Os riscos de cobrir religião e os recursos para ter segurança

May 30, 2024 em Segurança Digital e Física
Candles and open hands in front of a microphone

Ataques a jornalistas que cobrem religião partem de diferentes direções. Grupos extremistas, forças de segurança do Estado e facções militantes estão entre os principais algozes.

"O que nós publicamos pode nos matar", disse um jornalista do Paquistão durante uma oficina que eu realizei no Nepal para jornalistas do sul da Ásia que cobrem religião. Os demais concordaram, acenando com a cabeça.

Relatórios do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) enfatizam os riscos. 

Shahina K.K., editora da revista indiana Outlook, já foi atacada por grupos de direita por fazer a cobertura de minorias religiosas e direitos humanos. Ela é uma das primeiras jornalistas a ser acusada com base na lei antiterror, sob o risco de enfrentar três anos de prisão caso seja considerada culpada. Em reverência à sua coragem, Shahina venceu o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa 2023 do CPJ.

No vizinho Paquistão, o repórter do Express Tribune Rana Tanveer acordou uma manhã e descobriu que sua casa tinha sido vandalizada com mensagens que o rotulavam como descrente e que pediam sua morte. Ele escreve extensivamente sobre minorias religiosas. Poucos dias depois, ele dirigia sua moto quando um carro bateu nele, causando uma fratura na perna. Tanveer acredita que estava sendo perseguido por militantes sectários.

No Sri Lanka, um grupo de homens cingaleses liderados por um monge budista manteve três jornalistas em cativeiro depois de eles tentarem fazer uma matéria sobre criadores de gado tâmeis. "Jornalistas tâmeis têm o direito de cobrir os problemas que afetam seu povo sem a interferência do medo ou de represálias", diz o CPJ.

Na maioria das vezes, a violência é impulsionada pelos mais poderosos. "Em muitos países, as religiões dominantes exercem influência como pilares centrais de autoridade, criando uma zona perigosa para jornalistas", diz Sadaf Khan, cofundadora do Media Matters for Democracy (MMD), no Paquistão.

Fazer a cobertura de questões religiosas sensíveis pode inflamar tensões entre grupos religiosos ou extremistas, gerando situações adversas para jornalistas e os veículos onde trabalham. Além disso, cobrir violações de direitos humanos contra grupos religiosos minoritários ou escrever sobre a violência oriunda de crenças religiosas pode ser visto como uma afronta ao sistema religioso dominante. "Isso deixa os jornalistas vulneráveis a acusações de desrespeito à religião, aumentando o risco", diz Khan.

A segurança é a principal preocupação de profissionais de mídia que cobrem qualquer aspecto da religião. Muitas vezes, rituais de segurança envolvem o uso do senso comum. Um dos cursos do MMD tem um módulo que lista as precauções básicas a seguir:

  • Evite comportamento rotineiro; por exemplo, use caminhos diferentes no deslocamento de ida e volta do trabalho;
  • Não ande sozinho;
  • Durante manifestações, verifique a localização de antemão e identifique rotas de saída;
  • Nunca fique entre forças de segurança e manifestantes.

Como diz o ditado, "quem falha em planejar, planeja falhar". Com um pouco de esforço, todos nós podemos nos tornar especialistas em segurança.

Abaixo estão recursos para ajudar jornalistas a criarem protocolos e redes de segurança. Compartilhe-os com colegas nas redações e em associações profissionais.

Recursos para proteção e segurança

Rory Peck Trust 

Esta ONG com sede em Londres dedica-se à memória do cinegrafista freelance Rory Peck, que foi morto durante o golpe de 1993 na Rússia. A missão da organização é dar apoio a freelancers, além de produzir informações úteis para jornalistas em qualquer lugar do mundo.

