Jornalistas russos antiguerra conseguem trabalhar da Turquia

Apr 19, 2023 em Liberdade de imprensa
Istanbul skyline at dusk

De 2014 a 2017, o premiado jornalista russo Vladimir Sokolov trabalhou para a hoje fechada emissora de rádio liberal Echo of Moscow. Vivendo na cidade de Perm, perto dos Montes Urais, quando trabalhava na Echo of Moscow, Sokolov produzia matérias e entrevistava especialistas em jornalismo sobre problemas com censura, qualidade de conteúdo e independência editorial.

Embora a mídia independente pudesse operar na Rússia naquela época com um grande nível de liberdade em comparação com o período após a invasão em larga escala da Ucrânia em fevereiro de 2022, a infraestrutura ainda era vulnerável às condutas políticas ilegais.

Skolov e sua colega de trabalho e esposa Anastasia Sechina deixaram a Echo of Moscow depois de um parlamentar russo comprar a filial da rádio em Perm. Em 2018, eles lançaram o The Fourth Sector, um projeto de mídia regional que mais tarde ganharia o equivalente ao Prêmio Pulitzer da Rússia, o Redkollegia. Em 2021, depois do prêmio, o governo russo classificou o The Fourth Sector como um agente estrangeiro, designação também dada ao Novaya Gazeta, veículo independente de destaque, e ao grupo de direitos humanos vencedor do Prêmio Nobel Memorial, dentre outros.   

Um ano depois, a Rússia iniciou sua invasão à Ucrânia, e Sokolov e Sechina, assim como muitos outros jornalistas independentes, fugiram para a Turquia. "No começo, pensamos em ir para a Europa, mas não tínhamos um visto Schengen", diz Sokolov. "A Turquia podia ser um trânsito temporário e o preço das passagens de avião estava subindo exponencialmente."   

Uma combinação de proximidade geográfica, conveniência logística, acesso a recursos jornalísticos e um ambiente de mídia relativamente mais livre transformou a Turquia em um oásis para russos dissidentes e antiguerra no último ano. Na Turquia, eles podem retardar o alistamento militar obrigatório no país natal ao mesmo tempo em que continuam a cobrir notícias locais e nacionais da Rússia sem temer interferência direta do Kremlin.

Diáspora russa

Quando jornalistas dos veículos independentes russos TV Rain e Holod foram para a Turquia no ano passado, eles se mudaram para a Europa dentro de alguns meses, um caminho que muitos outros gostariam de seguir na época. Mas desde então muitos jornalistas e cidadãos russos optaram por ficar na Turquia para evitar o medo crescente de russofobia na Europa. Na Letônia, por exemplo, autoridades fecharam a TV Rain depois dos comentários de um funcionário expressando simpatia por homens recrutados pelo exército russo.

Questões logísticas também desempenham um papel na decisão dos jornalistas de permanecer na Turquia. "É difícil para os russos conseguirem um visto da União Europeia em Moscou ou São Petersburgo, por isso a Turquia se tornou o destino mais popular para escapar. É melhor que o Cazaquistão ou a Armênia, onde também há conflito", diz Kerim Has, analista e especialista em relações Rússia-Turquia que vive em Moscou. "Para muitos russos, é fácil ir para a Turquia, pois podem ficar no país sem um visto por dois meses, e podem prolongar a estada se candidatando a um visto de residência." 

Sokolov e Sechina planejaram inicialmente usar a Turquia como um país de trânsito, mas eles encontraram em Istambul uma sociedade favorável aos seus planos imediatos. Por exemplo, o país é a única nação membro da OTAN que não impôs sanções ao Kremlin, tornando-se economicamente mais atrativa para muitos russos com laços econômicos em seu país natal.

Os dois também conseguiram usar redes de solidariedade internacional de colegas jornalistas na Turquia e pela Europa. Em Istambul, Baris Altintas, defensora de jornalistas russos exilados que trabalha na Media and Law Studies Association, ajudou Sokolov e Sechina durante a realocação do casal. Sokolov também foi convidado a dar uma palestra na Alemanha e Sechina, na República Tcheca, onde seus anfitriões custearam e forneceram vistos de curto prazo para as viagens.

Trabalhando do exílio

Atualmente, é difícil para repórteres cobrirem de forma objetiva a política doméstica russa em meio a uma censura abrangente da mídia. "Se você é um jornalista russo que cobre política estrangeira, você pode criticar países ocidentais, sanções e contornar assuntos críticos que podem ser inaceitáveis para o Kremlin", diz Has. "Mas para os jornalistas que cobrem política doméstica russa, isso é bem difícil." 

Depois de se reacomodarem, Sokolov e Sechina relançaram o The Fourth Sector na Turquia. Eles também ajudaram a criar o guia de recursos jornalísticos Gribnica (micélio em russo), que acabou sendo fechado um tempo depois pelo risco de exposição dos jornalistas. Em maio de 2022, Sokolov ajudou a lançar o Glush (silêncio em russo e também um novo termo para olhos e ouvidos), uma base de dados segura cujo objetivo é ajudar redações e organizações sem fins lucrativos a encontrarem profissionais de mídia.  

No momento, Sokolov também está desenvolvendo um sistema no qual jornalistas podem encontrar ajuda individual quando estiverem se reacomodando na Turquia, como ajuda com o idioma ou para achar um apartamento.

Lidando com a censura e o esgotamento

Jornalistas russos exilados como Sokolov vão enfrentar a ameaça da perseguição enquanto Putin estiver no poder, caso decidam voltar para a Rússia, diz Igor Chelov, cientista político que trabalha para a missão turca do International Press Institute em Ankara. 

É um desafio produzir no exílio reportagens que repercutam entre a audiência na Rússia diante da censura e propaganda. "É imperativo para jornalistas russos no exílio encontrarem um jeito de se comunicar com a audiência de seu país de origem", diz Chelov. "Mesmo as matérias investigativas mais relevantes falharam em provocar mudanças. Há exemplos abundantes de matérias que não conseguem driblar a censura e propaganda pró-Kremlin, de corrupção política a desastres ecológicos, tanto em escala nacional quanto local."

As políticas de Ankara relativas à invasão da Ucrânia, que têm sido menos robustas para armar a Ucrânia e sancionar a Rússia do que aquelas de outros países da OTAN, também permaneceram inalteradas pelo trabalho dos jornalistas russos na Turquia, explica Has. "Claro, há atividades do jornalismo russo na Turquia, mas, francamente, não vi um efeito em particular do jornalismo russo feito na Turquia sobre Erdogan ou as relações Turquia-Rússia", diz.

Estes desafios fizeram com que Sokolov tivesse burnout. A crença dele na eficácia de seu trabalho titubeou, principalmente depois de observar a incapacidade das investigações feitas pela Anti-Corruption Foundation, um projeto do líder da oposição russa, Alexi Navalny, de influenciar uma mudança política duradoura, apesar de terem despertado protestos na Rússia.   

"Se aquele conteúdo anticorrupção não tem impacto, o que podemos fazer daqui da Turquia?", pergunta Sokolov, referindo-se ao documentário investigativo "Don’t Call Him Dimon", da Anti-Corruption Foundation, que examinou a corrupção por trás do primeiro-ministro Dmitry Medvedev. "Quando Putin deixar o poder, a mídia regional e local na Rússia precisa continuar. Nós só temos ideias brutas para ajudar jornalistas dentro e fora da Rússia. Precisamos criar um diretório de fixers voluntários. Mas o burnout está pegando a gente."


Foto por Ante Samarzija via Unsplash.