O que jornalistas têm a dizer sobre liberdade de imprensa no Leste da África

por Karen McIntyre and Meghan Sobel Cohen
Apr 15, 2024 em Liberdade de imprensa
Globe centered on Africa

A maior parte da população mundial experimentou um declínio na liberdade de imprensa nos últimos anos, de acordo com um relatório da ONU. No Leste da África, os resultados são variados e abertos à discussão.

Em Ruanda, tanto os rankings internacionais de liberdade de imprensa quanto jornalistas no país dizem que a liberdade de imprensa aumentou no país nos últimos dez anos. Na vizinha Uganda, tanto os rankings estrangeiros quanto jornalistas locais dizem que a liberdade de imprensa diminuiu. No Quênia, os rankings refletem o declínio da liberdade de imprensa na última década, mas os repórteres reconhecem que eles têm mais liberdade que seus colegas em Uganda e Ruanda. 

Na condição de professoras de jornalismo e comunicação de massa, entrevistamos e fizemos pesquisas com mais de 500 jornalistas em Ruanda, Uganda e no Quênia. Nós descobrimos que a evolução e o estado atual da liberdade de imprensa na região é complexo. No nosso livro "Press Freedom and the (Crooked) Path Toward Democracy: Lessons from Journalists in East Africa" (Em tradução livre, "Liberdade de Imprensa e o (Tortuoso) Caminho em Direção à Democracia: Lições de Jornalistas do Leste da África), apresentamos uma situação atualizada da liberdade de imprensa nesses três países.   

Nós argumentamos que boa parte da pesquisa acadêmica que classifica os sistemas de mídia globais desconsidera os países em maior processo de desenvolvimento do mundo, e aquelas que incluíram países em desenvolvimento falharam em considerar seus contextos históricos. Essas pesquisas trabalharam a partir de uma premissa equivocada segundo a qual os países se desenvolvem linearmente – da não-democracia para a democracia – e de uma imprensa restringida para uma imprensa livre. Na realidade, liberdade de imprensa e democracia vão e vêm.

Nós analisamos o impacto de fatores sociais, políticos, legais e econômicos na mídia em Ruanda, Uganda e no Quênia para ajudar a entender os sistemas de mídia fora do mundo ocidental. 

Nós escolhemos estudar esses três países porque eles representam estágios variados de desenvolvimento e construção da democracia. Ruanda, que passou por um genocídio em 1994, está em estágios relativamente iniciais (ainda que acelerados) de reconstrução. Uganda, que viveu uma guerra civil nos anos 1980 e instabilidade nos anos 1990, mas possivelmente não na mesma medida do genocídio em Ruanda, pode ser considerada em um estágio médio de desenvolvimento. O Quênia, que permaneceu amplamente pacífico, pode ser entendido como estando em um estágio mais avançado de desenvolvimento.

Ruanda

Em Ruanda, apesar de 30 anos de progresso e desenvolvimento econômico, social e da mídia, impactos prolongados do genocídio de 1994 contra os Tutsi permeiam a mídia do país. Várias leis limitam a livre expressão em nome da prevenção ao genocídio, e rankings internacionais de liberdade de imprensa indicam que o país não é livre.

Porém, nós descobrimos que muitos jornalistas ruandeses acreditam terem bastante liberdade de imprensa e que as pessoas de fora não consideram a história do país ao avaliar a mídia. Por exemplo, estrangeiros ouvem dizer que jornalistas ruandeses não podem criticar o presidente ou membros do alto-escalão do governo e pensam imediatamente que não há liberdade de imprensa. Mas jornalistas locais dizem que não se sentem oprimidos. Eles se sentem relativamente livres para escolher suas pautas. Eles não querem publicar matérias críticas porque querem fomentar a paz.

Os jornalistas acreditam que seu papel é agir como unificadores e corrigir os erros de seus predecessores que exacerbaram o genocídio. A confiança do público na mídia segue alta, de acordo com grupos focais realizados com membros do público em geral. Em Ruanda, parece haver uma relação entre liberdade de imprensa e distância do conflito. Ou seja, quanto mais o tempo passa desde a guerra vivida no país, mais liberdade de imprensa ele tem. 