Alguns dos recursos disponíveis:

  • Serviço de Atendimento em Risco e Segurança: jornalistas podem se cadastrar fornecendo detalhes sobre uma pauta futura e as preocupações envolvendo segurança. Na sequência, um especialista em segurança oferece consultoria online; 
  • Avaliação de Risco: processo de avaliação de riscos, incluindo como criar um plano de comunicação e um documento de prova de vida que "pode salvar sua vida se você for sequestrado";
  • Guias de Segurança Digital: materiais digitais de avaliação de risco e dicas para a proteção de dados. Cursos de segurança para a produção de reportagens online, uso seguro de emails, proteção contra malware e proteção de celulares.       
AccessNow

A organização trabalha em nome dos direitos digitais de pessoas e grupos sob algum tipo de risco. Entre suas atividades, o AccessNow mantém um atendimento telefônico 24 horas por dia, 7 dias por semana em nove idiomas voltado para a segurança digital, oferece subsídios e outras formas de financiamento para combater violações aos direitos digitais e também realiza a conferência anual RightsCon, focada em direitos humanos na era digital.

Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) e Repórteres Sem Fronteiras (RSF)

As duas organizações vigilantes da mídia monitoram a liberdade de imprensa no mundo e divulgam releases sobre abusos contra jornalistas. Ambas oferecem orientações e kits de segurança digital em seus sites.

A equipe de resposta a emergências do CPJ oferece suporte legal. Entre em contato pelo email emergencies@cpj.org, pelo correio, telefone ou fax.

O guia de segurança da RSF, produzido pela UNESCO, está disponível em seis idiomas, incluindo ucraniano e chinês. A RSF tem uma compilação de 40 recursos online para se manter atualizado em relação à segurança digital.

International Women’s Media Foundation (IWMF)

A organização disponibiliza pequenos subsídios por meio de um fundo de emergência para incidentes ligados ao trabalho da mídia. A IWMF também realiza um programa para jornalistas afegãs exiladas.

Uma das fundadoras da Coalizão Contra a Violência Online, a IWMF reuniu recursos dos membros da coalização no Centro de Resposta à Violência Online e criou o "Guia de Proteção a Redações e Jornalistas Contra a Violência Online". Saiba mais na página do site da IWMF sobre Assédio e Violência Online.

International Media Support (IMS)

Com sede em Copenhague, o IMS tem um "pacote de segurança" que inclui cursos sobre análise de risco e redução de ameaças, primeiros-socorros e comunicação segura, dentre outros tópicos. O IMS também oferece um atendimento telefônico 24 horas por dia, 7 dias por semana, abrigos seguros, fundos de segurança e assistência legal para ajudar jornalistas em situações de emergência e conflito.

O trabalho do IMS é alinhado ao "Plano de Ação da ONU para a Segurança de Jornalistas e o Problema da Impunidade", cujo objetivo é criar um ambiente seguro para jornalistas e profissionais de mídia.

A Culture of Safety Alliance (ACOS)

A coalização é composta por 130 veículos, associações de jornalistas freelance e ONGs de liberdade de imprensa que colaboram para desenvolver práticas de segurança no setor.

O site oficial tem uma lista de princípios de segurança para quem trabalha em pautas perigosas, além de informações sobre segurança física, psicológica e digital. 

Religion News Service (RNS)

Criado em 1934, o RNS se define como uma "agência de notícias que cobre religião, ética, espiritualidade e questões morais". A agência publica notícias e informações sobre movimentos de fé e religiosos com correspondentes no mundo todo. Jornalistas podem usar o conteúdo como uma ferramenta para fazer pesquisa, encontrar fontes e ter ideias de pauta.  

O RNS também orienta verificar as dicas de privacidade online da Electronic Frontier Foundation, Tor e Privacy International.


Foto por Gabrielle Rocha Rios.

Este recurso foi originalmente publicado como parte do nosso Kit de Reportagem sobre Religião produzido pelo programa Contenção da onda de intolerância: rede de jornalistas do sul da Ásia para a promoção da liberdade religiosa, realizado pelo ICFJ.