Mais de cinco bilhões de pessoas têm um celular, e estudos sugerem que, até 2025, mais de 70% dos usuários vão acessar a internet apenas pelo smartphone.
A crescente população de usuários de smartphones está mudando a forma como vemos e consumimos informação: da gravação da violência policial nos Estados Unidos ao uso de mensagens de texto para escapar da censura do governo no Zimbábue, o jornalismo móvel está se valendo da onipresença e facilidade de uso dos smartphones para empoderar toda uma nova geração de jornalistas.
Nesta semana, nós lançamos um novo kit de ferramentas, disponível em português, árabe, francês e inglês, que inclui oito vídeos pensados para as redes sociais produzidos pela Seen (anteriormente chamada Hashtag Our Stories) com dicas que vão ajudar repórteres no mundo todo a melhorar o jornalismo móvel. Eu conversei com os cofundadores da Seen, Yusuf Omar e Sumaiya Omar, e também com a gerente de comunidade Charlotte Maher, para discutir sobre o jornalismo na era dos smartphones e por que repórteres devem considerar as possibilidades do jornalismo móvel:
IJNet: Qual conselho vocês dariam para quem está começando a fazer jornalismo móvel?
Yusuf Omar: Há tantas oportunidades batendo à porta e prontas para serem agarradas. Há uma oportunidade digital enorme, e os veículos de mídia tradicionais são lentos e incapazes de agirem rápido. Por isso, tem uma oportunidade massiva para pessoas jovens chegarem e falarem: nós vamos ajudar a consertar esses veículos tradicionais ou então vamos criar nossas próprias empresas.
É comum que jovens jornalistas esperem que alguém os dê a oportunidade de mão beijada. Se você quer ser o melhor crítico de gastronomia do país, você tem seu celular no bolso, o que está esperando? Se você quer ser um repórter de viagem, saia por aí e comece a viajar.
É um clichê, mas tem também aquela regra das 10.000 horas. Nós fizemos 200 vídeos no Facebook antes de alguma coisa chegar perto de viralizar. Hoje, temos 1 bilhão de visualizações por ano, 5 milhões de assinantes e isso foi depois de quatro anos de aprendizado. Você precisa começar a publicar: não seja detalhista, apenas faça e veja como a audiência reage.
Charlotte Maher: Essa é a mensagem principal, é o que falamos para todo mundo com quem trabalhamos: simplesmente faça algo. Há tantas pautas, e você tem um celular no seu bolso para trabalhar em cima delas.
Sumaiya Omar: Uma coisa que aprendemos desde cedo é que as coisas podem ser instáveis, e não precisam ser perfeitas. Simplesmente faça alguma coisa; quanto mais você fizer, mais você vai entender a audiência, mais você vai entender o que as pessoas estão buscando no seu conteúdo.
Como surgiram as ideias de vocês em torno do jornalismo móvel?
Y. Omar: Em 2014, eu tive a oportunidade de viajar para cobrir a guerra civil na Síria. Naquela época, eu percebi duas coisas: primeiro, eu nunca mais vou querer viajar novamente para tão perto de uma zona de guerra — era proibitivamente perigoso e eu tive sorte de ter saído de lá ileso. Segundo, eu percebi quantos jornalistas perderam suas vidas lá. Eu queria um dia poder treinar pessoas na Síria e no mundo sobre como contar suas próprias histórias. Desde o princípio eu percebi que treinar pessoas era de fato um jeito importante de contar histórias.
Antes de lançarmos a Seen, eu e a Sumaiya viajamos pelo mundo e falamos com todo mundo sobre essa ideia. Teve um evento em especial em que dei uma palestra e disse: “olha, no futuro, as pessoas vão contar suas próprias histórias e os jornalistas vão fazer a verificação de fatos delas” e o Nick Robinson, que era editor de política da BBC, disse para nós que “fazer curadoria de selfies não é jornalismo”.
