Alerta: este artigo fala sobre suicídio
Poucos meses após o início da pandemia, uma médica socorrista de Nova York, Dra. Lorna Breen, que ajudou na linha de frente da primeira onda de COVID-19, morreu por suicídio.
A morte dela se tornou um acontecimento relevante que ganhou manchetes pelo país num momento de comoção nacional e mais tarde inspirou um grupo bipartidário de congressistas a introduzir a Lei Dra. Lorna Breen de Proteção aos Profissinais de Saúde, com o objetivo de reduzir e prevenir o suicídio, burnout e implicações na saúde mental de profissionais de saúde.
Apesar de a lei ser crucial para a proteção de trabalhadores de saúde, é importante destacar que a mídia também desempenha um papel significativo na prevenção do suicídio. Embora a morte da Dra. Breen tenha sido importante para atrair atenção para os danos da pandemia sobre a saúde mental de profissionais de saúde, a maneira como foi feita a cobertura do caso pode ter gerado consequências perigosas.
Em um estudo publicado recentemente no periódico The Journal of Crisis Intervention and Suicide Prevention, eu e os co-autores constatamos que os principais meios de comunicação dos Estados Unidos que cobriram a morte da Dra. Breen não fizeram um bom trabalho em seguir as recomendações de melhores práticas para cobertura de suicídio. Baseamos nosso relatório em um estudo similar de 2019 sobre a cobertura das mortes de Kate Spade e Anthony Bourdain e encontramos resultados parecidos.
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Depois de revisar todas as matérias publicadas pelos principais meios de comunicação dos Estados Unidos nos dias que se seguiram à morte da Dra. Breen, constatamos que nenhuma delas cumpria com mais de 10 das 15 diretrizes; alguns textos seguiam apenas 2 de 15. De forma impressionante, apenas 75% dos artigos que examinamos incluíam o número do serviço telefônico nacional de prevenção ao suicídio. E uma linguagem voltada para promover a saúde pública, como compartilhar a ideia de que o suicídio pode ser prevenido conforme orientações de especialistas, foi praticamente inexistente na cobertura.
Essas constatações são significativas — e problemáticas — porque um dos principais riscos trazidos pela cobertura da mídia sobre o suicídio é o contágio. Há muitas pesquisas que mostram como uma cobertura irresponsável pode contribuir para a imitação de suicídios. Por exemplo, em 2018 um estudo mostrou que a taxa de suicídio nos Estados Unidos aumentou em quase 10% nos seis meses que seguiram à amplamente divulgada morte do ator Robin Williams.
Mesmo assim, apesar dessas informações, os meios de comunicação continuam a cobrir a questão do suicídio de forma imprudente e que pode expor tanto os sujeitos quanto os leitores das reportagens a maiores danos.
As Recomedações para Cobertura da Mídia sobre Suicídio foram publicadas em 2011 pelo Dr. Dan Reidenberg, diretor executivo da Suicide Awareness Voices of Education (SAVE), em colaboração com jornalistas e outras partes interessadas. Ao longo da última década, Reidenberg realizou inúmeros treinamentos e webinars nos Estados Unidos e pelo mundo, e frequentemente aconselha jornalistas sobre a melhor maneira de aplicar as recomendações em suas coberturas. Apesar de ele dizer que tem notado um aumento na adesão a algumas das recomendações ao longo do tempo, ainda há bastante espaço para aprimoramento.
"Quando jornalistas escrevem reportagens sobre alguém que morreu por suicídio, eles precisam criar uma narrativa, algo que atraia o leitor", diz Reidenberg. "Obviamente, isso é fácil quando é uma celebridade." Porém, cair na tentação de fazer sensacionalismo com a história pode trazer consequências severas.
A cobertura da morte da Dra. Breen ilustra como os instintos jornalísticos tradicionais podem ir contra o interesse público quando se trata de cobrir suicídio.
