O número de usuários da internet na África do Sul quase dobrou na última década. Um estudo de 2023 feito com 45 países desenvolvidos sugere que os sul-africanos estão, inclusive, na liderança mundial da quantidade de tempo gasto em frente a telas, o equivalente a 58,2% do dia.
A transformação digital tem implicações significativas para a mídia do país, particularmente para as redações que querem engajar audiências online em uma época em que a produção de notícias evoluiu para uma maior participação dos cidadãos e da sociedade civil. Cada vez mais, as pessoas estão contribuindo com o trabalho da mídia.
Durante manifestações, por exemplo, veículos muitas vezes convidam pessoas no local para usar grupos de WhatsApp para compartilhar observações, imagens ou vídeos. Os conteúdos são verificados e incorporados à cobertura jornalística (inclusive, o WhatsApp se tornou a plataforma social mais popular da África do Sul em 2022).
Essa mudança está no coração do nosso estudo recente sobre radiodifusão e mídia comunitária. Nós analisamos duas estações de rádio comunitária – Zibonele FM e Bush Radio – da província de Cabo Ocidental. Queríamos saber como as plataformas de redes sociais como Facebook e X estão moldando a forma como os jovens interagem com as rádios e como as emissoras estão se adaptando para chegar até essa audiência online.
Nós descobrimos que as emissoras adotaram as redes sociais e estão usando-as ativamente para moldar seu conteúdo. Jovens estão cada vez mais participando do jornalismo cidadão para influenciar esse conteúdo.
Isso pode manter a relevância do rádio comunitário – e isso é importante. A África do Sul abriga mais de 290 rádios comunitárias, excedendo de longe as 41 rádios comerciais e públicas. As rádios comunitárias surgiram com a democracia na África do Sul, nos anos 1990, oferecendo uma plataforma para vozes alternativas e organizações locais, conseguindo tratar de questões muitas vezes desprezadas pela grande mídia.
As emissoras
A Zibonele FM e a Bush Radio se destacaram no nosso estudo. Isso se deve ao seu conteúdo focado nos jovens, transmissões em vários idiomas, segmentos diversos de audiência e uso robusto de tecnologias digitais na produção de notícias e na programação.
A Zibonele FM tem sede em Khayelitsha, uma township (território habitado por populações negras ou de origem não europeia desenvolvido sob o Apartheid) na periferia da Cidade do Cabo. A emissora transmite principalmente em xhosa, o idioma local.
A Bush Radio é uma das mais antigas e mais influentes rádios comunitárias do país. Criada em 1992, ela desempenhou um papel na configuração da vida pós-apartheid na Cidade do Cabo. O Apartheid foi um sistema de governo de minoria branca que suprimiu as vozes negras. A Bush Radio deu uma plataforma para vozes e perspectivas que eram muitas vezes marginalizadas pela grande mídia.
Dados de junho de 2023 indicam que a Zibonele FM tem 189.000 ouvintes diários. A Bush Radio atrai 49.000 ouvintes. A média diária de ouvintes de rádios comunitárias no Cabo Ocidental é de 29.000.
O estudo
Nós realizamos entrevistas aprofundadas com diretores, produtores e jornalistas dessas duas emissoras. Além disso, estudamos as postagens dessas rádios no X e no Facebook e analisamos o conteúdo da programação.
Queríamos ver se as redes sociais moldavam a programação voltada para os jovens na Zibonele FM e na Bush Radio. Embora o escopo do estudo seja pequeno, ele oferece informações valiosas sobre a transformação digital na produção de notícias nas rádios comunitárias sul-africanas.
Nós descobrimos que os ouvintes jovens da Zibonele FM e da Bush Radio participavam ativamente do processo noticioso das rádios, principalmente quando as emissoras adaptavam as notícias para atrair esse segmento. O diretor de uma das rádios explicou: "ganhamos muitos seguidores, o que mostra que as pessoas são atraídas pelos apresentadores jovens nas redes sociais. Muitos engajam com nossos vídeos ao vivo e conteúdo interativo, validando seu envolvimento ativo na definição da produção de notícias e no direcionamento do conteúdo. Isso reforça nosso papel como polo comunitário central".
Nossa análise de dados revelou que o público jovem no X e no Facebook usa essas plataformas para cobrar responsabilidade dos jornalistas, forçando-os a reavaliar seu trabalho de reportagem. Um produtor disse: "qualquer erro leva a correções imediatas. Essa prudência melhora a qualidade e precisão do nosso conteúdo, beneficiando-se do retorno dos nossos seguidores nas redes sociais".
Os participantes do nosso estudo ressaltaram a importância de áudios do WhatsApp como um recurso de rede social que permitiu maior engajamento do público jovem, que está ativamente configurando o processo de produção de conteúdo por meio do envio de áudios. Essa mudança diminui o poder tradicionalmente detido por apresentadores e produtores. Um produtor disse: "quando entrevistamos convidados, informamos à audiência que temos uma pergunta, e as pessoas engajam ativamente com ela. Durante as entrevistas, encorajamos os jovens a enviar áudio, e os entrevistados respondem. Essa prática nos permite incorporar vozes diversas na transmissão, pois as pessoas muitas vezes preferem enviar áudio, às vezes no formato de perguntas".
Nossa pesquisa ressalta como a Zibonele FM e a Bush Radio empoderaram jovens ouvintes para engajar com jornalistas ativamente. Isso permite ao público questionar e desafiar o conteúdo jornalístico.
Os diretores das rádios relataram aumento do engajamento nas redes sociais, reforçando a eficácia dessas estratégias para expandir o alcance e melhorar a participação da audiência. O público jovem, por sua vez, também usa as redes sociais para cobrar responsabilidade dos jornalistas, fomentando uma cultura de transparência e confiança.
Por que isso é importante
Os desafios enfrentados pelas rádios comunitárias sul-africanas, como alcance e recursos limitados, também estão bem documentados.
Por muito tempo, acadêmicos vêm observando que o jornalismo está passando por mudanças por causa das redes sociais.
As redes sociais, como visto no nosso estudo, podem ter um impacto significativo no futuro da programação e produção de notícias no rádio. Isso pode levar a uma mudança dinâmica em direção a uma programação mais interativa e impulsionada pela comunidade, o que sustentaria as rádios comunitárias e melhoraria o papel delas como uma fonte vital de vozes alternativas, perspectivas diversas e engajamento local.
Sisanda Nkoala é professora titular na Universidade da África do Sul; Blessing Makwambeni é professor titular de ciência da comunicação na Universidade de Tecnologia da Península do Cabo; e Trust Matsilele é professor de jornalismo na Universidade de Tecnologia da Península do Cabo. John Bulani é coautor do estudo.
Este artigo foi publicado originalmente no The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia aqui o artigo original.
Foto por Angelo Moleele via Unsplash.