Jornalistas em Moçambique lutam por transparência eleitoral   

Jul 2, 2023 em Combate à desinformação
Jornalistas

Perto de 10 milhões de eleitores poderão se apresentar nas mesas de voto nas eleições autárquicas de 11 de Outubro, em Moçambique, país da região da África Austral. O censo eleitoral ocorreu em todas as autarquias e vilas municipais durante 45 dias.

As eleições em Moçambique estão sendo marcadas por constrangimentos, a começar pela fase de recenseamento. Vários episódios de fraude foram reportados, contrariando os preceitos de transparência de que o processo devia se orientar. Houve situações de recenseamento clandestino em certos pontos do país, supostamente para dar vantagem a um determinado partido. Há também registo de eleitores, que flagrantemente, não pertenciam à determinada área jurídica.

Os partidos da oposição (a Renamo e o MDM), os dois com assentos no parlamento, têm sido contudentes nas suas reações. Eles frequentemente reportam irregularidades consideradas nocivas ao processo que se pretende que seja justo e livre.

O bom jornalismo não ficaria alheio a situações que colocam em risco um processo democrático como as eleições. Sendo assim, os jornalistas em Moçambique seguem cumprindo com as suas atribuições civis, de denunciar os males que prejudicam muitas pessoas. Conversei com alguns jornalistas que atuam no país e há entre eles uma ideia comum: a de zelar pela transparência, justiça e liberdade eleitoral.    

Interferência política na liberdade de imprensa

"A liberdade de expressão e de jornalistas em Moçambique ainda está longe de se concretizar, enquanto houver interferência política nos ditames democráticos". afirma Omardine Omar, jornalista investigativo e de política.

Omar é o fundador do jornal digital Integrity Magazine News e tem uma carreira reconhecida pela coragem de lidar com perseguições. O jornalista considera que não é fácil exercer o jornalismo em Moçambique já que a liberdade de imprensa ainda é vista como uma ameaça para certas alas políticas.

Ele lembra que, há dois anos, foi detido enquanto fazia o seu trabalho de rotina e as razões da sua detenção jamais foram explicadas. Ele teme que neste processo eleitoral jornalistas poderão sofrer retaliações quando tentarem questionar ou reportar fatos suspeitos. Nas eleições gerais passadas, em 2019, Omardine cobriu o processo na província da Zambézia, na região centro do país. E conta que em um dos bairros, foi cercado por homens desconhecidos e só não foi agredido fisicamente por alguma sorte.

Sobre irregularidades que mancharam o processo de recenseamento eleitoral, ele explica que as eleições em Moçambique buscam satisfazer as intenções de alguns membros de determinado partido. “Estas eleições não passam de um instrumento de manipulação”, afirma Omar.

Combate a desinformação

Armando Nhamtumbo, um dos nomes mais conhecidos do jornalismo investigativo em Moçambique, afirma que os períodos eleitorais são férteis para a propagação da desinformação. O jornalista cita os exemplos que vem de fora, destacando as “fake-news” nas últimas eleições no Brasil e nos Estados Unidos da América.

Nhamtumbo entende que as plataformas digitais são veículos muito rápidos para disseminar um conjunto de informações, sejam elas não factuais ou verdadeiras. Nessa linha, ele afirma que cabe aos partidos políticos e aos cidadãos saberem usar e lidar com as plataformas digitais e as notícias por elas veiculadas.“Não tenho dúvidas de que os atores políticos vão querer usar a desinformação para procurar fazer o seu jogo nestas eleições”.

Nhamtumbo está na linha da frente de um projeto que consiste em fazer o fact-checking de possíveis inverdades durante o período eleitoral. Ele é colaborador do MISA Moçambique, uma organização defensora da liberdade de imprensa na África Austral. Entre as mais recentes reportagens do MISA, por exemplo, está a decisão dos órgãos governamentais de obrigar os jornalistas a serem credenciados se quiserem cobrir qualquer assunto relacionado às eleições. Na avaliação dos defensores da liberdade de imprensa, condicionar o credenciamento à cobertura do processo eleitoral é uma forma de evitar o livre acesso às informações eleitorais.

Omar considera ainda que alguns partidos políticos aproveitam-se de desinformação para lograr seus próprios benefícios. "Certos membros de formações partidárias inflitram-se no dia-a-dia do jornalismo, para procurar influenciar uma opinião pública que lhes favorece, mesmo quando não constitui alguma dose factual". Omar sugere muito profissionalismo por parte dos seus colegas para que se mantenham vigilantes e não se deixem influenciar pelas “manobras” dos interesses políticos.

A jornalista Joana Armando antevê um ambiente nebuloso nas eleições que vão acontecer em outubro e lamenta que a situação aconteça desde as primeiras eleições multipartidárias em 1994. "Os problemas começaram desde esta fase inicial. Se as fraudes não forem evitadas, o pior ainda pode acontecer".


Foto: Jaime Álvaro