Aquele foi um grande momento para nós. Você pode sair desanimado de uma conversa assim, mas aconteceu o oposto conosco — nós percebemos que eles não tinham entendido. A grande mídia no mundo pensa que pessoas com um celular são uma ameaça à democracia, mas nós achamos que elas são o futuro da democracia e do jornalismo. Hoje, o presidente da Ucrânia está nos atualizando da linha de frente usando um celular. Assim, um grande, grande momento da origem da nossa história era contar para o mundo todo sobre o jornalismo móvel — e ninguém ouviu a gente.
Por que esse kit de ferramentas é valioso para jornalistas?
Maher: O valor está na verdade nas audiências que você alcança. Para engajar jovens audiências pelo mundo, você precisa oferecer algo diferente. Você precisa oferecer algo único, principalmente para se destacar nas redes sociais, que estão saturadas com muito conteúdo, incluindo o fato de que você está competindo com celebridades e influenciadores em todas as redes.
O que eu digo para as redações é que ser capaz de fazer jornalismo móvel permite aos repórteres capturar diferentes tipos de conteúdo em um só quando estão na rua. Você pode voltar para a redação e vai ter que fazer um vídeo para as redes sociais, um vídeo para a TV, um pacote de áudio para o rádio, você volta com todo um pacote de conteúdo.
Y. Omar: Veículos tradicionais estão tentando consertar o carro em movimento, e isso é difícil. Nossos kits de ferramentas conseguem tornar esse processo mais fácil ao aprenderem a partir dos nossos erros.
O kit de ferramentas da IJNet parte do ponto de vista de um veículo, não de uma empresa de capacitação. Isso faz uma diferença enorme. Todos os aprendizados são inspirados por histórias que publicamos diariamente. Não é um livro texto, não é teoria. É baseado naquilo que produzimos e aprendemos que funciona no Instagram e no TikTok, e como jovens audiências estão respondendo a conteúdos.
Vocês se chamavam “Hashtag Our Stories” e agora se chamam “Seen”. Qual o motivo da mudança?
Y. Omar: Alguns de nós têm experiência na mídia tradicional — eu trabalhei na CNN, a Charlotte trabalhou na BBC — e todos nós vimos como, em alguns aspectos, a mídia tradicional falhou conosco em duas áreas fundamentais. Primeiro, uma obsessão com a negatividade e, segundo, uma séria falta de diversidade na redação. Como você vai conseguir cobrir um mundo vasto e interconectado desse jeito? Acreditamos que o jeito de fazer isso é empoderar [grupos diversos] para contar histórias, fornecer a esses grupos as ferramentas para produzir jornalismo profissional de qualidade e fazer uma curadoria disso em programas que podem ter os fatos checados e verificados
Imagine um iceberg enorme e que só o topo dele está sobre a água. Esse é o conteúdo gerado por usuários que está sob curadoria da mídia tradicional. São os vídeos virais, os ataques terroristas — são as coisas que apontam na superfície. Nós vemos que, abaixo da superfície, há três bilhões de celulares no mundo todo. Isso é diversidade, isso é o que de fato está acontecendo em comunidades no mundo todo.
Nós estamos aqui para ajudar essas pessoas abaixo da superfície a serem vistas, e o fato é que as redes sociais deram a cada um a oportunidade de compartilhar sua história, mas elas não ensinaram como fazer isso. Esse é um lugar interessante para se estar agora. É sobre falar para as pessoas como contar uma história, e nesse processo elas são vistas e ouvidas, e com isso conseguimos criar um mundo mais empático e compreensivo.
S. Omar: Grande parte do que fazemos são histórias únicas e [empoderamento] de pessoas que não são vistas nem ouvidas. Nosso slogan é “Eu sou visto. E você?”. Isso realmente abrange o que significa compartilhar uma história: significa que as pessoas conseguem, de algum modo, serem ouvidas, vistas e compartilharem suas histórias.
Esta entrevista foi levemente editada para maior clareza.
Interessou-se pelo jornalismo móvel? Confira nosso kit de ferramentas de jornalismo móvel para dicas de como usar seu smartphone para fazer reportagens.
Foto de Markus Winkler no Unsplash.