Priorizar o bem social em vez dos direitos da mídia tem ajudado o país a se unificar e desenvolver, mas a longo prazo vemos sinais de que o caminho linear de Ruanda na direção de um aumento da democracia e da liberdade de imprensa pode não continuar. Pelo contrário, priorizar a paz às custas da liberdade de imprensa pode limitar o desenvolvimento e reforçar estruturas autoritárias de poder existentes.

Uganda

Em Uganda, a relação entre liberdade de imprensa e distância do conflito tem sido menos linear. Algumas restrições à mídia diminuíram enquanto outras pioraram.

Apesar de um período prolongado de paz após o conflito com o Exército de Resistência do Senhor no norte do país que começou nos anos 1980, a liberdade de imprensa não está crescendo com o passar dos anos. No geral, os jornalistas do país concordam amplamente com a percepção internacional de que eles são restringidos e que a situação está piorando quanto mais o presidente Yoweri Museveni permanece no poder. Jornalistas em Uganda enxergam sua liberdade de imprensa como sendo menor que a dos jornalistas nos países vizinhos. Eles também têm uma perspectiva mais pessimista.

A interferência do governo, que em partes vem do conflito e em partes é nova, permanece sendo generalizada. Desgastados pela intimidação do governo e leis repressivas, e ainda com baixa remuneração e falta de equipamentos necessários, alguns jornalistas nos disseram que recorrem a comportamentos antiéticos, como atuar como espiões na redação.

Quênia

O Quênia é o lar do ambiente de mídia mais livre. É também o único país do nosso estudo que viu mudanças na liderança presidencial em anos recentes. Mas só porque um país realiza eleições não significa que o caminho para a democratização e liberdade de imprensa é tranquilo.

Análises externas indicam que o Quênia tem mais liberdade de imprensa que Uganda e Ruanda, e jornalistas do país consideram isso verdade. No entanto, dados mostram altos e baixos da liberdade de imprensa que têm espelhado mandatos políticos e eventos variados, incluindo explosões de violência pós-eleições. Esse vai e vem deve-se amplamente a políticos ou pessoas poderosas que compartilham objetivos ideológicos ou têm interesses financeiros, como ser proprietário de grandes veículos de mídia e influenciar a cobertura.

Apesar dos desafios, jornalistas atribuem o estado de liberdade de imprensa do Quênia às vastas conexões internacionais que o país e seus líderes têm. Uma sociedade civil empoderada  – que decorre tanto de um espaço de divergência proporcionado pelo poder público quanto da cultura e espírito quenianos – promoveu o crescimento dos direitos humanos, incluindo liberdades da mídia.

Por que isso é importante

Após uma análise das nuances dos fatores que afetam a mídia em cada um desses países, nosso livro lista um conjunto de aspectos que interferem na construção da liberdade e da democracia.

Especificamente, nós acreditamos que a distância de cada país do conflito, marcos políticos, ligações internacionais e força da sociedade civil são centrais para entender o grau de liberdade de imprensa, desenvolvimento e democratização da nação. 

Embora esses fatores não sejam os únicos elementos que influenciam a situação da mídia, eles são um ponto de partida para entender melhor e teorizar sobre ambientes de liberdade de imprensa.

Uma mídia livre e independente permite à população responsabilizar os líderes, tomar decisões embasadas e ter acesso a uma diversidade de opiniões. Isso é importante para entender com precisão como são diferentes cenários de mídia e o porquê.The Conversation


Karen McIntyre é professora de jornalismo e diretora de estudos da Faculdade de Mídia e Cultura Richard T. Robertson da Universidade Virginia CommonwealthMeghan Sobel Cohen é professora do Departamento de Comunicação e do Mestrado em Práticas de Desenvolvimento da Universidade Regis.

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o texto original.

Foto por James Wiseman via Unsplash.