Reportando sobre crises? Ioga pode ajudar a lidar com o estresse

Jun 18, 2020 em Reportagem de crise
Treinamento de segurança com ioga

Um agressor mascarado aponta uma arma para um grupo de jornalistas de olhos vendados e as mãos amarradas nas costas, como parte de um ambiente hostil e treinamento de primeiros socorros (HEFAT, em inglês) administrado pela International Women's Media Foundation (IWMF). O treinamento foi elaborado para preparar as participantes para situações que podem ter que enfrentar no trabalho.

“Foi simplesmente aterrorizante”, disse a repórter Amaris Castillo, uma das bolsistas da IWMF na época, em um vídeo sobre o treinamento. Para aliviar as participantes da experiência fisicamente exigente e estressante, Claudia Gonzalez, coordenadora sênior do programa da IWMF e instrutora de ioga treinada para ensinar sobreviventes de trauma, conduziu uma aula de ioga na manhã seguinte ao cenário do sequestro.

"Isso lhes dá um chão", disse ela.

Segundo estatísticas compiladas pelo Dart Center for Journalism and Trauma da Universidade Columbia, entre 80 e 100% dos jornalistas são expostos a incidentes traumáticos durante o curso de seu trabalho, como acidentes de carro, homicídios e desastres naturais. Os jornalistas podem sofrer traumas presentes na cena ou exposição de segunda mão ao visualizar imagens perturbadoras ou entrevistar vítimas.

Eventos recentes como a COVID-19 e os protestos generalizados contra a brutalidade policial e o racismo exacerbam os desafios para os jornalistas, especialmente devido aos ataques crescentes à imprensa.

[Leia mais: Dicas e recursos de saúde mental para jornalistas]

 

Essas experiências não estão isentas de consequências. Um estudo de 2019 com jornalistas que cobriram o furacão Harvey no sul dos EUA revelou que 90% deles lidaram com algum grau de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (PTSD) relacionado ao seu trabalho.

Outros jornalistas podem sentir ansiedade, depressão e esgotamento como resultado da exposição a eventos traumáticos e estresse do trabalho. É importante que os jornalistas criem mecanismos e procurem cuidados para lidar com esses desafios. Uma ferramenta que pode ajudar é o ioga.

O professor assistente de medicina da Faculdade de Medicina da Harvard, Dr. Sat Bir Singh Khalsa, que dirige pesquisas em grandes centros de ioga como o Yoga Alliance e Kundalini Research Institute, menciona muitos tipos diferentes de pranayama (ou respiração) que podem ajudar jornalistas a aliviar o estresse. Isso inclui respiração abdominal, respiração nasal alternada ou respiração Ujjayi (durante a qual a garganta está parcialmente contraída).

"Existem muitas variações sobre o tema", disse ele, "a prática predominante, em geral, é a respiração lenta."

Pesquisas mostram que algumas áreas do cérebro estão diretamente sincronizadas com a respiração, disse Khalsa, e a respiração lenta leva a um estado mental mais calmo e reduz emoções como ansiedade, raiva e medo. Com o tempo, pode melhorar a capacidade de lidar com o estresse.

"Por que restringir-se a usar só a respiração lenta", disse ele. "Por que não usar todas as práticas do ioga?"

Muitos jornalistas podem ser dissuadidos pelo compromisso de desacelerar e praticar ioga, especialmente quando trabalham em um prazo corrido. Mas Khalsa sugere que o benefício supera o compromisso de tempo.

"Embora você esteja tirando uma hora do trabalho, a longo prazo aumenta sua eficiência e produtividade, de modo que é provável que haja um retorno do investimento que o deixe mais à frente", disse ele. A alternativa -- trabalhar estressado para cumprir com um prazo -- impede o desempenho cognitivo e a criatividade, acrescentou, os quais são essenciais para produzir um bom jornalismo.

[Leia mais: Saúde mental e física de repórteres durante a pandemia de COVID-19]

 

Mesmo se você não tiver uma hora, não deve descartar a prática. Comece com um minuto, disse Maya Breuer, vice-presidente de avanço cultural da Yoga Alliance. Ela aconselha seus alunos a começarem quietos por um minuto com um temporizador. Quando estiver pronto, avance para dois minutos. Durante esse período, respire com a intenção repetindo "Estou inspirando" e "Estou expirando".

Para jornalistas que enfrentam circunstâncias desafiadoras como o surto do novo coronavírus e cobrem protestos contra a violência policial, Breuer sugere a implementação dessas práticas. "Isso não muda a situação, mas sempre há uma pausa", disse ela. "Se alguém pode respirar -- se alguém pode fazer uma pausa -- isso muda sua reação ao que está acontecendo."

Reservar um momento para ficar parado e respirar pode permitir que os jornalistas se separem do que estão reportando, observou Breuer.

Aulas digitais gratuitas ou de baixo custo, como as oferecidas pela Yoga Alliance e IWMF, possibilitam que muitas pessoas em todo o mundo explorem as diferentes facetas do ioga, como pranayama (respiração), meditação, asanas (poses) e a filosofia do ioga. 

Gonzalez ressalta que os cursos de ioga online podem ter o benefício adicional de criar conexões significativas. "Eu acho que outra estratégia para gerenciar o estresse é construir comunidade", disse ela.

A Dra. Elizabeth Welty, do Flow Studios Belfast, criou uma prática de ioga pela manhã e à noite especificamente para jornalistas em conflito que participam de um retiro Surviving in Body and Mind, desenvolvido por Angelina Fusco, bolsista da IWMF.

Desafiar a si mesmo através de sequências de ioga como essas pode ajudar a aumentar seu "alcance dinâmico", disse Khalsa. "Isso significa melhorar sua funcionalidade e sua capacidade de tolerar adversidades."

É improvável que os desafios enfrentados pelos jornalistas desapareçam tão cedo. Uma área difícil de cobertura dará lugar à próxima, e os jornalistas precisam desenvolver maneiras significativas de lidar com esses desafios.

"Os jornalistas ainda são trabalhadores essenciais e continuam na linha de frente", disse Gonzalez.

Não há uma solução fácil para encarar os desafios, mas o ioga é uma ferramenta para superá-los.


Imagem principal cortesia da International Women's Media Foundation


Leia mais artigos de

Freelance writer

Jennifer Anne Mitchell

Jennifer Anne Mitchell works in media and the arts in Washington, D.C. Her words can be found in Washington City Paper, The DC Line, National Geographic, and Craft Quarterly magazine published by the James Renwick Alliance, affiliated with the Smithsonian's Renwick Gallery.