Projeto de reportagem colaborativa investiga questões educacionais no Brasil durante COVID-19

Feb 11, 2021 em Reportagem sobre COVID-19
Giz de cera

Quando as escolas no Brasil foram fechadas em março de 2020 devido à pandemia, o sistema educacional estava mal preparado para enfrentar os desafios apresentados pela COVID-19. O fato de que 35 milhões de crianças estavam fora da escola e forçadas a aprender em casa foi apenas a ponta do iceberg.

Em um país do tamanho de um continente com altos níveis de desigualdade social e diferenças regionais, o debate não pode se concentrar apenas na abertura ou fechamento de escolas. Em vez disso, precisa abordar os efeitos complexos e diversos da pandemia sobre as crianças e suas comunidades; a educação é um processo em várias camadas no qual professores, alunos, famílias e comunidades interagem diariamente para moldar seus ambientes. Infelizmente, muitos veículos de comunicação reduzem sua cobertura de educação a um tópico homogêneo e simplificado, sem considerar a região.

Nesse contexto, o projeto brasileiro de reportagem colaborativa e investigativa Lição de Casa tem como missão fornecer uma cobertura mais matizada do assunto. Quinze jornalistas de dez regiões do país fazem parte desse esforço para informar sobre o impacto da COVID-19 na educação.

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Lançado em setembro de 2020, o jornal Lição de Casa tem como objetivo transmitir a natureza multifacetada da crise educacional no Brasil. “As crianças mais novas não estavam recebendo a cobertura certa; todos os alunos se enquadram na mesma categoria quando mencionados na mídia, mas seus desafios são muito diferentes”, disse Lais Martins, uma repórter de São Paulo que trabalha para o Lição de Casa.

A fundadora do projeto, Joana Suarez, explicou a necessidade crítica de uma cobertura jornalística bem feita sobre a educação. Achei que a crise na educação seria tão impactante quanto a crise na saúde, considerando que as crianças e os adolescentes estavam basicamente abandonados em casa há muitos meses”, disse ela. “Em casa, as desigualdades sociais, vulnerabilidades e violações aparecem com bastante frequência, então pensei que nós, como jornalistas, tínhamos que mergulhar mais fundo na questão."

Lição de Casa logo

A primeira série de matérias do Lição de Casa se concentrou nas experiências de crianças do ensino fundamental em escolas públicas em dez regiões diferentes. A série ressaltou o valor de adicionar o contexto apropriado para cada um dos sistemas educacionais específicos. “As comunidades [da Amazônia] passam por problemas diferentes em comparação com as da região Sul. O Lição de Casa se baseia exatamente em rejeitar generalizações e fazer jornalismo de forma a potencializar essas diferenças. Abordá-los da maneira mais precisa e respeitosa é o verdadeiro desafio”, disse Suarez.

Uma dessas histórias é a de uma menina de 5 anos chamada Laura que mora com a mãe e a irmã mais nova na região sul do Rio Grande do Sul, onde não tem acesso a alimentos saudáveis ​​em casa. Outra matéria analisou os problemas enfrentados por alunos que vivem em comunidades rurais da Amazônia, cujos professores entregam e recolhem as tarefas de barco devido à falta de conexão à internet na área. “Essas não seriam suas primeiras preocupações ao pensar em escolas fechadas em todo o país. Por isso, procuramos trazer mais perspectivas para o debate e relatar sobre a educação tendo em conta todo o universo em volta das crianças”, disse Martins.

Construir um projeto de jornalismo colaborativo do zero é uma tarefa exigente. Os fundadores do Lição de Casa precisavam primeiro identificar uma lacuna no conhecimento público e, em seguida, construir uma audiência para torná-lo financeiramente viável.

“Temos experimentado muitos formatos. Escrevemos contos, fazemos um podcast e colaboramos com artistas como Pablito Aguiar, do Sul, que fez os desenhos de cada criança da primeira série de contos, e Gabriela Güllich, jornalista gráfica paraibana, que produziu uma história em quadrinhos de uma professora do estado”, disse Martins.

O Lição de Casa também divulga seu trabalho por meio de parcerias como a que tem com o Projeto #Colabora, um projeto de mídia independente com foco em sustentabilidade, para ajudá-los a atingir um público mais amplo.

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Em se tratando de sustentabilidade financeira, os projetos colaborativos costumam sobreviver com doações e campanhas de crowdfunding. O Lição de Casais não é exceção: “Quando lançamos o projeto, fizemos uma campanha de crowdfunding e atingimos o primeiro objetivo, mas foi muito difícil. O duro é que não há muitas pessoas dispostas a pagar pelo jornalismo”, disse Martins. Os subsídios que apoiam editorias específicas também são uma boa oportunidade para coletar fundos. O Lição de Casa recebeu recentemente uma bolsa de reportagem educacional da Associação Brasileira de Jornalistas de Educação (Jeduca). “Ser selecionado para a bolsa... foi uma boa validação de que estamos fazendo algo importante”, disse Martins.

Trabalhar junto com outros jornalistas pode ser estimulante e ajudar a desconstruir o próprio pensamento e ampliar as perspectivas. Também pode ser estressante e difícil de coordenar. Suarez e sua equipe usam o Google Drive para compartilhar notas e editar matérias, e eles têm um grupo no WhatsApp onde se comunicam diariamente e se atualizam sobre suas investigações. Mais recentemente, eles começaram a usar o Trello para organizar tarefas e garantir que cumpram o prazo.

Em um campo profissional que se tornou cada vez mais competitivo ao longo dos anos, trazer de volta o valor da colaboração e do conhecimento compartilhado pode ajudar a construir um ambiente melhor e mais rico no setor da mídia. “Acho que um projeto colaborativo de sucesso consegue reunir uma equipe diversificada em muitos aspectos: gênero, raça, regionalidade e especialização, para que as pessoas se complementem”, disse Suarez. “Além disso, é importante [que] os jornalistas sejam honestos sobre o compromisso e o tempo que podem dedicar ao projeto, [mesmo] quando não há retorno. É tudo uma questão de alinhar expectativas e encontrar maneiras de torná-lo sustentável."

Para Martins, a missão é clara: garantir que eles continuem a produzir reportagens abrangentes sobre a questão crítica da educação. “Começamos sem saber quanto tempo o projeto duraria, mas agora estamos todos alinhados com a ideia de que enquanto houver impactos da pandemia na educação e nas crianças, queremos estar lá para documentá-los”, ela disse.


Giorgia Macrelli é uma jornalista freelance apaixonada por educação, jornalismo construtivo e desenvolvimento comunitário.

Imagem sob licença CC no Unsplash via Aaron Burden

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