Desde que a premiada jornalista de origem americana e nigeriana Chika Oduah começou a exercer o jornalismo, ela busca cobrir a África com mais nuance. Isso se mostrou ser mais desafiador do que ela esperava.
"Eu queria fazer a diferença sendo uma jornalista trabalhando para veículos da mídia ocidental", diz. "Mas eu percebi que há um limite para aquilo que você pode fazer como uma jornalista consciente que trabalha para a mídia ocidental porque normalmente os grandes veículos querem matérias simplistas que não retratam as nuances da realidade na África."
Ao longo de sua carreira, Oduah testemunhou como a África é normalmente retratada como um lugar cheio de negatividade, doenças e tragédias. "Eu sou jornalista há cerca de 20 anos e nesse período eu percebi que há normalmente uma narrativa que os veículos de mídia ocidental mantêm ao cobrirem a África."
Determinada a contestar essas narrativas, em junho de 2023 Oduah lançou a plataforma Zikora Media and Arts. "[No idioma igbo], Zikora significa mostrar ao mundo, e se dedicar a mostrar ao mundo, o que significa ser assumidamente africano", diz.
As categorias criativas do Zikora
O Zikora trabalha com seis categorias criativas, também chamadas de ramificações, para cumprir com seus objetivos editoriais. São elas: artes literárias, artes cênicas, uma iniciativa chamada "The Collective Tree" (A Árvore Coletiva), eventos, cinema e TV e jornalismo.
Para o foco nas artes literárias, o Zikora convida poetas a escreverem sobre a rica herança cultural e história da África. Essa categoria, que ainda está sendo desenvolvida, reconhece o poder da palavra escrita e sua capacidade de assegurar a preservação e valorização de histórias africanas.
"Eu acredito que artes e narrativas são ferramentas que podemos usar para elevar a posição da África na arena geopolítica global", diz. "Nós precisamos chegar ao topo e moldar a África de hoje e de amanhã. Nós não ignoramos os desafios, mas falamos sobre eles de uma forma inspiradora."
A categoria de artes cênicas exibe arte criada por meio de movimentos como a dança, que é parte da herança da África. Sob essa categoria, a plataforma tem uma parceria com a Bakalama Danse, premiada companhia de dança senegalesa, para oferecer aulas de dança tradicional do oeste da África semanalmente em Dakar, no Senegal.
"Pra mim, trata-se de combinar a arte com o jornalismo porque muitos africanos estão muito empenhados em vê-los se apropriando de seu lugar na mídia", diz Oduah. "Muitos africanos estão cientes de como eles têm sido retratados e estão ávidos para corrigir esses erros."
A categoria The Collectiva Tree reúne cineastas, artistas visuais, dançarinos, poetas, escultores, escritores e outros artistas para que juntos se apoiem uns aos outros por meio do compartilhamento de oportunidades de carreira e experiências de aprendizado sobre como melhorar seu ofício.
Nas categorias de cinema e TV, o Zikora aproveita o poder das imagens em movimento e do cinema para exibir a cultura e história do continente.
Oduah e sua equipe estão produzindo no momento o primeiro filme do Zikora, chamado Looking for Boko Haram (Em busca do Boko Haram, em tradução livre), que será lançado em 2025. O filme foca na guerra em curso do Boko Haram no nordeste da Nigéria, destacando a beleza e a coragem das pessoas da região, em vez da miséria e do conflito.
O jornalismo
O Zikora tem dois projetos sob a categoria de jornalismo: Diáspora e Memórias da Guerra de Biafra, um arquivo digital com relatos em primeira mão da Guerra Civil Nigeriana, também conhecida como Guerra de Biafra.
O projeto de memórias da guerra conta histórias de pessoas que viveram o conflito, que ocorreu entre 1967 e 1970. Já o projeto Diáspora inclui fotos, ensaios pessoais e poemas que exploram a identidade multicultural dos africanos que vivem fora do continente.
"As pessoas escrevem suas próprias histórias e nós só ajudamos a dar forma a elas", diz Oduah. "Isso dá a elas um senso de orgulho. O racismo é um tema comum nessas histórias, mas temas sobre socialização, casamento e expectativas culturais também são explorados."
Por exemplo, um engenheiro elétrico togolês que vive em Portland, no Oregon, escreveu uma história sobre sua experiência nos Estados Unidos sem ter amigos no país. Em outra história, uma especialista em comunicação corporativa que trabalha na Amazon em Seattle escreveu sobre como ela está ensinando aos seus filhos o bambara, idioma falado no Mali, para ajudá-los a se sentirem conectados com sua terra natal. No ano passado, um consultor de ciência de dados e empreendedor radicado em Montreal escreveu sobre a discriminação que ele enfrentou durante sua infância em Washington, D.C.
"Círculos"
O Zikora também realiza "círculos" ou encontros que reúnem líderes, artistas, líderes comunitários, estudantes e outros profissionais para celebrar a arte e cultura da África. Durante os eventos, os participantes discutem ideias sobre como criar um impacto positivo no continente.
"Há mais do que nunca a necessidade de não só contar adequadamente histórias africanas para além de golpes, fome, desafios de segurança e assistência à saúde ruim, mas também para o desenvolvimento e para contar a rica história, cultura e trajetórias ascendentes do continente", diz Buchi Onyegbule, um dos participantes do evento.
Estes encontros são criados para dar destaque a histórias pouco contadas sobre a África que mostram as diversas perspectivas do continente, explica Cynthia Butare, diretora da rede africana francófona da Zikora. "Trata-se de assegurar que a nossa plataforma reflita a rica diversidade de histórias na África", diz. "Por meio do trabalho em conjunto com outros diretores, nosso objetivo é manter a autenticidade e a relevância da narrativa do Zikora."
O futuro
O Zikora ainda não completou um ano, mas Oduah e sua equipe já estão fazendo planos de expansão.
"Nós pretendemos fazer mais filmes e vendê-los para grandes plataformas de streaming, como Amazon e Netflix", diz Oduah. "Nós também vamos colaborar com artistas em todo o coletivo por meio do projeto The Collective Tree. Queremos ter uma base de dados de diferentes tipos de artistas, que também vão formar uma rede de apoio."
Odyuah também espera começar a distribuir uma revista imprensa pelo mundo. O produto vai se basear em histórias da categoria Diáspora e será publicado duas vezes no ano.
"Queremos contar histórias que representem a realidade da África de uma forma que não haja uma agenda negativa", diz Oduah. "Há um novo despertar de consciência sobre a necessidade de sermos donos de nossa própria história e determinar nosso futuro [...] nós precisamos identificar aquilo que valorizamos e rejeitamos como africanos."