Repensando o jornalismo pela perspectiva da cobertura de povos indígenas

Apr 6, 2022 em Diversidade e Inclusão
Indigenous community

E se pensássemos o jornalismo e o jeito de fazer reportagem de um ponto de vista diferente? Se o abordássemos como uma construção coletiva, na qual diferentes tópicos se juntam para construir algo novo?

"Estamos tecendo uma cesta de abundância e de sabedoria. Estamos tecendo uma comunidade a partir do ponto de vista e dos sentimentos dos territórios", diz Cindy Amalec Laulate Castillo, indígena Ticuna, da Colômbia, referindo-se ao trabalho que ela faz na Red Tejiendo Historias, como parte da rede colaborativa de conteúdo Agenda Propia.

Como Laulate Castillo, os veículos e redações indígenas que colaboram com povos indígenas oferecem perspectivas únicas sobre como produzir reportagens sobre seus povos e como fazer jornalismo em geral.

Eu conversei com quatro veículos da América Latina para saber mais sobre suas experiências na cobertura de povos indígenas. Na sequência estão algumas de suas ideias para repensar como cobrimos o assunto, como nos relacionamos com nossas fontes e como chegar até as pessoas sobre as quais escrevemos.

Abrindo espaço para as vozes dos povos indígenas

Quando a Agenda Propia nasceu, ela cobria o conflito armado que afetava os povos indígenas na região colombiana de Cauca do mesmo jeito que muitos outros veículos, diz a fundadora Edilma Prada. "Mas a inclusão de vozes indígenas nas matérias era muito tímida e havia uma demanda histórica dos povos indígenas para que a narrativa sobre eles fosse diferente", explica.

Então, a Agenda Propia reconsiderou sua abordagem. "A ideia foi começar a produzir junto com os indígenas e mudar a agenda sobre iniciativas de resistência e paz desses povos."

Comunicadores, editores e designers indígenas foram convidados para fazer parte da equipe e contar suas próprias histórias. Entre outros esforços, eles têm o objetivo de incluir na cobertura vozes de mulheres e crianças indígenas e não apenas os líderes. 

Dedicar tempo para entender o contexto

Jaime Armendariz, fundador do veículo Raíchali ("palavra" em Rarámuri), que cobre os povos indígenas e direitos humanos no estado mexicano de Chihuahua, explica como a redação mudou sua abordagem quando Carlos Fierro, jornalista do povo Rarámuri, entrou na equipe.

"Antes de começar a cobrir uma questão, precisamos chegar e ficar algum tempo com a comunidade para que as pessoas possam nos conhecer, confiar em nós e se abrirem para falar do que está acontecendo lá", diz Armendariz. "Como jornalistas, às vezes chegamos prontos para cobrir um assunto, mas baseados nas crenças que temos, na nossa educação. Nem sempre isso é o melhor, porque a gente pode não estar entendendo a cosmovisão das comunidades indígenas." Segundo Armendariz, graças a Fierro essa prática mudou a forma como eles se relacionam com as fontes de suas matérias.

Enquanto isso, a Agenda Propia realiza "círculos da palavra", nos quais jornalistas se encontram com membros das comunidades indígenas para aprender mais sobre o contexto local e seus problemas antes de começar um projeto. "Ouvimos os outros, ouvimos o território, ouvimos uns aos outros", diz Paola Jinneth Silva Melo, coordenadora da Red Tejiendo Historias.

Trabalhando com jornalistas locais

O site Ruda foi criado para destacar vozes de mulheres indígenas da Guatemala, com uma abordagem de jornalismo comunitário. "É um tipo de jornalismo feito diariamente por pessoas que estão próximas dos problemas; elas documentam o que acontece com ajuda da internet e podem publicar ou compartilhar com outros veículos informação sobre o que está acontecendo em suas comunidades", diz Andrea Rodriguez, jornalista e pesquisadora do Ruda. "A pessoa está fazendo reportagem, mas também é parte da comunidade. Ela vive a situação sobre a qual está informando."

Os editores que ficam na redação na Cidade da Guatemala ajustam e publicam as matérias, mas a parte central das reportagens é criada nas comunidades. "Não é só a voz do repórter, é a voz da comunidade", diz a coordenadora Marta Karina Fuentes

Repensando formatos e distribuição

Fazer reportagens em e para comunidades indígenas não se limita a repensar o conteúdo, mas também o formato. Quando a equipe do Raíchali criou o site, por exemplo, eles queriam compartilhar alguns dos textos em Rarámuri. Mas depois de fazer uma pesquisa para entender melhor os Rarámuris, para saber em qual tipo de notícia eles estavam interessados e como queriam que suas histórias fossem contadas, eles mudaram de ideia.

Muitos falantes do Rarámuri não sabem a ler a língua, por isso matérias em áudio ou vídeo em seu próprio idioma dariam mais certo, diz Armendariz. No começo da pandemia de COVID-19, o Raíchali fez um podcast sobre como o vírus estava afetando o povo Rarámuri e as medidas de prevenção implementadas pelo governo. O podcast foi uma das poucas fontes de informação em seu próprio idioma.

Aprendendo a partir de interações com a comunidade, o Raíchali também começou a explorar mais formatos visuais, como mapas e bordados, como parte dos esforços de reportagem. 

Reconhecendo o seu lugar

Laura Quispe Perez se inspirou a lançar a Telesisa a partir de sua própria experiência de reivindicação de sua identidade indígena ao viver na Argentina. Ela e muitos outros colegas indígenas se organizaram para "criar conteúdo a partir de sua própria perspectiva: antirracista, com identidade indígena e antipatriarcal", diz.

"O jornalismo da perspectiva indígena é a atividade de gerar informação com a voz das pessoas que se reconhecem com seus povos nativos ou nação", diz Quispe Perez. É a partir desse lugar que eles se abrem e contam suas próprias histórias.

"Fazer jornalismo da perspectiva indígena é um comprometimento, uma responsabilidade. É entender que essa é uma posição disputada: não há muitas pessoas indígenas produzindo informação", diz Ketzali Awalb'iitz Pérez Pérez, do Ruda. "É por isso que para nós é importante estabelecer claramente o lugar de onde estamos informando, para que as pessoas possam entender como vamos contar nossas histórias ou documentar o que acontece nos territórios — nós vamos colocar pessoas indígenas como sujeitos políticos e narrativos."


Imagem principal: Raúl Fernando Pérez.