O perigoso silêncio na Turquia

May 30, 2023 em Liberdade de imprensa
Board with flowers in front of it showing victims of Turkey earthquake

Na manhã do dia 21 de fevereiro, o principal site de notícias da Turquia, EkşiSözlük, saiu do ar.

Naquela mesma manhã, Elan Yurt, astróloga e freelancer que mora em Istambul, tentou visitar o site para ver discussões sobre a eleição presidencial do país, mas a página não carregou. A princípio, ela atribuiu o problema à conexão de internet ruim, mas logo se lembrou do padrão de silêncio da grande mídia após eventos trágicos no país.

Dois terremotos tinham devastado o sudeste da Turquia no início de fevereiro, intensificando os desafios econômicos e a crise política já existente, na qual uma oposição fortemente dividida fazia frente ao partido de direito dominante. Em meio a um declínio nas perspectivas, a população jovem estava indo embora do país em uma "fuga de cérebros".

Nesse ambiente, o EkşiSözlük tinha se tornado um porto seguro para as pessoas expressarem suas opiniões sem medo de consequências políticas negativas. O encerramento do site representa uma ameaça terrível à liberdade de expressão, principalmente no contexto das eleições presidenciais. E caso o presidente Erdogan e seu partido, o AKP, vençam, a liberdade de expressão, que já está em um ambiente péssimo, pode ser ainda mais ameaçada.

EkşiSözlük: "A fonte de conhecimento sagrado”

Fundado em 1999 por Sedat Kapanoğlu, o site EkşiSözlük’s é comandado por jornalistas que tendem a ser de esquerda, instruídos e laicos.

O site ficou conhecido como "a fonte de conhecimento sagrado": uma plataforma onde vozes únicas podem expressar suas opiniões sem medo de consequências sociais ou de irem para a prisão. Ele vinha sendo uma ferramenta valiosa para cidadãos acessarem informação factual fora da propaganda governamental. 

Tanto o EkşiSözlük quanto quem escrevia nele precisou enfrentar polêmicas, censura, detenções e até prisões ao longo de sua história. Porém, até os terremotos de fevereiro, o site tinha evitado ser completamente banido pelo governo turco.

Censura após os terremotos

Após os terremotos de fevereiro, o acesso a plataformas como YouTube, Instagram, Facebook e Twitter teve a velocidade amplamente reduzida, gerando críticas da população. Ao mesmo tempo, autoridades turcas não conseguiram esclarecer os problemas de comunicação. Durante o período em que não houve cobertura, mais de 48.000 pessoas perderam suas vidas e quase 1 milhão de pessoas ficaram desalojadas.

"Foi surreal vivenciar aquele silêncio", diz Yurt sobre a falta de informação em torno do terremoto. "Você está sentada ciente de que pessoas estão sendo enterradas vivas; ninguém está oferecendo ajuda a elas. Nem o governo, nem um soldado, ninguém."

A tendência do estado de transmitir documentários em momentos de crise também deu origem a uma nova frase coloquial: "eu vi os pinguins ontem à noite", sugerindo que não há nenhum noticiário para assistir enquanto há um acontecimento importante no país – mesmo durante emergências públicas com muitas vítimas.

Nos últimos anos, a importância de ter um lugar para que as pessoas possam se comunicar entre si se tornou cada vez mais evidente. Com veículos pró-governo e canais de mídia partidários competindo pela atenção do público, ficou difícil encontrar informação correta online.

A sensação de desamparo entre as vozes suprimidas é palpável no país desde os Protestos de Gezi Park em 2013, e parece ter se enraizado ainda mais desde então. Ao mesmo tempo, o Partido Republicano Popular (CHP) e vários outros partidos de oposição, que já têm um número pequeno de eleitos, estão tendo problemas para encontrar uma plataforma segura para divulgar suas ideias. 

Deterioração da liberdade de imprensa

Atualmente, a Turquia está caindo rapidamente em rankings de liberdade de expressão, ocupando a posição 165 dentre 180 países no ano passado. O fechamento do EkşiSözlük tem uma relevância significativa diante disso, já que nenhuma outra plataforma no país funciona como um ponto de referência cultural, fonte de conhecimento e como um exemplo ao assumir uma posição contrária às tentativas de limitar a liberdade de expressão.

O encerramento do EkşiSözlük – e a falta de transparência em torno do fato – intensificou o ambiente de desânimo entre os dissidentes do país. Muitos deixaram a Turquia e aqueles que ficaram viram seu poder político severamente enfraquecido

A censura estatal se tornou ainda mais poderosa com a implantação do que ficou conhecido como a lei de censura, que permite ao estado fechar sites jornalísticos e reduzir a velocidade de acesso às redes sociais sem justificativa. Agora o EkşiSözlük faz parte do grupo de muitos outros sites que estão fora do ar há meses por meio da lei.

Eleição presidencial

Embora a recessão econômica e a percepção da má condução do governo dos terremotos de fevereiro tenham afetado a performance do AKP na eleição presidencial, o partido superou as expectativas no primeiro turno das eleições. O AKP recebeu 36% dos votos, semelhante ao desempenho que teve em 2002, quando chegou ao poder pela primeira vez.

O CHP, que prometeu trazer de volta o sistema parlamentarista na Turquia, veio na sequência, com 25% dos votos. Como nenhum candidato teve mais de 50% dos votos, um segundo turno foi realizado no dia 28 de maio. 

No momento da publicação deste artigo, o EkşiSözlük segue banido, indicando a luta constante pela liberdade de expressão no país.


Foto por Nk Ni via Unsplash.