O que é preciso para sustentar a mídia independente no mundo?

May 17, 2022 em Sustentabilidade da mídia
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A mídia independente faz os poderosos prestarem contas e oferece informação essencial para sua audiência, mas muitos veículos passam por dificuldades financeiras e estão sob o risco de encerrarem as atividades.

Embora existam histórias de sucesso e modelos para a construção de modelos de negócios jornalísticos viáveis, "não há uma receita única" que os veículos jornalísticos possam seguir, diz Patricia Torres-Burd, diretora administrativa do Media Advisory Services no Media Development Investment Fund (MDIF). Sua equipe apoia a sustentabilidade de mídia fornecendo suporte técnico e empresarial para o portfólio global do MDIF.

Qualquer veículo que tenha o objetivo de sustentar o seu trabalho financeiro precisa desenvolver seu próprio plano de negócios, adaptado para a sua audiência, segundo ela.

É por isso que o ICFJ lançou o programa Elevate, que capacita jornalistas que lideram empreendimentos de mídia independente. Por meio desse programa que oferece intercâmbio global, treinamento e subsídios, gestores do jornalismo podem desenvolver as habilidades de negócios necessárias para crescer e sustentar seus veículos de pequeno e médio porte para que possam continuar produzindo notícias independentes e precisas.

Agora que a primeira turma foi selecionada, Torres-Burd está entrevistando cada um dos participantes para avaliar as necessidades e sugerir mentores. Para ajudar a escolher a turma, o Elevate chamou James Breiner, especialista em sustentabilidade no jornalismo.

Depois de fazerem 50 entrevistas com os candidatos do Elevate, Breiner e Torres-Burd compartilharam suas reflexões sobre sustentabilidade do jornalismo no mundo com o ICFJ. 

ICFJ: O que vocês observaram nos gestores de redações entrevistados?

Breiner: Eles têm um senso enorme de serviço comunitário. Essa é a prioridade deles. Eles querem dar voz a pessoas negligenciadas ou abusadas pelos poderosos. E eles querem dar informação que sentem ser necessária, mas que não está disponível em nenhum outro lugar.

Torres-Burd: Os candidatos do Elevate estão realizando um trabalho muito bom. Eles fornecem informação essencial e/ou ferramentas para informar melhor que são vitais para qualquer comunidade. Muitos dos participantes do Elevate estão fazendo muito com muito pouco dinheiro e equipe.

ICFJ: O que a experiência de conversar com os participantes e candidatos diz a vocês sobre as necessidades da mídia independente e dos desafios que ela enfrenta?

Torres-Burd: Assim como acontece com a maior parte da mídia (no mundo), a habilidade de encontrar e/ou criar um modelo sustentável é um desafio. O jornalismo, por definição, é bastante desafiador para se monetizar e alguns dos candidatos do Elevate trabalham em ambientes sociopolíticos e econômicos desafiadores.

Todos os candidatos buscam modelos que possam implementar ou ajustar à sua organização, mercado e região para servir melhor a audiência e ampliar seu impacto e alcance.

Alguns, não todos, também têm uma grande dependência em subsídios, o que torna uma mudança para novas verticais de receita ainda mais desafiadora. Não é impossível, mas requer uma abordagem muito diferente e é aí que o Elevate certamente vai fazer grandes avanços.

Breiner: É claro que o grande problema é financeiro. Muitas dessas publicações estão na corda bamba do ponto de vista financeiro, esperando o próximo grande subsídio chegar, e isso as torna muito vulneráveis.

Mas o outro problema é capacitação. Muitas dessas pequenas organizações carecem de qualquer experiência básica sobre gestão de um negócio, e organizações sem fins lucrativos são negócios também, no sentido de que precisam gerar dinheiro o suficiente para pagar sua equipe e manter o site funcionando. Elas precisam de capacitação em contabilidade, gestão financeira, administração, gestão de pessoas, assim como em uso eficaz da tecnologia, tanto das ferramentas para manutenção de seu conteúdo quanto para melhorar a distribuição nos canais usados por seu público-alvo. 

Elas precisam de alguém na equipe cuja única responsabilidade seja geração de receita, marketing e vendas. Mas mesmo aquelas que têm alguma habilidade nessas áreas poderiam acelerar seu crescimento e impacto com mais treinamento especializado, como o que o Elevate vai oferecer. 

Alguma coisa surpreendeu vocês? Caso sim, o que e por quê?

Torres-Burd: Uma das áreas que me surpreendeu foi [veículos] não entendendo claramente quem é a audiência leal. A mídia tende a focar demais no topo do funil, em termos de visitas e visualizações totais, em vez de trabalhar para servir o leitor leal que retorna sempre. Sem um entendimento claro de quem é esse consumidor é quase impossível servi-lo adequadamente, satisfazer suas necessidades de informação e conteúdo e, mais importante, oferecer outras verticais que poderiam, quando bem executadas, serem monetizadas ou apoiadas com receita de leitores.

Breiner: O que é surpreendente é o quão similar são os problemas em todo lugar no mundo. As preocupações são com saúde pública, meio ambiente, direitos humanos, justiça social, eleições justas, liberdade de expressão e igualdade.

Além disso, como muitos dos fundadores e diretores nunca aprenderam o básico de controle financeiro, eles têm muita dificuldade em dizer se ganharam ou perderam dinheiro no mês ou no quadrimestre anterior. Eles poderiam se valer de capacitação para avaliar o custo de suas atividades. Esse projeto aqui está custando mais dinheiro do que está gerando? Esse projeto novo sugerido por um financiador vai desviar o tempo e energia da nossa equipe da nossa missão central e produzir pouco benefício financeiro? Esse tipo de análise de custo-benefício é uma atividade diária para qualquer negócio e os empreendedores de mídia digital se beneficiariam de capacitação nessa área.

Vocês gostariam de compartilhar alguma outra reflexão sobre o processo ou sobre a mídia independente em geral?

Torres-Burd: Para continuar independente, a mídia não tem escolha a não ser encontrar formas para sustentar financeiramente seu jornalismo. Não há uma receita única. Não dá para copiar do outro e nem sempre inclui uma solução simples como implementar um setor comercial. Cada mercado, CPM [métrica de publicidade digital], valor e custo de operar um negócio varia amplamente, e isso precisa ser levado em consideração na hora de oferecer sugestões, recomendações e suporte para ajudar a mídia a mudar e encontrar formas de sobreviver para continuar servindo sua comunidade.

Breiner: Eu fico sempre impressionado com a coragem e comprometimento dos empreendedores de mídia digital que enfrentam grandes ameaças de interesses políticos e comerciais poderosos. A crença deles em sua missão de oferecer informação confiável e de credibilidade me inspira, para ser honesto. Eles me dão energia.


Foto via Pexels por Madison Inouye.

Este artigo foi originalmente publicado pela organização-mãe da IJNet, o Centro Internacional para Jornalistas.