apoio na preparação deste artigo.
Foto via Pexels por Chokniti Khongchum.