Há pouco mais de um ano, uma nova publicação chamada HumAngle tem dedicado seus recursos à cobertura de conflitos, migração e questões humanitárias na Nigéria e na região da África Ocidental.
Fundada no início da pandemia, em março de 2020, por dois jornalistas nigerianos, Obiora Chukwumba e Ahmad Salkida, a redação tem feito reportagens sobre o sofrimento de pessoas desterritorializadas, insegurança no nordeste da Nigéria em razão do Boko Haram e organizações que trabalham na linha de frente para reagir a essas questões.
"Nossa trajetória nesse campo é um trabalho pioneiro porque esta é a primeira vez na Nigéria e na África Ocidental que uma grande plataforma dedica toda a sua perspectiva e recursos para cobrir insegurança e questões humanitárias", diz Chukwumba. "Com seis meses de funcionamento, nós cobrimos a situação no nordeste da Nigéria como terrorismo e não como bandidagem. Nós fizemos um editorial e demos exemplos e informação inteligente."
Dois meses depois, Chukwumba disse que o Departamento de Estado dos Estados Unidos corroborou com a reportagem do HumAngle. "Eu acho que este é um marco importante para uma plataforma que mal tinha seis meses de existência quando isso aconteceu. As reportagens publicadas pelo HumAngle têm sido uma espécie de guia para agentes e diplomatas dentro da comunidade diplomática", ele afirma.
[Leia mais: Instituto em Uganda muda o jornalismo investigativo na África]
Antes do lançamento, ainda em 2017, Chukwumba e Salkida conversaram sobre começar um meio de comunicação que focaria em insegurança, crise, violência, sequestros, insurgências, desterritorialização e questões humanitárias pelo país. "Alguém precisa constantemente fazer um retrato do que essas questões significam e fazer uma conexão com as vozes das vítimas para que a gente tenha uma percepção de onde estamos como nação. Isso é uma parte do que temos feito", explica Chukwumba.
A abordagem do HumAngle foca não apenas em reportar estatísticas ou acontecimentos, mas em incluir as vozes e perspectivas das vítimas do conflito, ele acrescenta. "Isso é único no HumAngle e diferencia o veículo como uma plataforma com credibilidade."
O trabalho do HumAngle é reconhecido dentro das comunidades humanitárias. Devido à cobertura feita, organizações como a Open Society Initiative for West Africa entrou em contato para discutir como as redações podem cobrir melhor a pandemia, de acordo com Chukwumba. "Quando surgimos, nosso trabalho se mostrou extraordinário. Os marcos e as entregas que fizemos estavam muito à frente de outros meios de comunicação que fizeram parte do projeto", ele diz.
O HumAngle também recebeu recursos do African Transitional Justice Group para fazer reportagens sobre justiça de transição relacionada à insurgência do Boko Haram no nordeste da Nigéria. Desde que a insurgência começou em 2009, mais de 30 mil pessoas foram mortas e mais de dois milhões tiveram que deixar a região.
"Insegurança e crises se tornaram uma ameaça para a Nigéria e para a totalidade do conceito de nacionalidade", afirma Chukwumba. "É uma ameaça grave e surpreendentemente foram poucos os meios de comunicação do país que deram atenção de verdade para isso ou interpretaram a situação como ela realmente é."
[Leia mais: Como o jornalismo de qualidade pode ajudar populações migrantes durante a pandemia]
Ele acrescenta que o trabalho duro e o comprometimento da equipe contribui para o sucesso crescente na cobertura de insegurança e questões humanitárias. "Muitos dos nossos repórteres eram na verdade iniciantes. Mas nós os treinamos para que tivessem o nível que todos querem associar ao tipo de jornalismo que estamos fazendo na Nigéria. É algo novo, mas é também sério e com credibilidade."
O governo, porém, criticou o HumAngle por produzir o que chamou de "jornalismo do apocalipse".
"Primeiramente, nós não poderíamos fazer uma cobertura apocalíptica se não tivesse um apocalipse acontecendo", observa Chukwumba. "Ninguém que disse que fazemos jornalismo do apocalipse conseguiu provar que nossas reportagens são falsas ou sem credibilidade. É importante que a gente defina de maneira apropriada o que está ameaçando a existência da Nigéria e, ao fazer isso, dar voz às vítimas."
Ao mesmo tempo, a publicação precisou lidar com a COVID-19 e lockdowns no país para fazer o seu trabalho. Os desafios impostos pela pandemia foram ainda mais exacerbados pelas difíceis condições enfrentadas pela mídia na Nigéria. A visão única e pioneira do HumAngle ajudou a suportar os obstáculos e, como resultado, atraiu atenção local e internacional. "Foi turbulento para nós e mudou alguns dos nossos planos, mas não alterou a visão na qual acreditamos. Mantivemos nossos planos estratégicos e saímos mais fortes e confiantes", ele conta.
Nos próximos cinco anos, Chukwumba disse que o HumAngle espera estabelecer um impacto forte em toda a África. Isso inclui lançar uma edição em francês para atingir a audiência francófona do país.
Isso é importante porque o impacto da insegurança não está limitado à Nigéria. É uma realidade preocupante no Mali, em Moçambique, Camarões, no Níger e na República Centro-Africana, entre outros países no continente, afirma Chukwumba, acrescentando que eles também estão tentando criar a HumAngle Foundation, um braço sem fins lucrativos que vai focar no ecossistema de mídia, nos desafios enfrentados por repórteres que trabalham com crises e conflitos e como isso afeta a prática do jornalismo.
O HumAngle também pretende lançar uma gama ampla de informação multimídia, incluindo conteúdo em áudio e vídeo. Recentemente, estreou uma série de podcasts sobre insegurança e insurgência no país.
"Precisamos desenvolver treinamentos, estratégias e sistemas de suporte que tratem dessas situações que prevalecem no nosso meio", afirma Chukwumba.
Patrick Egwu é um jornalista nigeriano baseado em Joanesburgo, onde atualmente é bolsista da Open Society Foundation em reportagem investigativa na Universidade de Witwatersrand. Ele já escreveu para várias publicações, incluindo Foreign Policy, NPR, African Arguments, Daily Maverick e Rest of World.
Foto por James Wiseman no Unsplash.