O combate à desinformação no campo religioso

Oct 28, 2022 em Combate à desinformação
Escada para o céu

A série de lives “Democracia em Risco” promovida pela IJNet Português chegou ao fim nesta semana trazendo a pertinente discussão sobre religião na política. Para isso, foi convidada a jornalista e pesquisadora do tema Magali Cunha, responsável pelo Coletivo Bereia, a primeira e única agência de checagem no mundo especializada em conteúdos sobre religiões. A mediação foi da editora da IJNet, Fabiana Santos.  

O vídeo na íntegra está aqui:

 

O Bereia é resultado de uma pesquisa no Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde (NUTES), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O grupo foi selecionado pelo edital “Pesquisa em Ciências Sociais sobre WhatsApp e Desinformação”, promovida em 2018 pela empresa Facebook Inc, atual Meta. Magali foi uma das pesquisadoras a compor o trabalho.

Checagem existe já na Bíblia

Animada com os resultados da pesquisa, depois do fim do projeto, Cunha e os colegas  decidiram que era o momento de fazer algo na prática. “Criamos, então, esse projeto de checagem para trabalhar especificamente com religião, considerando que nas eleições de 2018 nós vimos como foi forte a relação desse campo com as fake news”, explica. O coletivo foi criado em outubro de 2019, com metodologia própria, a partir da pesquisa sobre outras agências que trabalham com checagem. 

O nome Bereia tem um caráter simbólico e faz parte de uma narrativa bíblica do Novo Testamento. “Segundo o texto, quando os judeus de Bereia receberam a pregação do apóstolo Paulo, eles foram conferir se o que ele estava dizendo era verdade”, explica Cunha. O nome faz uma ligação óbvia com os cristãos, mas a iniciativa trata de todas as religiões. 

Religiosos com projeto político

Para a jornalista e doutora em Comunicação, a democracia está em risco. “E não é de agora. Desde 2010, quando percebemos movimentos de reação aos avanços sociais e políticos que foram conquistados nos países da América Latina depois de anos de ditaduras militares”, diz. Para ela, independente do resultado da eleição, haverá muito trabalho a ser feito. 

A pesquisadora explica que a conexão da religião com a política não é algo novo no Brasil. “Essa relação de candidaturas buscando apoios religiosos para as eleições vem de muito tempo, especialmente a partir dos anos 80, quando foi formada a primeira bancada evangélica", diz ela. "Claro que a relação com o catolicismo vem desde a colonização do Brasil, a igreja Católica alinhada ao poder, por vezes influenciando e em outros momentos escanteada. Mas com a bancada evangélica isso se torna mais visível porque há igrejas que passaram a ter um projeto de ocupação da esfera política, fazendo campanha explícita”, aponta. Desse modo, vários políticos que costumeiramente nunca falaram de religião, passaram a ver nesse público a possibilidade de um apelo eleitoral. 

Entre as desinformações que mais aparecem na checagem do Bereia, estão as temáticas de política, de saúde e também da moralidade sexual, incluindo mentiras como a famigerada ideologia de gênero. “Isso já vinha da eleição de 2014, se consolidou em 2018 e permeou todo o atual governo, essa ideia de pânico moral. Tudo entrelaçado com as questões de negacionismo, muito presentes na saúde, durante a Covid”, diz. Para Cunha, é deprimente ver como a fake news do ‘Kit Gay’ voltou nessas eleições. "É um tema que nós acreditávamos que estava superado. Então isso nos chama muita atenção. E uma personagem que sempre faz voltar esses temas é a ex-ministra Damares Alves”, conta.   

Desafios para o jornalismo

Com a religião entrando tão forte no campo político nos últimos anos, principalmente com o governo Jair Bolsonaro, jornalistas precisam aprender sobre o tema. Para Cunha, atualmente há uma tentativa maior de compreensão sobre o fenômeno evangélico tão em voga nas discussões políticas.

“É preciso lembrar que o jornalista também é uma pessoa, tem seus valores e visões de mundo e dentro disso há uma compreensão religiosa. Nas minhas pesquisas, percebi que muitos deles traziam o imaginário católico e procuravam olhar o fenômeno evangélico da mesma forma”, diz. Segundo a pesquisadora, diferente da igreja católica em que há toda uma hierarquia e um poder concentrado, a religião evangélica é diversa. Nesse sentido, é preciso identificar as diferentes tendências. “Não há ninguém que fale por todos eles. Então é preciso entender que há um mosaico, uma pluralidade de igrejas e diferentes manifestações”, diz.

Outra dica importante que Magali considera é ir além das fontes primárias, não entrevistar só os religiosos, mas especialistas e estudiosos da área. "Existem as ciências da religião, tem gente da teologia, da sociologia, da história, que pode ajudar no processo jornalístico da apuração”, diz. E, sobretudo, ela indica que é preciso respeitar as pessoas que têm fé, e entender que é algo cultural. “É muito importante entender que a religião atribui sentido a vida de muita gente”, conclui.

WhatsApp e estágios:

O mesmo WhatsApp de onde sai tanta desinformação e que foi a origem do estudo de Cunha, se tornou um aliado do coletivo Bereia. Justamente é por um número de WhatsApp do Bereia que as pessoas podem tirar dúvidas ou fazer denúncias. 

A equipe do coletivo não trabalha de forma remunerada. Estudantes de jornalismo, interessados numa opção de estágio, podem entrar em contato e quem sabe entrarem para o time dos checadores de notícias sobre religião.

Confira fontes indicadas por Magali Cunha:

- Instituto de Estudos da Religião 

- Observatório Evangélico  

- CEBRAP - Núcleo de Pesquisa: Núcleo de Religiões no Mundo Contemporâneo 


Foto: Canva