Constatamos que o New York Daily News é o mais imprudente, desprezando todas exceto duas diretrizes em ambos os artigos que revisamos. Eles tinham manchetes chamativas, incluíam detalhes específicos sobre a morte e exibiam com destaque fotos da vítima, dentre outras transgressões.
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Enquanto isso, a cobertura do New York Post desobedeceu muitas recomendações em uma única manchete: "Importante médica socorrista de Manhattan comete suicídio abalada pelo ataque violento do coronavírus".
O New York Times também fez uma cobertura irresponsável ao simplificar demais a causa da morte da Dra. Breen e glamourizar o suicídio ao utilizar linguagem sobre heroísmo.
Reidenberg entende que jornalistas não são defensores ou ativistas, mas acredita que, contudo, eles têm o dever de se preocupar em não causar dano desnecessário às suas fontes ou audiência. Por essa razão, ele acha que é importante que os jornalistas se eduquem sobre como algumas das táticas usadas para fazer uma matéria mais envolvente ou com a qual o leitor possa se identificar podem na verdade ser contraproducentes e até mesmo perigosas quando se trata da cobertura de suicídio.
Desde 2015, o guia de redação da AP inclui um tópico sobre suicídio que desestimula reportagens sobre o assunto absolutamente, "a não ser que a pessoa envolvida seja bastante conhecida ou as circunstâncias sejam particularmente incomuns ou disruptivas". Também alerta contra detalhar métodos utilizados e pede cautela com o uso da expressão "cometeu suicídio", uma vez que ela sugere um ato possivelmente ilegal.
As recomendações de Reidenberg vão além da simples prevenção de danos para gerar oportunidades que tragam benefícios. Elas encorajam repórteres a evitarem retratar o suicídio como inexplicável ou tendo uma causa única, e no lugar disso incluir materiais e informações sobre habilidades de enfrentamento, apoio e tratamento para as pessoas que têm pensamentos suicidas.
Há maneiras de cobrir com sensibilidade e precisão uma morte por suicídio sem glamourizar ou recorrer a temas nocivos. Um jeito de fazer isso é ajudar a audiência a entender porque a pessoa morreu ao focar em questões sistêmicas relativas ao treinamento de médicos, a quantidade de horas que eles trabalham e as pressões e demandas sobre eles, especialmente durante uma pandemia.
"Precisamos contar essas histórias, mas temos que contá-las dentro do contexto do que a questão de fato é, e o contexto é o suicídio e o que podemos fazer a respeito", diz Reidenberg. "A maioria das reportagens falham em abordar o que podemos fazer. Elas contam a história da pessoa, da vida dela, do declínio, do que deixaram para trás, mas não incluem 'O que vamos fazer para corrigir o problema?'"
Pelo fato de repórteres não cobrirem suicídio com frequência, eles podem não estar cientes da maneira como a questão precisa de uma abordagem diferente da maioria dos outros tipos de pautas. Porém, à medida que discussões sobre prevenção ao suicídio se tornam mais comuns na sociedade, temos que criar espaço no processo editorial para considerar o papel que os jornalistas desempenham nesse esforço.
A história da Dra. Breen foi importante e as publicações poderiam e deveriam ter feito uma cobertura melhor. Refletir sobre os erros dessas publicações e em suas potenciais consequências graves pode nos ajudar a evitar repeti-los no futuro.
Se você achou esse conteúdo angustiante e difícil de ser discutido, você não está só. Há recursos disponíveis para ajudar. Comece explorando materiais do Dart Center for Journalism and Trauma, e por favor procure ajuda psicológica se necessário.
Esse texto foi originalmente publicado pelo The Objective e republicado na IJNet com permissão.
Klaudia Jaźwińska é repórter e pesquisadora cujo trabalho foca em mídia, tecnologia, trabalho e ética. Ela é bolsista Marshall e do Auschwitz for the Study of Professional Ethics. O trabalho original foi produzido em parceria com Erika Lynn-Green, Adam Beckman e Stephen Latham.
Edição geral por Marlee Baldridge. Edição de texto por Holly Piepenburg.
Foto por Negative Space no Pexels.