A confiança no jornalismo atingiu o nível mais baixo da história, o engajamento está em declínio e as perspectivas para os negócios do setor são incertas, na melhor das hipóteses. A questão é se você acha que essa situação é inevitável ou se acredita que as coisas poderiam ser melhores. Eu me incluo na segunda opção.
Há três meses eu escrevi que acredito que o jornalismo que conhecemos não pode ser salvo, mas que podemos reinventá-lo. Somente imaginando novas soluções e criando novos produtos que os usuários de fato querem.
Reinventar algo te força a encarar algumas questões duras e verdades ainda mais duras. Por sorte, ao longo da minha carreira, eu sempre admirei o modo como as pessoas que trabalham com jornalismo não têm medo de mergulhar neste nível de autorreflexão. Eu ouso dizer que isto é algo até que nós abraçamos, provavelmente porque fazer perguntas difíceis é parte da definição do trabalho de um jornalista.
Por isso eu decidi reunir um grupo pequeno de pessoas da minha rede para ver o que poderíamos fazer juntos para colocar essa mudança e essa reinvenção em movimento. Eu os chamo de Alquimistas das Notícias, em função da habilidade de criar ideias e soluções originais, tal como os alquimistas trabalhavam para transformar metais comuns em ouro.
Com os Alquimistas das Notícias, nosso objetivo é articular uma visão para a mudança no jornalismo e defendê-la, a fim de tornar o jornalismo mais centrado no usuário, e como resultado, mais igualitário e sustentável.
Nós nos reunimos virtualmente duas vezes nas últimas semanas para elaborar nossa teoria de mudança e tentar identificar por onde podemos começar a mover a roda da mudança. O primeiro impulso é o mais difícil de todos, mas nós acreditamos que um futuro mais promissor para o jornalismo é possível.
Abaixo conto o que aprendi até o momento com nossas conversas e algumas questões que pretendemos explorar nos próximos meses.
Reconectando-nos com a nossa missão
Nós acreditamos que a mudança só pode começar com uma mudança de mentalidade voltada para o que descrevo como extrema centralidade do usuário. Isso significa criar produtos e experiências que as pessoas de fato querem, mas é mais complexo que isso.
O ponto de partida é nossa missão. Precisamos tirar um tempo para refletir sobre por que achamos que o jornalismo é importante e qual o papel que ele desempenha na sociedade. Tradicionalmente, tendemos a pensar que a missão do jornalismo é informar o público sobre o que está acontecendo em sua região, em seu país e no mundo; fornecer às pessoas as informações que elas precisam para tomar decisões embasadas, por exemplo sobre como elas vão votar nas próximas eleições.
Isso é o bastante? Nós realmente acreditamos que tudo o que jornalismo deve ter como objetivo é fornecer informações ao público? Eu não acho. Essa crença traz o risco de confundir a produção de conteúdo com missão cumprida. Ela sugere que, no momento em que a informação é fornecida, nosso trabalho está feito. Nesse contexto, a extrema centralidade do usuário significa reconhecer que a informação só tem valor se ajudarmos as pessoas a usá-la para agir e inspirar mudanças positivas. Então, como podemos repensar, reconectar-nos e atualizar a nossa missão?
Como jornalistas, nós deveríamos nos importar com as pessoas a quem informamos, certo? Caso contrário, por que se preocupar? O problema é que a empatia, muitas vezes, não é exigida para o jornalismo que produzimos atualmente. O sistema não foi criado para recompensar a empatia como uma habilidade valiosa. Para que isso mude, nós precisamos começar a pensar no jornalismo como uma conversa e um serviço baseado na escuta, em vez de um mero exercício de produção de conteúdo.
Expandindo a definição do jornalismo
O outro risco de igualar nossa missão à produção de conteúdo é que isso limita o horizonte da nossa criatividade. Como podemos reinventar qualquer coisa se já estipulamos uma definição tão restrita? Além disso, se aceitarmos que a sobrecarga de informações é um problema significativo na sociedade, não estamos simplesmente exacerbando a situação ao trabalhar apenas para produzir mais e mais conteúdo o tempo todo?
Expandir a definição do jornalismo pode significar, por exemplo, abraçar o nosso papel de convocadores. Conforme destaca o American Press Institute em um artigo excelente, "a mídia deve ser uma força social de conexão, uma convocadora de pessoas independentemente das diferenças e uma facilitadora sobre o que fazer depois que os fatos são revelados".
Muitas organizações inovadoras já estão testando isso com inúmeros formatos variados: de clubes de escuta para ajudar as pessoas a discutir o que elas ouviram em um podcast a eventos com jornalistas e convidados especialistas para discutir as notícias com a audiência.
E há outros benefícios em convocar as pessoas para interações presenciais: a principal é que mais pessoas vão conhecer os jornalistas, o que pode aumentar a confiança. Afinal, é mais fácil pedir a uma pessoa que ela confie em alguém que conheceu na vida real e trocou algumas ideias em vez de pedi-la para confiar cegamente em um nome que assina uma matéria.
