No início de outubro, o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês), organização-mãe da IJNet, e o Tow Center for Digital Journalism da Universidade Columbia divulgaram os resultados preliminares de sua pesquisa em inglês com o objetivo de compreender os efeitos da pandemia em jornalistas e redações. A pesquisa recebeu 1.406 respostas de entrevistados em 125 países.
Recentemente, o ICFJ organizou um painel virtual para discutir os resultados e suas implicações. O painel incluiu a CEO e editora executiva do Rappler Maria Ressa, o professor da Universidade de Nova York e crítico de mídia Jay Rosen, a professora da Universidade Columbia e diretora do Tow Center, Emily Bell, e a diretora de pesquisa global do ICFJ, Julie Posetti.
Aqui estão os principais pontos da conversa:
Saúde física e mental
De acordo com os resultados da pesquisa, 70% dos entrevistados notaram impactos psicológicos e emocionais negativos relacionados com a cobertura da pandemia. As cinco principais reações negativas afetaram pelo menos um terço dos entrevistados e incluíram aumento de ansiedade, esgotamento/exaustão, dificuldade para dormir, sensação de desamparo e pensamentos negativos.
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“Ficamos muito surpresos com o fato de que os impactos psicológicos e emocionais de lidar com a crise da COVID-19 foram identificados por uma grande maioria das pessoas que responderam”, disse a professora Emily Bell.
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“Para enfatizar o que identificamos como uma crise de saúde mental dentro do jornalismo, houve algumas outras pesquisas com amostras menores”, disse Posetti. “Além disso, 82% dos nossos entrevistados descreveram pelo menos uma reação negativa ou psicológica ou emocional à pandemia.”
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Ressa reconheceu que a saúde mental seria um desafio e ofereceu aconselhamento individual e em grupo para a equipe do Rappler após o início da pandemia.
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Liberdade de imprensa
De acordo com o relatório preliminar da pesquisa, 20% dos entrevistados sofreram mais assédio durante a pandemia. Quatorze por cento dos entrevistados relataram censura direta de suas reportagens e 14% sofreram pressão política para produzir uma cobertura positiva do governo e de políticos eleitos.
- “Houve uma série de casos identificados que realmente sublinharam a maneira pela qual alguns governos ao redor do mundo usaram a COVID-19 como uma desculpa, pode-se dizer, para estender suas tentativas existentes de suprimir o jornalismo independente crítico, ou restringi-lo, ou para gerar novos impactos”, disse Posetti.
Propagação de desinformação
As fontes mais comuns de desinformação, de acordo com os entrevistados, foram cidadãos comuns (49%), líderes políticos e representantes eleitos (46%) e trolls em busca de atenção (43%). Oitenta por cento dos entrevistados disseram que encontram desinformação pelo menos uma vez por semana, com a maioria vindo do Facebook (66%), Twitter (27%) e WhatsApp (35%).
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A Profa. Bell destacou que, ao combinar todas as fontes de desinformação relacionadas ao governo, incluindo líderes políticos, agências governamentais e redes de trolls do governo, “o papel do governo na disseminação da desinformação supera em muito todos os outros”.
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Enquanto os painelistas discutiam táticas de desinformação, Rosen introduziu os termos "inundar a zona", usado nos Estados Unidos, e "mangueira de falsidades", usado na Rússia. Eles descrevem uma tática usada por agentes de desinformação nas redes sociais, que tem como objetivo inundar os canais com teorias e falsidades, muitas vezes informações conflitantes para criar polêmica e desconfiança.
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Ressa também discutiu uma tática, que ela chama de “manipulação insidiosa”, principalmente por meio de influência estrangeira. Nesse caso, uma informação é transmitida por diferentes meios de comunicação a ponto de a fonte original não estar mais anexada e o público não perceber que está sendo manipulado. Ela se referiu a isso como modificação de comportamento, em vez de propaganda. Para entender melhor, Ressa recomenda ver o exemplo da interferência russa nas eleições presidenciais de 2016.
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Ressa acredita que os passos que os jornalistas devem tomar para encontrar uma solução para a disseminação da desinformação é trabalhar com as plataformas, ser checadores de fatos, construir tecnologia própria, encontrar um novo modelo de negócios para o jornalismo e construir uma comunidade sustentável.
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Ambos Ressa e Rosen pediram uma junta de supervisão legítima do Facebook. “A desinformação é tão poderosa quanto a plataforma”, disse Rosen. “Você não pode eliminá-la, não importam suas visões ideológicas sobre a regulamentação ou quantos cenários assustadores você possa imaginar. A regulamentação tem que fazer parte do quadro.”
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Efeitos econômicos na redação
A pesquisa descobriu que 17% das redações viram uma queda de receita superior a 75% durante a COVID-19.
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“Acho que o que estamos vendo aqui é o colapso do mercado de publicidade”, disse a Profa. Bell.
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“O mundo que conhecíamos foi destruído e agora temos que criá-lo”, disse Ressa. Ela e Rappler tiveram que reimaginar seu modelo de negócios antes. Em 2019, a organização perdeu 49% de seus anunciantes após 11 processos judiciais e oito condenações contra ela.
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“Fomos forçados a encontrar outro modelo de negócios baseado em dados e tecnologia”, disse Ressa. “As mesmas condições irão gerar uma solução criativa e foi isso que aconteceu conosco. Esse modelo de negócios usando dados e tecnologia cresceu 12.000% e, à medida que a publicidade encolhia, descobrimos um novo modelo de negócios que não só era direcionado à pesquisa, mas também poderia substituir esse modelo em colapso.
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Rosen observou que os profissionais de diferentes mídias provavelmente perceberão que precisam depender uns dos outros e que surgirão novos relacionamentos com o público.
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Rosen também sugeriu uma mudança em direção a um modelo de membresia em vez de assinaturas para compensar a receita perdida. “Na membresia, você se junta à causa porque acredita no trabalho e não se importa que o trabalho vá para pessoas que não pagam por ele — na verdade, isso é uma vantagem”, disse ele.
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Ele também sugeriu mudar o foco da riqueza monetária de um canal de distribuição para sua comunidade, que examina as contribuições e o apoio do público na forma de conhecimento, tempo, rede e distribuição.
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Ressa concluiu que o futuro do jornalismo está interligado com o futuro da tecnologia. “Os jornalistas são necessários porque são eles que têm a disciplina. Temos os padrões, a ética e a coragem”, disse ela.
Abby Geluso é um repórter freelance que mora na cidade de Nova York.
Imagem principal com licença CC por Unsplash via Erik Mclean