Saúde mental e física de repórteres durante a pandemia de COVID-19

Apr 10, 2020 em Reportagem sobre COVID-19
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O novo coronavírus desafiou as fronteiras geográficas e políticas, infectando mais de 1,5 milhão de pessoas (dados de 10 de abril). Ao contrário de desastres, o impacto de uma pandemia não se limita a um único local ou a um grupo de vítimas, e o potencial de exposição está sempre presente, ainda imprevisível.

A era da COVID-19 trouxe uma série de novas normas: distanciamento social, trabalho em casa, fechamento de escolas e happy hours virtuais, para citar alguns. Os jornalistas não estão isentos dessas mudanças. Enquanto muitas coisas estão desacelerando, o ciclo de notícias em constante mudança continua.

Todas essas mudanças tornam as reportagens mais complicadas e afetam a saúde emocional e física dos jornalistas.

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Agendas lotadas ou vazias

A repórter de saúde experiente Heather Mongilio, que trabalha para o Frederick News-Post em Maryland, disse que nunca pensou que estaria cobrindo algo parecido com a COVID-19.

Em apenas duas semanas de cobertura do vírus, Mongilio trabalhou quase 95 horas, com média de turnos de 10 horas por dia.

"Não há um fim à vista, não conseguimos fazer uma pausa", disse Mongilio. "Não sei se vou cobrir isso no próximo mês, nos próximos dois meses [ou] até dezembro. Não sei se isso vai diminuir a velocidade ou se vou trabalhar constantemente nesses turnos de 10 horas, com esperança de dar conta de tudo."

Enquanto isso, Evan Hill, jornalista da equipe de investigações visuais do New York Times, estava em uma viagem de reportagem quando o comércio nos EUA começou a fechar. Depois de reportar no noroeste da Síria, Hill voltou para casa com um horário de trabalho totalmente diferente.

Embora com desafios, a experiência de Hill no exterior oferece alguma perspectiva sobre o ambiente ao qual ele retornou. Trabalhar de casa é um grande luxo para os repórteres em ambientes estáveis, disse ele, em comparação com pessoas que vivem em zonas de conflito como Síria e Iêmen, onde as pessoas não têm o luxo de fazer homeoffice ou encomendar mercadorias da Amazon e entrega de supermercado.

“Embora seja mentalmente estressante para todos nós nos distanciarmos socialmente de amigos e familiares e ficar em casa a maior parte do dia, é realmente um luxo poder configurar uma boa estação de trabalho em seu quarto, sua sala de estar ou na sua cozinha, beber seu café e comprar coisas online”, ele disse.

Mudanças digitais

Além de reportagens, Mongilio também apresenta o podcast do Frederick News-Post, Frederick Uncut. Apresentar um podcast em quarentena criou desafios como descobrir como usar telefonemas em vez de convidados em pessoa, mantendo a qualidade do áudio e como criar um estúdio improvisado em casa.

"Também faço muito mais reportagens por e-mail que normalmente não faria", disse Mongilio. “Em circunstâncias normais, você sempre faz a entrevista pessoalmente. Se você não podia fazer isso, fazia uma entrevista por telefone. Agora é por e-mail."

Hill expressou sua própria preocupação sobre como a equipe de investigações visuais lidaria com um novo fluxo de trabalho.

"Isso muda a maneira como nos comunicamos, muda a maneira como editamos os vídeos, altera o fluxo do nosso trabalho em equipe e muda nossa capacidade de colaborar", disse Hill. "Não podemos mais sentar e editar as coisas juntos, ver as cenas ao mesmo tempo e fazer julgamentos editoriais em tempo real quando estamos editando vídeos, o que é difícil."

[Leia mais: O que fazer ou não ao informar sobre coronavírus]

Saúde física

Não é apenas a mudança de horários que está criando desafios para os repórteres. A sempre presente ameaça de doença também afeta o trabalho, principalmente quando tentam cobrir notícias relacionadas à doença em suas comunidades.

Mongilio reportou em um centro de testes drive-through no Frederick Health Hospital em meados de março. Para fazer isso, ela e sua equipe estacionaram do outro lado da rua.