Foco na experiência que oferecemos
Nós queremos defender um foco maior na qualidade das experiências das pessoas quando elas se envolvem com o nosso jornalismo. Essa é uma mudança de mentalidade crucial. A experiência do usuário, também chamada de UX, não é um conceito novo, mas me parece que frequentemente nós a reduzimos a como os usuários interagem com os nossos produtos para que possamos melhorar tais produtos e fazer com que as pessoas gastem mais dinheiro com eles.
Não há absolutamente nada de errado com isso, mas nós também devemos pensar na experiência do usuário com um olhar mais amplo para o modo como o nosso jornalismo faz as pessoas se sentirem. O quanto os produtos e experiências que criamos poderiam ser melhores se nos importássemos com esses sentimentos?
Em resumo, esta é a base sobre a qual nossa teoria de mudança é construída: nós precisamos de uma mudança em direção à extrema centralidade do usuário porque acreditamos que, ao abraçar essa mentalidade, nossos produtos e experiências vão poder ser melhores que os atuais e vão criar mais valor para as pessoas cujo nosso objetivo é servir. Isso nos levaria a novos caminhos para a sustentabilidade, porque as pessoas pagam por produtos e experiências que agregam valor às suas vidas.
Afirmando o óbvio: mudar é difícil
Você pode estar lendo isso e pensando: "ok, mas isso não é novo, nós já sabemos dessas coisas". Você está certo. Nós temos evidências. Leia novamente a primeira linha deste texto. Nós temos a evidência – e mesmo assim a mudança é dolorosamente lenta. É por isso que é fundamental entendermos melhor o que torna a mudança tão difícil e como podemos remover essas barreiras.
A centralidade do usuário deve se expandir para a centralidade das pessoas, para reconhecer a necessidade de mostrar empatia não só com os nossos usuários mas também com as pessoas que trabalham em nossas organizações.
Mudar é difícil. É assustador. Vamos admitir: geralmente é mais fácil não mudar seja em qual for a área da vida. Nós devemos considerar barreiras tais como hábitos, frustrações, dinâmicas de poder e incentivos econômicos, e descobrir quais alavancas devemos acionar para implementar a mudança – incluindo nas nossas organizações, mesmo se nem todo mundo dentro delas for abraçar a mudança. Nós precisamos ativar um ciclo positivo de retroalimentação para provar que mudar é do interesse de todos: usuários, jornalistas, sociedade e até mesmo para os resultados financeiros das empresas.
A mudança não vai simplesmente acontecer se não formos capazes de explicar claramente no que queremos nos transformar. Nas nossas conversas, nós percebemos que se todos escrevermos uma descrição do "veículo jornalístico ideal", nossas descrições vão ser bem diferentes umas das outras. E tudo bem. O ponto não é chegar ao mesmo destino, mas concordar que precisamos de um novo destino e definir os princípios que compartilhamos.
Próximos passos e como você pode fazer parte
Após nossas duas primeiras reuniões, nós decidimos continuar trabalhando juntos pelo menos até o fim do ano. Nós sabemos que tudo isso é extremamente complexo e não temos a arrogância de acreditar que sozinhos podemos reinventar o jornalismo. Mas nós acreditamos absolutamente que um futuro melhor é possível se construirmos um movimento que lute diariamente por esses princípios e torne mais fácil para todo mundo adotar essa mudança de mentalidade por meio de conversas inspiradoras e exemplos das soluções radicais que precisamos.
Nós acreditamos que temos um papel de campanha a ser desempenhado para facilitar a mudança em todos os níveis. Dentro e fora das organizações, desde a nossa equipe até o envolvimento com os usuários, começando pela formação em jornalismo e tornando-a mais centrada nas pessoas também.
Os Alquimistas das Notícias são como um produto em versão de teste. A ambição que tenho para este ano em que sou bolsista do ICFJ é testar e entender como transformar isso em algo que pode inspirar de forma significativa e facilitar a mudança positiva. Neste ano, o objetivo não é crescer: nós esperamos aumentar o tamanho do grupo um pouco, mas não demais. Porém, no futuro, esperamos converter os Alquimistas das Notícias em algo que possa ser uma comunidade global, já no próximo ano.
Queremos abrir essa conversa para muitas outras pessoas do setor. Vamos criar oportunidades para fazer exatamente isso num futuro próximo. Deixe seu contato aqui para expressar o seu interesse em fazer parte dos Alquimistas das Notícias e se manter informado sobre a iniciativa.
Agradecimentos aos Alquimistas das Notícias: Annika Ruoranen, Sannuta Raghu, Shirish Kulkarni, Jeremy Gilbert, Agnes Stenbom, Uli Köppen, Aldana Vales, Feli Carrique, Styli Charalambous, Martin Schori, Laura Krantz McNeill, Nick Petrie, Tshepo Tshabalala, Nikita Roy, Rishad Patel, Chris Moran, Elite Truong. E um agradecimento especial a Aslı Sevinc.
Imagem por Jamillah Knowles & Reset.Tech Australia / © https://au.reset.tech/ / Better Images of AI / Detalhe do Connected People / CC-BY 4.0.