O uso do TikTok para driblar a censura do governo no Irã

por Whitney Shylee May
Jan 12, 2023 em Redes sociais
Iran protest

​Imagens dos protestos no Irã que se seguiram à morte de Mahsa Zhina Amini, 22 anos, em 16 de setembro de 2022, e de relatos da repressão brutal do governo circularam amplamente nas redes sociais. Esse fluxo de informação ocorre apesar dos esforços do regime iraniano de sufocar o acesso à internet e censurar a informação que sai do país.

Um método eficiente que os manifestantes descobriram é usar o TikTok, o aplicativo de compartilhamento de vídeos mais conhecido pelos vídeos que os jovens postam de si mesmos cantando e dançando. O modo como o conteúdo é compartilhado na plataforma e o uso inteligente dos manifestantes ao configurá-lo tem ajudado ativistas a driblar o bloqueio dos serviços de tecnologia avançada do Irã e a alcançar uma audiência ampla.

Sendo uma pesquisadora que estuda os jovens e a cultura participativa – arte e informação produzida por não-especialistas, incluindo fanfics e jornalismo cidadão – eu acredito que o TikTok está provando ser uma ferramenta efetiva de ativismo político diante da repressão severa.

A chave para essa efetividade é o modo como funciona o TikTok. Cada vídeo gravado pelos usuário tem normalmente 60 segundos ou menos e faz um loop quando termina. Outros usuários podem editar ou “costurar” o vídeo de um outro usuário em seu próprio vídeo. Os usuários também podem criar uma tela dividida ou um vídeo de “dueto”, com o vídeo original em um lado da tela e seu próprio vídeo no outro.

Costuras e duetos

Para acessar o TikTok, um manifestante no Irã normalmente precisa usar uma rede privada virtual (VPN na sigla em inglês) do tipo multihop, que são VPNs que enviam tráfego de internet por meio de múltiplos servidores para contornar os apagões de internet do governo apenas pelo tempo necessário para postar um vídeo no TikTok. A partir daí, os usuários que apoiam o manifestante “curtem” o vídeo milhares de vezes, o costuram em outros vídeos e fazem duetos com o vídeo para que ele outras pessoas curtam, costurem e façam duetos repetidamente.

Durante o processo, a informação que identifica quem fez a postagem original é obscurecida. Dentro de minutos o manifestante se torna anônimo mesmo quando a mensagem se espalha. Até se o vídeo for sinalizado como uma violação das regras da comunidade do TikTok, quem compartilha o conteúdo curte e incorpora os duetos rápido demais para que o TikTok remova completamente o conteúdo original da plataforma.

 

 

Em um vídeo com mais de 620.000 visualizações, a advogada iraniana-americana Elica Le Bon pede para que as pessoas compartilhem todo conteúdo iraniano para garantir que o mundo continue prestando atenção. Em outro, a usuária @gal_lynette instrui seus seguidores a fazer duetos com vídeos de mulheres iranianas como uma forma de jornalismo cidadão para “manter o relato delas - as histórias delas… vivas.” 

Manipulando o algoritmo

Enquanto isso, a usuária @m0rr1gu diz para seus 44.000 seguidores como começar a compartilhar conteúdo sem provocar violações às regras da comunidade. O conselho inclui usar “algospeak” (linguagem para enganar o algoritmo), ou código, para contornar violações às regras. Para TikTokers que estão fomentando conteúdo iraniano, isso significa alterar a palavra “Irã” nas legendas, dentre outras táticas.

Manipular o algoritmo do TikTok ajuda a garantir que as pessoas com mais probabilidade de compartilhar esse tipo de conteúdo conseguirão encontrá-lo. Por exemplo, a TikToker iraniana-americana Yeganeh Mafaher aproveitou um escândalo de celebridades que viralizou recentemente intitulando seu vídeo de “Adam Levine Também Me Mandou Uma DM” só para anunciar que “okay, agora que eu tenho sua atenção, a internet vai ser cortada no Ir@n.”

Ao remover a palavra “Irã”, mas deixando o nome de Levine buscável, Yeganeh estava manipulando o algoritmo para ajudar a reter usuários que estavam procurando por conteúdo iraniano ao mesmo tempo em que fisgava com hashtags outros usuários que estavam seguindo o escândalo da celebridade. Até aquele momento, o vídeo mais visualizado de Yeganeh relacionado à revolução era um sobre a história das leis do hijab que obteve quase 341.000 visualizações. O vídeo com Levine no título excedeu 1,6 milhão de visualizações. 

A conta de Yeganeh já registrou suas experiências como uma cidadã iraniana-americana e atraiu seguidores interessados na cultura iraniana. Depois da morte de Amini, ela creditou aos seguidores o impulso em sua conta que a levou a ser entrevistada pelo apresentador de TV a cabo Chris Cuomo no programa NewsNation para discutir a insurreição.

A música de um movimento

Um elemento-chave de um vídeo no TikTok é sua trilha sonora, ou o “áudio”, normalmente uma música que dá uma linha temática em um vídeo costurado ou dueto. O áudio de muitos dos vídeos descrevendo os eventos no Irã, com mais de 11,7 milhões de visualizações, é a música “Baraye”, do cantor e compositor iraniano Shervin Hajipour.

A letra da música é derivada de uma série de tweets em farsi que detalham as razões dos iranianos para a revolução. Hajipour foi preso por causa da música, mas depois foi solto. Desde então, “Baraye” se tornou uma balada de protesto global.

 

 

 

Preocupados com a segurança de Hajipour, TikTokers que apoiam a insurreição se uniram em um esforço para protegê-lo de retaliações postando milhares de vídeos orientando os usuários a indicar “Baraye” para o novo prêmio do Grammy de mérito especial: melhor música para mudança social. Em outubro, a música tinha recebido 83% das 115,000 indicações, o que aumentou a atenção internacional sobre Hajipour e a composição. 

“Baraye” e hashtags relacionadas são recursos compartilhados que ajudam a fazer do TikTok uma plataforma de política participativa. Enquanto o mundo vê o que acontece no Irã, TikTokers manipulam o algoritmo da plataforma para amplificar os vídeos iranianos para além do alcance do governo do Irã. 

Há campanhas ativas no TikTok para tudo, desde as indicações ao Grammy até envio de emails para representantes locais e líderes globais. Os vídeos ensinam pessoas leigas a hospedar discretamente tráfego iraniano na internet e a direcionar usuários para protestos locais. Eles compartilham petições para líderes do G7 para expulsar diplomatas iranianos e para que a ONU responsabilize o governo iraniano por seus crimes contra a lei internacional. Com o início da execução de manifestantes pelo estado iraniano, a campanha #StopExecutionsInIran já soma mais de 100 milhões de visualizações no TikTok.

 

 

Essas ferramentas interativas e o algoritmo de promoção de conteúdo da plataforma são o que transformaram o TikTok de um aplicativo de dança para adolescentes em uma poderosa plataforma global para protesto e ação política. Embora ainda haja muita incerteza enquanto os iranianos lutam por mudança e seus apoiadores no mundo todo inundam uma plataforma improvável para alavancar suas vozes, uma coisa parece provável: a revolução pode não ser televisionada, mas ela vai ser curtida, costurada e terá dueto.


Whitney Shylee May é pós-doutoranda em Estudos Americanos na Faculdade de Artes Liberais da Universidade do Texas em Austin.

Foto por Craig Melville via Unsplash.

Este artigo foi republicado do The Conversation sob a licença Creative Commons. Leia o artigo original.