“Estávamos tirando fotos e observando, mas quando meus editores disseram 'vá direto à notícia', houve um momento em que eu fiquei tipo 'bem, você quer que eu converse com alguém que está sendo testado?'”, disse Mongilio. "Eu tenho asma e não quero me arriscar, o que é algo que eu nunca tive que considerar ao fazer uma reportagem."

Ela decidiu manter distância e permaneceu do outro lado da rua. O fotógrafo que a acompanhava, no entanto, se aproximou de pessoas e encontrou alguém que estava disposto a falar com ela por telefone.

(Nota do editor: os jornalistas devem pensar em sua própria segurança em campo e tomar precauções. A IJNet publicou um artigo com dicas sobre como os jornalistas podem se proteger durante a pandemia de COVID-19 e mais conteúdo de COVID-19 pode ser encontrado aqui.)

Saúde mental

O estresse relacionado ao trabalho não é novo para jornalistas como Hill, com experiência em zonas de conflito, mas o estresse é diferente, disse ele.

"Indo de um ambiente razoavelmente estressante, mas estressante, porque você está em uma zona de conflito, e retornando a um ambiente em que não tem nada a fazer além de sentar e remoer essas preocupações-- realmente se torna um tipo totalmente diferente de estresse mental, mais prolongado e sem rumo”, disse Hill.

Sem poder sair, jornalistas precisam ser criativos sobre como se atualizam sobre o que está acontecendo. Sua dependência de redes sociais significa que são constantemente bombardeados por informações, o que pode ser prejudicial.

"Como jornalista, você deve consumir notícias o dia inteiro, o que significa estar conectado à mangueira de incêndio do Twitter", disse ele. "É como colocar o rosto no reator de Chernobyl e ficar olhando a radiação por 10 a 12 horas por dia, porque você está sentado em casa."

Durante um webinário de repórteres e editores investigativos, Al Tompkins, do Poynter, disse que sua maior preocupação é que os jornalistas não passem tempo suficiente relaxando fora do trabalho. A maioria das pessoas checa seus telefones antes de adormecer, às vezes no meio da noite e, geralmente, assim que acordam, disse ele, o que gera estresse e desgaste.

Além do estresse profissional, Mongilio expressou que também se preocupa com a avó de 80 anos, sua mãe que continua trabalhando como enfermeira e sua irmã.

"No começo, era muito mais fácil ficar [na história] e apenas continuar reportando", disse Mongilio. "Quando você entrou em contato pela primeira vez, eu estava me sentindo ótima porque estava muito focada em reportar, não estava pensando em mais nada. Agora que estamos conversando, eu realmente percebi que estou mais preocupada."

Estratégias de enfrentamento

"Você é mais cuidadoso com sua cafeteira do que com você mesmo", disse Tompkins durante o webinário. “Pelo menos você desliga a cafeteira quando não está em uso. Você precisa desconectar conscientemente da cobertura de notícias durante uma parte programada do dia.”

Mangilio e Hill disseram que estão tentando criar um equilíbrio saudável entre trabalho e vida implementando novos mecanismos de enfrentamento, mas ainda não encontraram o equilíbrio perfeito.

Hill tenta passar pelo menos uma hora por dia se exercitando, lendo, correndo para o supermercado ou fazendo alguma outra atividade recreativa. Da mesma forma, Mangilio disse que, quando chega em casa, tenta fazer algo para relaxar.

Também é importante trazer seus colegas ao tentar criar um relacionamento saudável no seu trabalho. Mongilio disse que tem editores que pararam para perguntar como ela está.

"Eles sempre foram muito cuidadosos com o excesso de trabalho e garantimos que a carga de trabalho seja distribuída, então acho que eles estão fazendo o melhor que podem", disse Mongilio.

Mas Tompkins alertou contra esperar que seu chefe chegue até você. "Não espere que seu chefe pergunte se você precisa de uma folga", disse ele no webinário. "Especialmente enquanto trabalhamos remotamente, o chefe pode não ter ideia de como você está."

Recursos adicionais para apoiar jornalistas durante a pandemia:


O Fórum Global de Reportagem sobre a Crise de Saúde do ICFJ conecta jornalistas que cobrem a nova pandemia de coronavírus com os recursos, colegas jornalistas e principais especialistas em saúde. Saiba mais e participe do Fórum através do grupo no Facebook. Os jornalistas podem usar essas declarações em suas matérias.

Imagem sob licença CC no Unsplash via Gabriel Benois